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Daniel Thame | www.danielthame.blogspot.com

O Haiti, que ocupa metade da ilha de Hispaniola, no paradisíaco mar do Caribe, nasceu como nação há cerca de 200 anos, destinada a ser um exemplo para o mundo.

Uma república forjada na luta de escravos libertos, num tempo em que a escravidão, aberta ou disfarçada, ainda era regra no continente e que outras ilhas e ilhotas ao seu redor ainda penavam como colônias dos países da Europa, antes de serem submetidas a ditaduras brutais.

Dona Zilda Arns, uma catarinense de fala suave e de gestos comedidos, criada na parte rica do Brasil desigual, nasceu para servir, para ser a estrada que pavimenta o acesso de milhares, talvez milhões, de pessoas à inclusão social.

Uma mulher assentada na fé católica, mas que entendeu que a fé necessita estar aliada à ação para quem pretende fazer valer a mensagem de Deus. E que, lançadas as bases da Pastoral da Criança, desenvolveu um trabalho que atingiu todas as partes do Brasil e foi adotado em outros países do mundo.

E é aí que ocorre o imponderável, o momento em que as histórias de dona Zilda Arns e do Haiti se encontram, para se unir em laços que o destino, numa de suas muitas trapaças, tornariam eternos.

O destino glorioso do Haiti trombou com fenômenos naturais como furações, vendavais e terremotos, que aliados a uma ditadura brutal e corrupta transformaram aquela parte da Hispaniola num dos países mais paupérrimos do mundo.

Um país em que, todos os anos, milhares de recém-nascidos e de crianças morrem de desnutrição, na fome endêmica e na ausência de serviços básicos como saúde e saneamento, que compõem um quadro de miséria apocalíptica.

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O espírito de solidariedade de dona Zilda Arns a empurrou de encontro ao Haiti, para onde seguiu disposta a implantar ações de combate à desnutrição.

Ela foi salvar vidas, porque a essência de Deus não está necessariamente na conquista de um hipotético reino dos céus, mas na preservação dessa dádiva maravilhosa que é a vida humana.

No momento em que as mãos desse anjo-humano chamado dona Zilda tocavam as crianças haitianas com o poder de oferecer-lhes um futuro, um terremoto destruiu o presente, o futuro e tudo o que encontrou pela frente, reduzindo o Haiti a escombros.

Levou também dona Zilda Arns. Se fosse possível celebrar a morte de quem tanto zelou pela vida, diríamos que ela morreu como morrem os que passam pela vida como protagonistas e não como meros expectadores: cumprindo sua missão, buscando a transformação através do trabalho voluntário e desprendido de vaidades.

O encontro, que se revelou trágico, da história de dona Zilda com a história do Haiti, talvez não seja obra do acaso.

É muito mais provável que seja um sinal.

O sinal de que, inspirados em seu exemplo, homens e mulheres de todo o planeta se unam num imenso abraço de solidariedade.

Agora, para salvar e reconstruir o Haiti.

Depois e sempre para livrar o mundo dos diversos haitis que existem espalhados pelo planeta.

Morta no Haiti, dona Zilda vive.

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Daniel Thame é jornalista e blogueiro

6 respostas

  1. Lindo texto!

    Parabéns ao autor do texto pela expressão simples e tão rica,própria de quem
    tem sensibilidade!

    Que Deus abençoe a todos os ‘haitis’ no mundo e a todas as
    Zildas de boa vontade…

    Isso prova que nem tudo está perdido…

    Ainda existem pessoas que conseguem olhar o outro como a si mesmo!

  2. É mto bonita a forma como o autor, jornalista de atuação tão notável, consegue nos emocionar. A cada palavra, Daniel nos mostra que pessoas como Zilda merecem nosso respeito, nossa admiração, mas, sobretudo, a conscientização de que esse trabalho não pode parar. Podemos começar ele todos os dias, ajudando nossos mais próximos. Sábias palavras! Obrigada pelo texto! Obrigada pela reflexão!

  3. Parabéns pelo texto. Fiquei triste quando soube que a médica Zilda Arns estaria entre as vítimas brasileiras mortas pelo terremoto que atingiu o Haiti na última terça-feira, 12.

    Certamente, nós, brasileiros e reconhecedores de seu trabalho, jamais deixaremos de adotar seu comportamento em vida como exemplo de solidariedade e amor ao próximo.

    Abraços, até mais.

    http://www.nacoladanoticia.com

    Este, sim, um blog de notícias como você nunca viu.

    > Informação do jeito que você gosta.

  4. É TRISTE E LAMENTÁVEL A NOTÍCIA DA MORTE DE Dr ZILDA ARNS,FUNDADORA E COORDENADORA DA PASTORAL DA CRIANÇA.UMA VERDADEIRA INSTITUIÇÃO QUE ZELA, CUIDA, TRANSFORMA E INCLUI VIDAS ,SOBRETUDO INFANTIS NA SOCIEDADE BRASILEIRA. QUE O EXEMPLO DESTA BRASILEIRA, MÉDICA PEDIÁTRICA E SANITARISTA POSSA SERVIR DE EXEMPLOS A TODOS OS POVOS.E VEREM NO ROSTO DE CADA CRIANÇA E DE CADA PESSOA IDOSA A IMAGEM VISÍVEL DE DEUS. DESCANSE EM PAZ DOUTORA ZILDA E OBRIGADO POR ESSE LEGADO TÃO BONITO NA IGREJA E NO BRASIL.

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