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Leandro Afonso | www.ohomemsemnome.blogspot.com

Vício Frenético (Bad Lieutenant: Port of Call – New Orleans – EUA, 2009), não é uma simples refilmagem, assim como está longe de ser um dos filmes que mais carrega a assinatura de Werner Herzog. O que não quer dizer que a primeira afirmação seja carregada apenas de mérito e a segunda de demérito. Quer dizer sim que aí talvez resida justamente o ponto mais saliente do filme: ele é uma mistura de características teoricamente a favor com outras a princípio contra e que, juntas, chegam a um resultado heterogêneo e anômalo.

A cena de abertura, por exemplo, pode ser vista de basicamente duas maneiras distintas – cada uma com sua razão. Uma delas diz que a atitude altruísta não condiz com Terence McDonagh (Nicolas Cage, com qualidades e defeitos aproveitados), alguém cuja mistura de hedonismo e egoísmo é tão explosiva quanto límpida. A outra avalia sua atitude como uma forma de Herzog (e o roteirista William F. Finkelstein) mostrar como esse heroísmo não passa de um desvio momentâneo de alguém com uma personalidade tão desequilibrada como afetada pelas drogas.

Esse mostrar, todavia, não é explícito nem imediato. Somente com o passar do tempo é que percebemos como a aparente redundância do roteiro – com droga a toda cena – é, na verdade, uma ferramenta que demonstra toda a complexidade daquele mundo (e especialmente daquele personagem) corrompido de e por pessoas corrompidas.

O abordar esse mundo nos remete ao desfecho da versão original (spoiler), com o assassinato de Harvey Keitel. Pela pessoa, pelo tema e pela conterraneidade do diretor, era inevitável a lembrança de Martin Scorsese e o começo de seu Caminhos Perigosos (1973): “Você não paga seus pecados na Igreja, você os paga nas ruas”. No Vício Frenético de Ferrara, o tenente era punido pelo. No Vício Frenético de Herzog, vemos basicamente a mesma cena do fim, na rua, praticamente o mesmo plano, mas a morte não vem. O que vem é, além de (mais) um diálogo carregado de um nonsense de aparência calculada, outra promoção e homenagem que (como a do começo, embora não com a mesma intensidade), traz uma boa dose de ironia.

Nesse final, como especialmente nas cenas alucinógenas, Herzog bate o seu pé – (guardadas as devidas propoções) as maluquices de Klaus Kinski transpostas para Nicolas Cage, as alucinações são do jeito dele, e ele não tem que (ou não quer) punir ninguém pelo comportamento nada ortodoxo. Do que ele sempre soube tratar. Com o adendo de que, travestido de diretor de aluguel (o que de fato não deixa de ser aqui), tem seu feito ainda mais potencializado.

Visto no Multiplex Iguatemi – Salvador, janeiro de 2010.

Vício Frenético (Bad Lieutenant: Port of Call – New Orleans – EUA, 2009)

Direção: Werner Herzog

Elenco: Nicolas Cage, Eva Mendes, Val Kilmer.

Duração: 122 min

Projeção: 1.85:1

8mm

Acabou

Assim como as sessões à tarde durante a semana, acabaram-se as cabines de imprensa pra mim – ainda que seja por uma boa causa. Ou seja, no more textos escritos antes das estreias nacionais.

Mendes

Depois de Os Donos da Noite (2007) e Vício Frenético (2009), Eva Mendes foi perdoada por todas as besteiras que fez antes deles.

Filmes da semana:

  1. Um Convidado Bem Trapalhão (1968), de Blake Edwards (Telecine Cult) (**1/2)
  2. O Sabor da Melancia (2005), de Tsai Ming-Liang (DVDRip) (***1/2)
  3. Todas as Mulheres Fazem (1992), de Tinto Brass (DVDRip) (**1/2)
  4. 4. Procurando Elly (2009), de Asghar Farhadi (Cinema da Ufba) (***)

Curtas

1. Thriller (1983), de John Landis (DVD) (****)

Melhores filmes de janeiro (não incluem os dessa semana):

10. Caminhos Perigosos (1973), de Martin Scorsese (***)

9. Rosetta (1999), de Jean-Pierre e Luc Dardenne (***1/2)

8. O Pecado Mora ao Lado (1955), de Billy Wilder (***1/2)

7. Manhattan (1979), de Woody Allen (***1/2)

6. Amor à Queima-Roupa (1993), de Tony Scott (****)

5. A Aventura (1960), de Michelangelo Antonioni (****)

4. Casablanca (1942), de Michael Curtiz (****)

3. Uma Garota Dividida em Dois (2007), de Claude Chabrol (****)

2. Vício Frenético (2009), de Werner Herzog (****)

1. Lola (1981), de Rainer Werner Fassbinder (****1/2)

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Leandro Afonso é comunicólogo, blogueiro e diretor do documentário “Do goleiro ao ponta esquerda”

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