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Leandro Afonso | www.ohomemsemnome.blogspot.com

Ah… o Amor!, a cretina tradução para Ex (2009 – Itália/ França, 2009), de Fausto Brizzi (roteirista tarimbado, terceiro longa), é o tipo de título constrangedor que, passados os primeiros dois minutos do filme, tende a te levar a todo tipo de previsão apocalíptica para as próximas duas horas. Todavia, apesar dessa aura negativa fazer questão de ter sua voz amplifica logo de cara, o resto da projeção se mostra como uma deliciosa comédia de costumes (mas não só), que, embora tente, não consegue ser estragada nem pelos dez minutos finais – proibidos para diabéticos.

A história é basicamente sobre vários casais que, passados seis anos, vêm suas situações assaz diferentes. Além de tola, a apresentação é funcional, e a elipse subseqüente é didática. Feita essa introdução, Fausto Brizzi deixa claro que o norte será menos o cinema do que a comédia – sem que, para isso, a narrativa audiovisual (o meio para se chegar ao resultado) tenha de ser ofendida.

O maior investimento desse humor, ao invés do tradicional pastelão que tanto caracteriza parte do bom cinema italiano, está principalmente no texto. Graças a uma cuidadosa escrita, Brizzi, que trabalha com uma humanização (vez ou outra, todos fazem alguma besteira) otimista (todos ficam juntos e/ou felizes com suas condições) de todos os seus personagens, consegue encaixes surreais que criam toda uma atmosfera própria. De Caravaggio a Nani Moretti, passando por situações absurdas (aceitáveis dentro desse mundo criado), tudo transborda uma anedota, uma vontade de rir, ou de fazer rir (ainda que da própria miséria) – sem apelar tanto para o chulo ou para a obviedade constrangedora.

Não é que Ah… o Amor! seja um filme sem defeitos, longe disso. A trilha sonora, que tem até The Calling (nada mais infanto-juvenvil sem gosto e identidade), é o que mais deixa a incômoda sensação de uma vontade desmedida de ter que abraçar o mundo inteiro; se assumindo, sem vergonha alguma, como um produto tipo exportação – o que pode levar a um curioso diálogo com Nine (2009). Se o filme de Rob Marshall resume um clássico do cinema italiano (8½ de Fellini), e parte da própria Itália apaixonante, ao mercado didático americano, Ah… o Amor! se mostra como um italiano colonizador (vemos muito da Itália linda e lindamente acessível – de se ver), mas também colonizado – das músicas genéricas americanas ao gênero abraçado.

De qualquer jeito, o filme de Brizzi está longe de ser um poço de preguiça ou de alienação (embora limpidamente burguês), e consegue também funcionar como sátira que alfineta, entre outras, a Igreja católica. E mesmo que ele se lambuze todo no final (deveras arrastado), esse problema é menos exclusivo de Brizzi que da fidelidade ao gênero. Gênero esse que, geneticamente ligado à continuidade da indústria, estaria próximo do ideal (ainda que, obviamente, relativo) se fosse sempre assim.

Visto no Cine Vivo – Salvador, fevereiro de 2010.

Ah… o Amor! (Ex – Itália/ França, 2009)

Direção: Fausto Brizzi

Elenco: Alessandro Gassman, Fabio De Luigi, Claudia Gerini, Cristiana Capotondi, Cécile Cassel, Flavio Insina, Gianmarco Tognazzi

Duração: 120 minutos

Projeção: 2.35:1

8mm

Filmes da semana:

  1. Quem Bate à Minha Porta (1967), de Martin Scorsese (DVDRip) (***1/2)
  2. Ah… o Amor! (2009), de Fausto Brizzi (Cine Vivo) (***1/2)
  3. Luz de Inverno (1962), de Ingmar Bergman (DVD) (**1/2)
  4. Quando Explode a Vingança (1971), de Sergio Leone (DVD) (**1/2)
  5. Sweeney Todd (2007), de Tim Burton (DVD) (***)
  6. Inimigos Públicos (2009), de Michael Mann (DVD) (****)
  7. Glauber o Filme, Labirinto do Brasil (2003), de Silvio Tendler (DVD) (***)
  8. O Piano (1993), de Jane Campion (DVD) (***)

Top-10 de fevereiro:

10. O que Resta do Tempo (2009), de Elia Suleiman (***)

9. Guerra ao Terror (2009), de Kathryn Bigelow (***)

8. O Raio Verde (1986), de Eric Rohmer (***1/2)

7. Baile Perfumado (1997), de Paulo Caldas e Lírio Ferreira (***1/2)

6. Quem Bate à Minha Porta (1967), de Martin Scorsese (***1/2)

5. O Sabor da Melancia (2005), de Tsai Ming-Liang (***1/2)

4. Estrada Perdida (1997), de David Lynch (***1/2)

3. Ah… o Amor! (2009), de Fausto Brizzi (***1/2)

2. Inimigos Públicos (2009), de Michael Mann (****)

1. Persona (1966), de Ingmar Bergman (DVD) (*****)

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Leandro Afonso é comunicólogo, blogueiro e diretor do documentário “Do goleiro ao ponta esquerda”

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