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SE A POLÊMICA BATE, EU ABRO A PORTA

Ousarme Citoaian

Inocente comentário postado aqui há dias (sobre frequência de lugares públicos por indivíduos sem camisa) gerou reações, algumas indignadas. Com os leitores queremos diálogo, não polêmica. Mas se ela nos bater à porta será recebida com especial carinho. A mídia, sem ser serviço público, é serviço ao público. Logo, pugnar pela educação das pessoas é, sim, obrigação nossa (ainda que sujeitos a erros semelhantes àqueles que combatemos). Este é o nosso ponto de vista: homens semi-vestidos, em lugares fechados e públicos denunciam sua péssima extração social. E também a de quem os governa. Não precisávamos dizer que as cabanas de praia (foto) estão fora da lista.

VAMOS BOTAR A MÃE NO MEIO

Houve quem tentasse reviver a estúpida atitude xenófobo-chauvinista entre Itabuna e Ilhéus – aquela asneira baseada em jacas e caranguejos. Bobagens, miudezas, bugigangas, brogúncias. Não patrocinamos patacoadas antigas ou recém-criadas. E esta, por sinal, já foi enviada, ao menos pelas gentes sensatas, à lata de lixo da história regional. Somos duas comunidades carentes de serviços públicos básicas (incluindo a mencionada educação), e não vejo em que uma delas deva se vangloriar. Também acusaram esta coluna de exalar aromas de elitismo, sofisticação e riqueza. Nonada. A educação de berço não é apanágio dos financeiramente ricos, pois não custa dinheiro. No geral, quem tem (ou teve) boa mãe tem bons modos.

OPÇÃO ENTRE BICHOS E CIDADÃOS

Falamos do comportamento deplorável, comum nas duas cidades, de indivíduos que (além do abuso da semi-nudez), buzinam para tirar as pessoas da rua, “se aliviam” no poste ou no pé do muro, avançam o sinal e só não atropelam velhinhas na faixa de pedestres porque elas, as velhinhas, cada dia ficam mais espertas, lépidas, serelepes e de juntas azeitadas. Tais indivíduos não honram nem respeitam a população das duas cidades, e melhor estariam entre animais de estrebaria e pasto. Mas se alguém aprova esse proceder, impróprio para sociedades que se dizem civilizadas, sirva-se: estamos em democracia, a liberdade de opinião é assegurada e a decisão é fácil: é escolher entre ser cidadãos ou ser bichos.

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HERANÇA DA TORRE DE BABEL

Dad Squarisi, consultora desta coluna (embora disso não saiba), conta uma historinha sobre a Torre de Babel (na imagem), aqui adaptada: os homens construíram uma torre que os ligasse diretamente, sem lobistas, ao céu. Por ser tão descabida, a pretensão arrancou de Deus apenas um riso complacente. Pois sim! A obra prosseguiu e quando Ele se lembrou de dar uma espiadinha o espigão já quase tocava os divinos aposentos. Deus resolveu castigar os pedreiros de Babel: criou umas três mil línguas, de forma que eles não mais se entendessem, deixando a obra tão parada quanto o PAC do Cacau. Feito isso, o divino Mestre avaliou Seu trabalho e o considerou incompleto. Era preciso juntar às línguas dificuldades extras, para ter certeza de que os homens não voltariam jamais a se entender e “aprontar”.

O HÍFEN É O CASTIGO DO PORTUGUÊS

O alemão Deus presenteou com aquelas palavrasemendadasumasnasoutras, compridas feito a cobra que tentou Eva no Paraíso (na gravura); o francês recebeu a praga dos acentos (tem até acento circunflexo no i); o chinês Ele encheu de ideogramas impenetráveis; o inglês ficou para ser escrito de uma forma e pronunciado de outra… E para o português, nada? Para o português Deus guardou “o Seu melhor”: pegou um montão de tracinhos na mão direita, outro montão de palavras na esquerda, jogou tudo pra cima e, com insuspeitada maldade, disse aos lusógrafos: “Virem-se!”. Estava criado o hífen. Mais do que simples sinal, o hífen é produto de um instante de divino mau humor. Saber empregá-lo com segurança, só Deus. E olhe lá…

A VIZINHA E AS LETRAS DOBRADAS

Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça é ela, minha vizinha do 6º andar, que passa de minissaia… “O certo é minissaia ou mini-saia?”, me pergunta, insensível, o porteiro do edifício, sem perceber que estou interessado em ler o conteúdo, não o continente. Até dias recentes, havia controvérsia. O mais popular dicionário brasileiro, o Aurélio, grafava minissaia (foto) e minissérie; outros (Houaiss e Saconi, por exemplo) preferiam mini-saia. Agora, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) pôs fim à discussão, ao fixar que, nestes casos, o procedimento correto é dobrar a consoante: minissaia, minissérie. O hífen desapareceu e deu lugar a uma nova letra. Mistérios.

ESTRANGEIROS EM PORTUGUÊS

Do jeito que as coisas andam, de acordo em acordo, terminaremos estrangeiros em nosso próprio idioma. Mais do que nunca eu poderia dizer, como o escritor Gilson Amado: “Não escrevo sem dicionário”. É necessário fazer consultas, para evitar ser surpreendido por esse hífen que mais parece uma casca de banana: pisou em falso, é certa a queda. Assim, fui ao Volp (foto) e anotei, para dirimir dúvidas futuras, a grafia “moderna” de algumas palavras velhas: minibiblioteca, minijardim minirreator e também maxissaia e midissaia. Enquanto eu me ocupava dessas filigranas, a vizinha desapareceu no horizonte. Ainda cometo um maxicrime contra esse porteiro!…

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VAGNER LOVE ATRAVESSA NA AVENIDA

“Procuro fazer o meu melhor dentro de campo” (O. C. grifou), diz o semi-xodó da torcida do Flamengo, Vagner Love (foto), na segunda-feira de Carnaval, na Globo. Meu melhor? Estranha língua, que a gente entende, mas que não chega a ser, rigorosamente, a portuguesa. Essa bobagem ganha espaço na linguagem, com o deletério apoio da mídia. Diz-se que a coisa vem do inglês To make my best, por tradução preguiçosa e burra.  Por certo, o sergipano-itajuipense-carioca Marcos Santarrita, que já traduziu até os palavrões de Miles Davis, verteria a expressão como “fazer o melhor que posso”, ou equivalente.

EXECUTIVOS “CONTAMINADOS”

O itabunense Hélio Pólvora, tradutor de Faulkner (foto), tem chamado a atenção sobre os erros, às vezes grosseiros, que ocorrem em tradução de textos literários. O professor Cipro Neto debita à tradução de má qualidade o “gerundismo” que assola o Brasil, principalmente no mundo do telemarketing.  A moça gentil que nos atende (depois de ficarmos muitos minutos ao telefone) informa, se estamos com sorte, que “estaremos abrindo um processo e o senhor estará sendo informado desse procedimento dentro de doze dias. Úteis”. Conheço executivos que, talvez por contaminação do telemarketing, abusam desse modismo horroroso.

O BOTAFOGO FEZ “O SEU MELHOR”

Na semana passada, após tantas vãs tentativas com a vizinha do 6º andar, imaginei ter conseguido  “o meu melhor”: percebi que a danadinha, cansada de sucessivas negaças às minhas canhestras propostas de encontro, estava propensa a dizer “vou”. Não disse. Disse “estarei indo”. Diante de tamanha demanda reprimida, agora na iminência do  atendimento com juros e correção, esqueci os ditames da língua portuguesa e apenas comemorei. Em vão, pois ela não foi. Mas se pensa que vai estar se livrando de mim de maneira tão fácil, estará se enganando… Quanto a Vagner Love, foi mal: o Botafogo fez “o seu melhor” e deu um virote no Flamengo.

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O DIVINO MILES DAVIS

Deveria interessar [sua vida] também à sociologia, à psicologia e até à farmacologia – para alguns, é um milagre que tenha chegado aos 65 anos, depois das toneladas de drogas que absorveu”. Isto é Ruy Castro falando de Miles Davis, o divino, no livro Tempestade de ritmos (Companhia das Letras/2007). Davis é um dos maiores trompetistas de jazz de todos os tempos,  reinventor do gênero, pousando na história ao lado de Armstrong, Lester Young, Charlie Parker, Billie Holiday, John Coltrane e outros poucos. No final de um livro autobiográfico, ele dá um exemplo de sua comentada arrogância: “Eu mudei a música cinco ou seis vezes. E você, o que fez?”, provoca.

ÍCONE DO JAZZ NO SÉCULO XX

“Não ligo para o que os críticos falam de mim, seja bem ou mal. Eu sou o meu crítico mais exigente. Sou vaidoso demais para tocar qualquer coisa que não considere boa”, disse Miles Davis em 1962. A declaração está em 1.001 discos para ouvir antes de morrer (GMT Editores Ltda./2007), uma seleção feita por 90 críticos renomados. O livro relaciona nada menos do que quatro discos de Davis: Birth of the cool, Beatches brew, In a silent way e Kind of blue. Eu tenho o último e gosto, particularmente, de So what!, com seus quase dez minutos, uma prova de fôlego para o trompetista. Sobre Kind of blue derrama-se o crítico Seth Jacobson, no citado 1.001 discos: “Trata-se de um momento que definiu um gênero musical do século XX”. O resto é silêncio.

DESTRUÍDO PELAS DROGAS

“O ego de Miles Davis não cabia num álbum triplo”, diz Ruy Castro. Insensível, virou as costas a Charlie Parker, quando o saxofonista, devido às drogas, ficou de convivência difícil – mas se sentiu injuriado ao sofrer o mesmo – e pela mesma razão. Teceu críticas ácidas a Wynton Marsalis, por tocar música clássica, além de condenar Armstrong, de bancar o clown para os brancos (mais tarde os críticos o acusariam de fazer a mesma coisa em seus shows). Ao morrer, Miles Davis era novamente um homem rico (tivera altos e baixos nesse quesito), mas com a saúde destruída pela longa dependência química. A última droga de sua lista foi cocaína. No vídeo, Miles Davis e seu quinteto, com o clássico Round midnight.

Aperte o play.

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(O.C.)

4 respostas

  1. Está de parabéns o autor do PIMENTA, ao descrever de forma límpida e direta as observações sobre comportamento , xenofobia, educação e respeito ao ser humano.Há de se propagar boas palavras e bons pensamentos.Que a PIMENTA DA MUQUECA, queime a língua dos menos interesados na paz , na união e convivência harmoniosa entre as duas cidades ( ilhéus e itabuna), sejamos inteligentes, coerentes e humanos.

  2. Ainda não me dei ao trabalho de estudar mais esta insensata “reforma ortográfica”. Talvez, pelo fato de a minha disciplina não ser a Língua Portuguesa, embora labute com ela a todo momento na prática pedagógica.

    É mais uma “reforma” que nossos irmãos lusitanos vão fingir que não existe. Quanto a mim, vou resistir até quando for possível.

    Um adjetivo para o tema – em especial no que se refere a ausência de educação na dimensão atitudinal: PRIMOROSO.

  3. Sensacional, delicioso, inteligente e extremamente crítico quem escreve o “Universo Paralelo”. As observações são pertinentes, lógicas e de uma criticidade construtiva. Este está maravilhoso. Com certeza o autor expressa “O SEU MELHOR” (rsrsrsrsrsrsrsrsrs). Adoro “Pimenta na Muqueca”.

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