Tempo de leitura: 3 minutos

Leandro Afonso | www.ohomemsemnome.blogspot.com

Cascalho (idem – Brasil, 2008), adaptação do romance de Herberto Sales e exibido na última semana na sala Walter da Silveira, é o primeiro longa-metragem de Tuna Espinheira (O Cisne Também Morre, Viva o 2 de Julho), baiano com mais de 30 anos de carreira como documentarista. Aqui temos ganância, sonho e repressão na Bahia – Chapada Diamatina – dos anos 30, época do garimpo e de sua decadência, mas também de resquícios da escravidão em meio à possibilidade de independência dos negros. Ou seja, temos tema e tipos de relações já tratadas e retratadas, em um ambiente e época (no Brasil) nem tanto. O que, aliado à sugestiva abertura, pode levar à ideia do filme como um estilizado cartão de combate, embora seu interesse maior esteja na busca pelo prazer e pelo poder que movem seus personagens.

Por outro lado, a mesma abertura se junta às três últimas sequências (um mesmo grupo) como resumo de todo o resto – e isso é tanto um elogio pela força delas como uma crítica pela falta de peso da maior parte do recheio.

Na primeira cena, espécie de prólogo que antecede créditos iniciais, temos uma tensa conversa que aborda o conflito entre propriedade privada, exploração e fé. No bloco final, pouco antes desse, um dos personagens se deleita em todo tipo de prazer após sorte no garimpo, o que o leva a fazer a alegria de homens, mulheres e do que aparece pela frente. Depois retorna à labuta, dessa vez buscando um diferencial, um local novo, fornecido pela natureza, que – em desacordo com o “acaso” – traz a morte com ela.

Nessa sequência final, Espinheira retoma (ou finaliza) a questão de cobiça descabida, mas também investe em um sonho cuja realização ideal, na prática, se torna impossível. Mas o grande ponto é que Espinheira não explicita o que é ou o que quer dizer, apenas diz, e o mérito está em como diz. O caráter implícito faz bem porque, como audiovisual, esse momento póstumo-onírico se basta.

Por mais que seu durante seja irregular, entre diálogos pouco inspirados e cenas com naturalismo que constrange quando talvez não fosse essa a intenção, existem ainda pelo menos outros dois momentos dignos de nota em Cascalho: a trama que culmina em assassinato de quem aos poucos crescia e, principalmente, a desconfiança que envolve azeite e a busca pelo “diamante” escondido. A crueza e a crueldade, especialmente no segundo caso, se juntam a uma cuidadosa noção de ritmo (sonoro e de decupagem) em resultado que convence.

Curioso também que, após subirem os créditos, impressão era de um filme “somente” ok (e não tão bom quanto o texto pode sugerir), até que ouvi, de um dos presentes, que “faltou fotografia – a paisagem é tão bonita”, entre outros comentários da mesma laia. Deveria ter dito que nem todos querem filmar cartões postais em movimento, mas tentei ser educado. Ao perceber quão complicado foi manter a linha, percebi também que, em posição cada vez mais escassa, Cascalho tem algo a dizer. E isso é mais que apenas válido.

Visto na sala Walter da Silveira – Salvador, junho de 2010.

8mm

Teatro
O indivíduo que fez o comentário a respeito do filme é o mesmo que, antes da sessão, comentou com a namorada. “É cinema, amor? Jurava que a gente tinha vindo para o teatro”. E, num sábado à noite, com longa-metragem baiano, e com Othon Bastos no elenco, foi apenas um dos cinco espectadores que contei na Walter da Silveira. Um amigo me disse que peguei uma época péssima de público na sala – pode ser – mas não diminui a tristeza pelo recorrência do fato.

Filmes da semana

1. Cascalho (2008), de Tuna Espinheira (sala Walter da Silveira) (***)
2. Ascensor para o Cadafalso (1957), de Louis Malle (DVDRip) (****)
3. Nós, As Mulheres (1953), de Guarini (**1/2), Franciolini (**1/2), Rosselini (***), Zampa (**1/2) e Visconti (**) (DVD) (**1/2)
4. Ligações Perigosas (1988), de Stephen Frears (DVD) (***1/2)
5. De Corpo e Alma (2003), de Robert Altman (DVD) (***)
6. Cidade Baixa (2003), de Sergio Machado (DVD) (***1/2)
7. Inimigos Públicos (2009), de Michael Mann (DVD) (****)

_

Leandro Afonso é comunicólogo, blogueiro e diretor do documentário “Do goleiro ao ponta esquerda”.

2 respostas

  1. Assiti esse filme em uma sessão para convidados em Salvador, cerca de três anos atás, e simplesmente fiquei decepcionado. O primeiro defeito do filme percebemos de cara: não tem direção. Até bons atores, como Wilson Melo, morto recentemente, pecou pelo excesso de características trazidas do teatro. Ele grita durante suas falas, como se precisasse atingir a última fila de espectadores. Sofrível.

    Péssima adaptação do excelente romance de Herberto Sales.

  2. Não vejo o caráter excessivo dos atores como um problema, Ricardo. Primeiro porque existe uma sintonia (não existe um minimalista que beira a apatia em cena com outro caricato – todos se aproximam, mais ou menos, do segundo caso). Depois porque tratamos de uma época em que a polidez não era um forte – tínhamos resquícios de escravidão, de um lado (com pessoas que não tinham acesso a educação), e de completa estupidez (pelo racismo e implícita saudade da escravidão expostos no comportamento autoritário) do outro. Com relação à adaptação, sem ler o romance, pelo menos não vi uma obra que passa a impressão de ser uma adaptação forçada. Entre defeitos e qualidades, ela é, de fato, um audiovisual. E isso é um mérito pra qualquer adaptação – saber onde ela (o audiovisual) se expressa melhor, e onde a outra (a literatura) é mais feliz.

Deixe aqui seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *