Tempo de leitura: 6 minutos

Leandro Afonso | www.ohomemsemnome.blogspot.com

Se for para escolher apenas uma palavra que resuma o que Sylvester Stallone tem feito desde Rocky Balboa (2006), ela é honestidade – mas a limitação é injusta. O homem que nasceu para ser Rocky, e personificou Rambo, chega em Os Mercenários (The Expendables – EUA, 2010) a uma feliz mistura dos dois; com o adendo de que a clara dose de anacronismo não está no filme, mas nos personagens – o que torna o resultado ainda mais atraente.
Como geralmente acontecia com Rocky, tudo aqui remete a um retorno inesperado na vida real. Não só na premissa e no elenco (com ele, Schwarzenegger, Mickey Rourke e Bruce Willis em filme de ação), mas também no caso de Gunner (Lundgreen).
O Rambo são todos eles, potencializados por viverem em época marcada pelo política e irritantemente correto, que não comporta mais Rambos. Mas comporta cada vez mais gente que faz qualquer coisa por dinheiro, onde se encaixam. Essa é a impressão passada por todos eles, isso é o que eles fazem questão de dizer. No entanto, o que toca é a dignidade (latente ou não) de cada um deles, mercenários por opção.
Na conversa entre Tool (Mickey Rourke) e Barney (Stallone), este pergunta o que pode levar a filha do ditador da ilha de Vilena a não deixar o lugar. “Uma causa”, responde Tool, “nós não temos mais pelo que lutar, ela sim”. Na mesma fala, Tool conta acontecimento que, para ele, marcou a última oportunidade de salvar sua alma. Oportunidade que ele perdeu.
Ali, Rourke e Stallone se confundem com seus personagens, todos passam a representar uma geração alienada – em outra análise, a “década perdida” dos anos 80.

A década onde havia ditadura ou resquícios dela na América do Sul, ditadura que temos no filme. Este fato, todavia, é um subterfúgio, não o foco. Embora o começo na Somália pareça ligado a uma postura política atual, a preocupação de Sly com a vida real parece existir apenas (ou muito mais) para potencializar o efeito do cinema que faz.
É o que acontece quando vemos aqueles senhores de volta à pancadaria, é assim quando vemos Sly apanhar, é assim quando vemos a aparição de Schwarzenegger.
Disfarçada de picaretagem com um quê digno de antologia, assim como quase todos os diálogos (Stallone em parceria com Dave Callaham), a cena começa genial, tanto pelas imagens como pela palavra (“tinha que escolher meu maior rival?”), e termina melhor ainda com um “ele quer ser presidente”.
Nela, novamente, Sly se utiliza de um passado e de um presente de imagens e conceitos coletivos para fazer o cinema turbilhar de maneira que, se está longe de ser a mais brilhante no sentido acadêmico de filmar (o que ele abandonou), é das mais pessoais. Com o mérito maior não para caráter político (que não pode ser levado a sério), não para a decupagem das cenas de ação (ininteligíveis em momentos, competentes na maioria das inúmeras outras vezes), mas para o que ele fez com o seu cinema. Que – outra vez o final é prova disso –, além de não comportar mais emoções baratas, não se resume a uma simples egotrip. O que ele faz é um cinema, e dos bons.
Visto no UCI Multiplex Iguatemi – Salvador, agosto de 2010.
8mm
Tinha escrito também um texto (para a 8mm) sobre o bom Apenas um Beijo (2004), de Ken Loach, mas perdi tudo com morte do computador. Como já era quinta, e tinha perdido também o texto sobre Sly, decidi (re)escrever apenas um. Agradeço a compreensão.

Filmes dos últimos 15 dias

1. Vincere (2009), de Marco Bellocchio (Cinema do Museu) (***)
2. Todas as Noites (2001), de Eugène Green (Sala Walter da Silveira) (***1/2)
3. A Religiosa Portuguesa (2009), de Eugène Green (Sala Walter da Silveira) (***1/2)
4. O Último Mestre do Ar (2010), de M. Night Shyamalan (UCI Multiplex Iguatemi Cabine de imprensa) (**1/2)
5. Labirinto de Paixões (1982), de Pedro Almodóvar (**1/2) (DVDRip)
6. O Mundo Imaginário de Dr. Parnassus (2009) (**1/2)
7. Apenas um Beijo (2004), de Ken Loach (2004) (Cine Vivo) (***1/2)
8. Os Mercenários (2010), de Sylvester Stallone (***1/2) (UCI Multiplex Iguatemi)
Curta:
9. Doido Lelé (2010), de Ceci Alves (Sala Walter da Silveira) (**1/2)

Melhores do mês
10. Uma Noite em 67 (2009), de Renato Terra e Ricardo Calil (Cinema da Ufba) (***)
9. Canção de Baal (2010), de Helena Ignez (Teatro Castro Alves) (***)
8. Vincere (2009), de Marco Bellocchio (Cinema do Museu) (***1/2)
7. Todas as Noites (2001), de Eugène Green (Sala Walter da Silveira – DVD) (***1/2)
6. Apenas um Beijo (2004), de Ken Loach (Cine Vivo) (***1/2)
5. A Religiosa Portuguesa (2009), de Eugène Green (Sala Walter da Silveira) (***1/2)
4. Antes que o Diabo Saiba que Você está Morto (2007), de Sidney Lumet (2007) (***1/2)
3. Os Mercenários (2010), de Sylvester Stallone (UCI Multiplex Iguatemi) (***1/2)
2. O Escritor Fantasma (2010), de Roman Polanski (****)

1. À Prova de Morte (2007), de Quentin Tarantino (****1/2)

______________
Leandro Afonso é comunicólogo, blogueiro e diretor do documentário “Do goleiro ao ponta esquerda”.

<p style=”text-align: center;”><a href=”http://www.pimentanamuqueca.com.br/wp-content/uploads/70-MM2.jpg”><img title=”70 MM” src=”http://www.pimentanamuqueca.com.br/wp-content/uploads/70-MM2.jpg” alt=”” width=”559″ height=”95″ /></a></p>
<p style=”text-align: center;”><a href=”http://www.pimentanamuqueca.com.br/wp-content/uploads/Final-3.jpg”><img class=”aligncenter size-full wp-image-30092″ title=”Final 3″ src=”http://www.pimentanamuqueca.com.br/wp-content/uploads/Final-3.jpg” alt=”” width=”42″ height=”13″ /></a></p>
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<p><strong>Leandro Afonso</strong> | <a href=”http://www.ohomemsemnome.blogspot.com”>www.ohomemsemnome.blogspot.com</a></p>
<p><em><img class=”alignright” src=”http://roteiroceara.uol.com.br/wp-content/uploads/2009/09/BLOG2_viajo_porque_preciso_volto_porque_te_amo_cultura.jpg” alt=”” width=”368″ height=”182″ />Viajo porque preciso, volto porque te amo</em> (<em>idem</em> – Brasil, 2009), de Karim Aïnouz (<em>O Céu de Suely</em>, <em>Madame Satã</em>) e Marcelo Gomes (<em>Cinema, Aspirinas e Urubus</em>), é um <em>road-movie </em>experimental (também por isso inevitavelmente irregular) que tem de melhor o que de melhor seus dois diretores podem oferecer – especialmente Aïnouz. É um filme em um meio, o semi-árido nordestino, e sobre sentimentos – carinho, amor, rejeição – já visitados por ambos, mas trata também e principalmente das divagações e aflições do personagem principal.</p>
<p>Faz sentido dizer que a maioria dos planos de <em>Viajo porque preciso…</em> não tem significado concreto ou função narrativa. Do mesmo modo, praticamente tudo aquilo que visa o horizonte e paisagens afins dura mais que o que o plano de fato mostra – mas esses fatos são menos um demérito que uma defesa da contemplação. E ainda que muitas vezes simplesmente não haja o que ser contemplado, faz parte do personagem esse sentir-se parado – a agonia e o tédio do personagem chegam a nos atingir, às vezes, sem eufemismo algum</p>
<p>Em filme que se assume tão ou mais experimental quanto narrativo, temos aí, no entanto, talvez – e paradoxalmente – uma tentativa de evitar uma monotonia que a ideia do filme sugere. Quase tudo não acontece em cena, mas na cabeça do personagem principal, a escrever suas cartas – trata-se de um filme epistolar de mão única. Como, então, filmar isso – algo tão ligado a um diário, algo a princípio tão anti-audiovisual?</p>
<p>Não temos uma resposta, mas uma opção arriscada, na qual os melhores momentos vêm de depoimentos (prostituta falando em vida-lazer, por exemplo), quando percebemos que os dois souberam extrair uma sinceridade tocante que emana daqueles que dirigem. Isso sem falar do personagem como entrevistador/provocador, em situação que nos liga inevitavelmente a ele fazendo o papel de diretor.</p>
<p>Esse caráter experimental, contudo, pode camuflar desnecessários tremeliques de câmera ao mostrar o personagem em meio à sua jornada, uma vez que não dá para chamar de experimental (ou dar qualquer mérito aqui) o que já virou um quase padrão – a câmera na mão nos dias de hoje.</p>
<p>Ainda assim, vale dizer que os altos do filme atingem um nível de sensibilidade que vem, entre outras coisas, justamente dessa abstração da narrativa convencional: da por vezes completa imersão em um mundo acima de tudo sensorial. Torto, talvez fatalmente torto, talvez o mais fraco trabalho de ambos, mas com momentos de coragem e brilhantismo bem-vindos.</p>
<h2><span style=”color: #800000;”>8mm</span></h2>
<p><strong>Paixão do visível</strong></p>
<p style=”text-align: left;”><em><img class=”aligncenter” src=”http://harpymarx.files.wordpress.com/2009/03/sylvia2.jpg” alt=”” width=”480″ height=”270″ />Na Cidade de Sylvia</em> (<em>En La Ciudad de Sylvia</em> – Espanha/ França, 2007) é meu primeiro contato com José Luis Guerín, catalão que teve três de seus longas exibidos no Panorama Internacional Coisa de Cinema. (Alguém sabe falar sobre?)</p>
<p>Guerín se mostra preocupado com a cidade, às vezes mais que com seus dois personagens principais, ou – o que pinta com alguma prioridade – as relações entre personagens diversos e o lugar onde vivem. No entanto, a busca dele (Xavier Lafitte) por ela (Pilar López de Ayala) é interessante a ponto de causar angústia quando algo foge do esperado. Ele desenha e retrata a cidade, é ele o mais afetado e sobre quem é o filme, é ele que não sabemos de fato o que sente, viveu ou viu; mas é ela que magnetiza a tela quando aparece.</p>
<p>Todavia, e felizmente, o filme vai além da contemplação de um sensacional rosto de uma boa atriz. Pode-se entrar em longas discussões e análises sobre memória e imagem, sobre miragem e dúvida; em uma palavra, sobre cinema. E, o que é melhor, através do cinema.</p>
<h2><span style=”color: #800000;”>Filmes da semana<br />
</span></h2>
<ol>
<li><strong>Viajo porque preciso, volto porque te amo (2009), de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes (Cine Vivo) (***)</strong></li>
<li><strong>Batalha no Céu (2008), de Carlos Reygadas (sala Walter da Silveira) (***1/2)</strong></li>
<li><strong>O Refúgio (2009), de François Ozon (Espaço Unibanco – Glauber Rocha) (***)</strong></li>
<li><strong>O Profeta (2009), de Jacques Audiard (Espaço Unibanco – Glauber Rocha) (***1/2)</strong></li>
<li>O Demônio das 11 Horas (1965), de Jean-Luc Godard (DVDRip) (****)</li>
<li>Na Cidade de Sylvia (2007), de José Luis Guerín (DVDRip) (***1/2)</li>
</ol>
<p>______________</p>
<p><strong>Leandro Afonso</strong> é comunicólogo, blogueiro e diretor do documentário “Do goleiro ao ponta esquerda”.</p>

2 respostas

  1. Colé Bilas?
    Não entendi o 3,5 para Mercenários.. você assistiu o filmes mesmo? Prestou atenção nos detalhes técnicos..? Nosssaa..Um filme que eu jamais recomendaria a ninguém.. Efeitos toscos, sem emoção NENHUMA…
    Assim como SALT, da metade pro final acabou a tinta da impressora e eles imprimiram o restante do roteiro com a bunda hahaha.

  2. Fala aí, Gu.
    Rapaz, só duas cenas me incomodaram, mas o me incomodar vem de uma ousadia em ser excessivo que – embora o sucesso não seja total – até me agrada.
    E as duas dizem respeito à parte de computação gráfica, por assim dizer (o que, deuma forma ou de outra, entra em sua área, hehe), de você perceber um problema de “não tão bem ‘CGIzado'”.
    Não tenho dúvidas, por exemplo, de que TRANSFORMERS tem efeitos melhores. Mas Michael Bay até hoje não tem noção de ritmo, não sabe dirigir cenas de ação sem nos dar dor de cabeça (dá dó comparar Stallone e Bay, sorry Sly.) Stallone, dentro de um estilo menos sóbrio (câmera geralmente na mão, decupagem um tanto violenta), entende de ritmo, entende de cenas de ação, entende – em uma palavra – de direção. E entende do tipo de filme que está fazendo, de pancadaria.
    Se for defender mais o filme, devo cair sempre em Luiz Carlos Oliveira Jr. Não acho o filme obra-prima, como ele, mas o texto é muito bom: http://contracampo.com.br/95/critosmercenarios.htm.
    Abraço, Gu.

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