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O maior castigo para aqueles que não se interessam por política, é que serão governados pelos que se interessam.”

Osias Lopes

A frase acima, e que abre este opinativo, é atribuída a Arnold Toynbee, economista inglês que viveu apenas 31 anos (23/8/1852 a 9/3/1883), cujo trabalho envolvia história econômica, compromisso e desejo de melhoria nas condições das classes sociais. Pode parecer mais uma daquelas frases de efeito que nos acostumamos a ouvir em conferências rasas que compõem eventos de cientificidade não menor de profundidade, mas nos faz compreender muito rapidamente tratar-se de inhenhos os que desdenham da ingente importância da atividade política para a sociedade hodierna.

Ora, é na política (diga-se, no Congresso Nacional, em sua forma bicameral: Câmara dos Deputados e Senado Federal, nas Assembléias Legislativas Estaduais e nas Câmaras de Vereadores) que se define o valor do salário mínimo; as regras da nossa aposentadoria; o quanto deveremos pagar de imposto de renda a cada ano; o prazo de financiamento do automóvel que compramos; que impostos incidem nos alimentos; regras da saúde nas suas áreas pública e privada; sistema educacional; o imposto sobre a casa em que moramos, e por aí vai.

Pois é, no mundo hodierno (se não sempre o foi), é impossível viver sem dar atenção à política, sem se interessar pela política. O fato é que todos nós fazemos parte desse mundo político, nele influenciando fortemente, com ação ou omissão, sendo esta última notoriamente a mais covarde e mais prejudicial atitude.

A propósito do tema  –  política  -,  já falei aqui no Pimenta em comentário no mês de julho do ano passado sobre o péssimo sistema eleitoral brasileiro e os graves malefícios que ele traz à nação.

Rememorando alguns pontos daquele comentário de julho de 2010, apenas para justificar o presente artigo, disse, citando trechos de responsabilidade de Luís Roberto Barroso*, que o sistema eleitoral pátrio estimula anomalias como o “clientelismo (a negação da intermediação partidária), o patrimonialismo (o exercício do cargo público para fins privados, para realizar objetivos próprios), e a corrupção (que se alimenta e se robustece nesse mesmo ambiente de convívio inadequado entre o público e o privado)”. Relembro a todos que no mundo democrático apenas dois países o adotam: Brasil e Finlândia. Isto é pelo menos estranho, não?

UM AZAR QUE PERMANECE, ACOMPANHADO!

Reparem que, como diz a sabedoria popular, “o azar nunca anda sozinho” e “desgraça pouca é bobagem”. Na questão eleitoral brasileira estes adágios têm tido, infelizmente, um sentido real, eis que, a par do sistema eleitoral ruim, nos deparamos com o desastroso e extremamente danoso (à plena democracia e ao erário) financiamento privado de campanha.

PLANOS DE SAÚDE FINANCIANDO CAMPANHAS

Chamou-me a atenção, fazendo minha leitura diária do jornal “A Tarde” (domingo, dia 13/2/2011), a matéria intitulada “Planos de saúde financiaram 20 partidos”, contida no seu Caderno de Política, na página B3, não pelo ineditismo de sua natureza, uma vez que a Lei Eleitoral brasileira permite a doação de entidades privadas para campanha eleitoral de candidatos, mas a constatação de que os interesses privados estão expandindo o número de seus defensores no Congresso Nacional.

Do conteúdo da notícia dá para perceber que “não se interessar por política” pode “custar” (com trocadilho e tudo) até a saúde! A partir dela dá também para compreender porque são verdadeiramente inhenhos, tolos, os que insistem em não participar ativamente do processo político  –  votando ou sendo votado, com responsabilidade.

PARLAMENTO  – BICHO DE SETE CABEÇAS!

Dita matéria dá conta de que os Planos de Saúde, à força do dinheiro que “investem” em campanhas eleitorais, estão expandindo sua bancada no Congresso Nacional! Eram 28, agora são 38 deputados federais da “bancada” da saúde suplementar!

Observem que já existem: bancada dos ruralistas, bancada dos industriais, bancada dos lojistas, bancada dos evangélicos, bancada dos usineiros da cana de açúcar, bancada da bola (aqui me refiro do futebol!); bancada disso, bancada daquilo; etc., etc., etc..

Isto é demasiadamente preocupante, ruim e complicado para a sociedade! É “bancada” para todo e variado gosto. E a bancada do povo? Será que não há uma bancada da Nação brasileira, do povo?

Que bancada no Congresso, em contraposição às acima mencionadas “bancadas” (com trocadilho mesmo!), vai cuidar dos interesses de quem precisa do plano de saúde, de quem precisa da reforma agrária, de quem precisa de medidas de contenção de preços de produtos rurícolas, industriais, etc., etc., etc.? As coisas ainda estão muito complicadas para o povo, como estamos vendo todo dia noticiado através da mídia em geral. O que tem salvado são as iniciativas do Executivo Federal, porque o Congresso…

Nos parlamentos estaduais e municipais brasileiros o cenário não muda muito. É só aplicar a regra mutatis mutandi e pronto, um é espelho do outro!

Pois é… Não tenhamos dúvidas, esse “bicho de sete cabeças” é gerado pela atual legislação eleitoral, e pela forma de financiamento de campanha eleitoral.

A INGENTE NECESSIDADE DA REFORMA POLÍTICA

Registre-se aqui, firmemente, que não se tem dúvida de que existem abnegados políticos no Congresso Nacional vocacionados para a causa pública. Isto é inconteste. Conheço vários. E estes, seguramente, vão batalhar pelas reformas políticas que o país reclama.

Contudo, somente uma reforma política consistente e consequente, juntamente com o financiamento público de campanha, é a alternativa para que realmente venha a existir uma robusta bancada do povo, pelo povo, e para o povo, pois com ela se dará azo para que idealistas, intelectuais, estudantes, trabalhadores, lideranças populares, gente do povo enfim, possam se candidatar e disputar em igualdade de condições, ao menos financeiras, e assim protagonizar discussões salutares nos parlamentos brasileiros em detrimento das hoje existentes e deprimentes “bancadas” de apelidos.

É muito mais barato ao erário e à Nação o financiamento público de campanha, e com ele teremos um Legislativo com bancada “bancada” pelo povo. Simples!

PARA PENSAR E RESPONDER

SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE –  A tal “bancada” da “saúde suplementar” (leia-se Planos de Saúde Privados) vai cuidar intransigentemente da defesa dos interesses do Sistema Único de Saúde – SUS?

SISTEMA PÚBLICO EDUCACIONAL –  Tem um projeto de lei tramitando no Congresso Nacional que obriga a detentores de cargos públicos (senadores, deputados  –  federais e estaduais, vereadores e cargos do Executivo) a matricular seus filhos em escolas públicas, o que obviamente os forçará a dar atenção apropriada às questões educacionais.

Vindo a assim ser, a escola pública não voltará a ser eficiente?

É como se diz… perguntar não ofende!

* in “A Reforma Política: Uma Proposta de Sistema de Governo, Eleitoral e Partidário para o Brasil”, de autoria e de  responsabilidade de Luís Roberto Barroso  –  Instituto Idéias – Instituto de Direito do Estado e Ações Sociais (www.institutoideias.org.br).

Osias Lopes é advogado, ex-procurador dos municípios de Ilhéus e Itabuna e ex-secretário de Administração de Itabuna

0 resposta

  1. Se o povo brasileiro pudesse aprender a ler o Brasil tendo como livro de cabeceira (OS DONOS DO PODER) de Raimundo Faoro, quem sabe entenderiam melhor o patrimonialismo arcaico que se mantêm até hoje as custas da ingnorância política da maior parte da população brasileira.

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