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Osias Lopes | osiaslopes@ig.com.br

Verifica-se que o Vice que substitui o titular, apenas o faz de forma provisória, em problemas de saúde deste ou outro fator para licença temporária. Assim, quem substitui não é titular

A tormentosa (ou perversa?) legislação eleitoral brasileira permite rotineiramente a ocorrência de esdruxulárias.
Na ânsia de detalhar situações, pormenorizando regulamentos, a norma eleitoral chega a provocar verdadeiros constrangimentos jurídicos, especialmente aos seus aplicadores, com graves prejuízos à própria sociedade, pois põe em xeque o equilíbrio e a normalidade da disputa que ela tanto diz proteger e resguardar, comprometendo a normalidade da pública administração.
E os constrangimentos são tantos e tão visíveis que até os mais leigos em legislação eleitoral os percebem. Exemplo disso? Vejam a tal da questão da fidelidade partidária: recentemente o Judiciário passou a decidir que o mandato eletivo pertence ao Partido Político, no que em parte tem razão.
Bem, no terreno das imaginações, sonhos e boas intenções, e para o deleite das almas que esperam uma regra eleitoral mais saudável, bem que tais decisões poderiam ser um alento, mas… A realidade legislativa é outra!
Querem ver? Na hipótese de o portador de mandato eleitoral ter mudado legalmente de Partido após eleito, a qual Partido pertenceria o mandato? E em caso de infidelidade partidária contra seu novo Partido qual deles poderá indicar sua substituição?
Com tais decisões a questão se complicou por inteiro, ainda mais quando o detentor de mandato parlamentar (vereador ou deputado) tenha sido eleito por uma coligação partidária. E foi aí que “a porca torceu o rabo!”, vez que a diplomação dos eleitos se dá conforme os votos obtidos pela c-o-l-i-g-a-ç-ã-o, arredando de vez a plena aplicabilidade da tese de que o mandato é do Partido Político.
E no caso do chefe do Executivo (Presidente, Governador, Prefeito), em que o Partido não conta com um substituto, em caso de infidelidade partidária, como retirar seu mandato e substituí-lo? E mais, se o chefe do Executivo que cometeu a infidelidade partidária foi eleito por um Partido “A” e seu Vice seja do Partido “B”, qual seria o interesse do seu Partido em retirar-lhe o mandato? Seria justo à tese da fidelidade partidária, entregar o cargo a outro Partido?
As questões e dúvidas, podemos ver, são inúmeras, mais do que o normal…
A FIGURA DO VICE
Daí que a figura do Vice não poderia estar de fora desse vendaval. Logo ela que historicamente nunca contou –  aí sim, esdrúxulo descaso  –  com a atenção das normas eleitorais. Se por um lado temos leis minuciosas para as mais variadas situações eleitorais, para o caso do Vice é ao inverso; faltam-lhe normas.
E logo no Brasil, onde o Vice tem feito história nos últimos tempos, tendo sido responsável por várias gestões que ocorreram em momentos especialmente delicados social, econômica e politicamente, senão vejamos¹:
1) João Goulart (o “Jango”), que substituiu a Jânio Quadros (o “homem da vassoura”), cuja renúncia de mandato tantos males trouxe à nação brasileira, que redundou no odioso golpe de caserna que todos conhecemos.
2) Mesmo no período golpista, com a morte do fardado Costa e Silva (seu governo, não nos esqueçamos, iniciou a fase mais dura e brutal do regime ditatorial militar¹ª, à qual o também fardado Emílio Garrastazu Médici, seu sucessor, deu continuidade), O vice Pedro Aleixo, foi impedido de assumir o cargo presidencial pelas lideranças militares que dirigiam o louco regime. O fardado Augusto Rademaker comanda uma esquisita junta na sucessão. Registre-se, porque oportuno, que a ARENA (que depois foi PDS, PFL, hoje DEM) elegeu os presidentes da República do período de ditadura militar – de Costa e Silva a João Figueiredo.
3) Tancredo Neves, último presidente eleito pelo famigerado Colégio Eleitoral, falece antes de assumir a presidência, e logo é “arranjada” uma sucessão com o Vice de sua chapa, o bigode maranhense  –  aquele que sucedeu a quem nunca foi!
4) Recentemente, o primeiro Presidente eleito democraticamente pelo voto direto após o período de chumbo é apeado da presidência (certamente por não atender à gula dos PRs da época), para assumí-lo o “topete mineiro”.
Estes exemplos de cunho nacional obviamente que se refletem nas órbitas estaduais e municipais (nestes últimos, naturalmente, com mais assiduidade) e, mutatis mutandi, com efeitos também  extremamente perniciosos.
Exemplo de grave descaso com a figura do Vice: a Lei Eleitoral (Lei nº 9.504/97), em seu art. 11, IX, exige, quando do registro da candidatura, a apresentação das propostas defendidas pelo candidato a Prefeito, a Governador e a Presidente da República. Por que não se exigir isso explicitamente dos membros da chapa (Prefeito e Vice-Prefeito, Governador e Vice-Governador, Presidente da República e Vice- Presidente da República)? Se assim não o for, o Vice, então, quando eleito, não levará consigo qualquer responsabilidade pelo que foi discutido ou apresentado aos eleitores em campanha.
Vê-se que o Brasil deveria melhor legislar sobre a figura do Vice, diante da ingente importância que dela aflora, para que não se permita a eleição de candidatos sem qualquer compromisso com a nação, e que deixe de ser ela  alvo de negociações mesquinhas, de joguete ou  meros acochambramentos de interesses político-eleitorais de momento não raramente inconfessáveis.
O VICE  –  SUBSTITUIÇÃO OU SUCESSÃO DO TITULAR  –  REELEIÇÃO
Vendo isso tudo a questão da reeleição do Vice infelizmente pode até parecer um jogo de adivinhação: quando ela pode ocorrer, como ocorrer, quais são seus impeditivos etc., etc., etc.? Qual o critério que deve ser adotado para solucionar tal questão?
É do entendimento doutrinário e jurisprudencial pátrio dominante considerar vice e titular como cargos distintos, inobstante a chapa para elegê-los seja una e indivisível. Por conseguinte, suas eleições são inteiramente diferentes. Óbvio que eleição para vice não se confunde com eleição de titular.
Pelo “critério da titularidade do cargo, verifica-se que o Vice que substitui o titular, apenas o faz de forma provisória, em problemas de saúde deste ou outro fator para licença temporária. Assim, quem substitui não é titular. De outra maneira, o Vice que sucede o titular, o faz de forma definitiva, quando há vacância do cargo, por morte, renúncia, etc. desse modo, o Vice recebe para si a própria titularidade do cargo.
Podemos dizer, destarte, que existem duas formas de ser titular de um mandato eletivo: a que se pode chamar de titularidade originária (a que se dá por eleição), e a secundária (que se dá por vacância do cargo).
Quando o Vice sucede o titular não está o fazendo por eleição e sim na forma de titularidade secundária. Já a substituição, como visto, não é caso de titularidade do cargo, em razão da sua temporariedade”².
A substituição e a sucessão, que detêm conceitos próprios e bastante diversos, não podem ser confundidas com eleição, posto que o diploma expedido pela Justiça Eleitoral para o eleito vice ou parlamentar, não é transmudado para diploma de titular. Permanece ele como Vice ou como parlamentar  –  em caso de vereador ou deputado  se o sucessor ou substituto é originado do parlamento  -,  mesmo que passando seu detentor a exercer um de seus importantes múnus: substituir ou suceder o titular do cargo.
Está claro que “a titularidade secundária do cargo não pode ser confundida com eleição, muito menos a substituição, que sequer atinge a titularidade do cargo em razão da sua precariedade, temporariedade. Ainda mais que reeleição, segundo os dicionaristas, é a possibilidade de eleição de um mandatário para ocupar o mesmo cargo que já ocupa por um mandato consecutivo e renovado”³.
O VICE – O QUE DIZEM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A RESOLUÇÃO TSE Nº 23.048/2009
Definitivamente à luz do § 5º do art. 14 da Constituição da República, o critério não é o da titularidade do cargo e sim da reeleição:
Art. 14, § 5º, da CF:
“O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 16, de 1997)
Concessa venia, a infelicidade com que se houve o legislador constitucional neste ponto é terrível. Mais que isto, a redação dada a tal dispositivo é contraditória. Data venia, diante do imbróglio em que se afigura tal dispositivo, querer-se apelar para uma interpretação teleológica, forçando a aplicação do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, carece de um esforço hercúleo.
Entretanto, a edição da Resolução TSE Nº 23.048/2009, data maxima venia, surge para se constituir num fomento de polêmicas, ao gizar expressamente, em sua ementa:
CONSULTA. ASSUNÇÃO CHEFIA DO EXECUTIVO MUNICIPAL. CANDIDATURA. REELEIÇÃO. POSSIBILIDADE. SEJA QUAL FOR A CIRCUNSTÂNCIA QUE CONDUZA À ASSUNÇÃO DA TITULARIDADE DO PODER EXECUTIVO, OU POR QUALQUER LAPSO TEMPORAL QUE OCORRA, CONFIGURA O EXERCÍCIO DE MANDATO. EM HAVENDO ELEIÇÃO SUBSEQUENTE PARA ESTE CARGO SERÁ CARACTERIZADA COMO REELEIÇÃO.
Se for por aí…
Solução para isso tudo?
Reforma política já!
1 e 1a] Fonte de consulta: site pt.wikipedia.org.
2 e 3] Trechos apanhados do artigo  “Geraldo Alckmin poderá concorrer a reeleição no governo do Estado de São Paulo nas eleições 2006? E o casal Garotinho no governo carioca? O TSE e nova exegese do artigo 14, §5º, §6º e §7º da CF/88 diante do instituto da reeleição”, Thales T. P. L. de Pádua Cerqueira, www.portalttec.com.br.
Osias Lopes é advogado e ex-procurador-geral dos municípios de Ilhéus e Itabuna.

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  1. Dr.Osias,advogado com especialização em Direito Eleitoral fez ótima esplanaçào em relaçào aos Vices e deixou bem claro o que já está EXPLÍICITO na RESOLUÇÀO 23048. O Vice Prefeito que assumiu o cargo de Prefeito por qualquer período de tempo e foi eleito Prefeito está IMPEDIDO de diputar a reeleiçào o o que segundo esta resoluçào de setembro/2009 seria considerado como terceiro mandato o que é vedado pela Legislaçào Eleitoral.Resumindo, os vices que aasumiram e foram eleitos Prefeitos estão INELEGÍVEIS nas eleiçõesde 2012.

  2. Interessante se faz que o Dr. Osias Lopes traduza para os mais leigos e seja o mais direto possível, utilizando-se da linguagem popular, ou seja, que todos entendam e de forma clara e simples, se o atual prefeito de Itabuna Sr. José Nilton Azevedo é ou não candidato na próxima eleição de 2012, haja vista quando o mesmo exerceu mandato como Vice ocupou por duas ocasiões o posto de titular e por assim ser o eleitorado itabunense precisa desta informação para se posicionar eleitoralmente.
    Nós entendemos que o José Nilton não poderá ser candidato a um novo mandato, mas como a linguagem juridica as vezes confunde, então que o Dr. Osias dê essa explicação.
    Muito bom o seu artigo, meus parabéns ao Dr. Osias Lopes, como sempre demonstrando suas aptidões juridicas.

  3. Para mim, os piores dos vices são os do Senado, pois além de não ter um voto sequer, ainda ficam – oficialmente – com o dente na parede, por longos oito anos, esperando os titulares pifarem, ou coisa que o valha, …!!!
    E o pior de tudo é que ainda há dois vices, …, sendo que o segundo, então, tem menos prestígio que qualquer coisa no Universi, ou mesmo no multiverso também, …!!!
    Será que ainda há alguém que se “orgulha” de tal “título”, …?!?!?!

  4. Caro Osias(aquele que nunca ganhou uma eleição OAB),temos que salientar que do fato do vice ser oficial ou oficioso,já que na legislação não consta quando o prefeito(neste caso você quis dizer cuma)passa o bastão sem estar devidamente oficializado no Diário Oficial,com isso não tem qualquer validade assumir de fato e não assumir de direito.Vale lembrar que o nobre “DOTOR” era o cordenador Juridico das 2 sapatadas que o cabeçita de pitu tomou, 2004/2008 não é isso?

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