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A DOCE VIDA QUE VEM EM ONDAS DE CARINHO

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

É doce viver aqui, embalado pelas ondas do carinho de tantas pessoas. É também doce agradecer a todos os que gastaram tempo para abrir e ler esta página do Pimenta e que, como se já não tivessem feito esforço suficiente, ainda postaram comentários que me emocionam – e, hélas!, aumentam  minha responsabilidade. Volto a Jorge Amado para, mesmo a voo de pássaro (adoro esta expressão, do francês à vol d’oiseau), dizer que não pretendi fazer análise literária: em terra de Margarida Fahel, Ruy Póvoas, Tica Simões (foto), Hélio Pólvora, Jorge Araújo e outros, a prudência me recomenda o silêncio nesse campo. Quis destacar em Jorge Amado, tão somente, a luta política. E, ainda assim, disse pouco.

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Escritor que não foi “coelho assustado”

Não conheço na literatura brasileira obra social e vida mais densas, identidade maior com nossa gente do que teve Jorge Amado. Às vezes tangenciando o “romance operário”, de feição panfletária, ele apresentou o povo baiano e regional ao Brasil e ao mundo. Lutou a boa luta, não se omitiu, não tremeu, não foi o “coelho assustado” em que muitos intelectuais se transformaram diante da força. Despertou ódios. Teve livros apreendidos e queimados, foi preso, perseguido, exilado, expulso da França e proibido (ele e seus livros) de entrar nos Estados Unidos. É um passado heroico que não pode ser anulado na base do “esqueçam o que eu escrevi”. Dentre os “perigos” da literatura está a permanência.

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Na corda bamba do ridículo

Dizer que Jorge Amado é melhor do que Victor Hugo (foto) e que Os trabalhadores do mar “não chega aos pés de Mar morto” foi uma tentativa (por certo não muito bem sucedida) de gracejo, pois esta coluna não tem a pretensão de comparar escritores. Sobretudo quando se manifesta pelo texto escrito, o humor vive na corda bamba do ridículo – daí a comunicação eletrônica ter criado símbolos (rsrsrsrsrs! e kkkk!) para “traduzir” as intenções de quem escreve. Eu, como fazia o grande Millôr, me recuso às piadas com bula, mesmo conhecendo o risco de, vez ou outra, depender da boa vontade de quem lê. Portanto, sendo o leitor rei e senhor do que escrevemos, se não fui entendido, mea culpa.

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PROVÉRBIOS MUITO POUCO SIGNIFICAM

Esta coluna é como uma conversa de bar, cheia de palpites, que, por serem palpites, ficam ao desabrigo de chuvas e trovoadas. “Quem diz o que quer, ouve o que não quer”, sentencia o provérbio, mas provérbios muito pouco significam – e isto já é um palpite. Há pessoas, e não poucas, para quem o provérbio (que também atende pelo nome de adágio, axioma, brocardo, aforismo, anexim, prolóquio, ditado, máxima, parêmia, rifão, sentença) é o suprassumo da sabedoria acumulada. Não eu. Penso, logo opino (às vezes desastradamente), não sei de muitas verdades acabadas. Portanto, que a gentil leitora e o atento leitor relaxem, e não me levem (a mim nem à vida) excessivamente a sério.

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Chineses amam provérbios e exportações

Não é que não empregue provérbios na minha pobre escrita. Acho-os, às vezes, saborosos, e muitos deles até guardam um rastro da malícia e sabedoria ancestral do nosso povo. Li que a língua que mais usa provérbios é a chinesa, o que não deve surpreender a gentil leitora e o gentil leitor, pois a China é inventora de muitas coisas do nosso cotidiano: a tipografia, a seda, a bicicleta, o detetor de mentiras, o papel, o xadrez, o calendário lunar, o sismógrafo, a caneta, os óculos – para citar alguns. Por último, (re) inventaram a venda de bugigangas por atacado, para o mundo inteiro. Acho que os provérbios lhes caem muito bem. Só que eu não sou chinês.

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IMAGINAÇÃO É REMÉDIO CONTRA A REALIDADE

A vida há de ser lida no original, pelos nossos olhos, não pelos olhos dos outros. Mesmo assim, o texto interpretado por pessoa mais experiente nos ajuda a entendê-lo. Pensei nisso relendo o poema de Manuel Bandeira Vou-me embora pra Pasárgada (que todo mundo conhece, nem que seja vagamente). É exemplo acabado de “escapismo romântico” – forma de evadir-se da realidade desagradável, o que os poetas fazem usando o devaneio, a imaginação. No caso, Bandeira “muda-se” para Pasárgada (um lugar perdido na Pérsia), onde as coisas acontecem de forma contrária ao seu dia a dia cheio de limitações. O poeta era tuberculoso – e esta informação é indispensável para que a gentil leitora entenda o poema.

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No romantismo, um quê de esquizofrenia

Vejam como Bandeira fala de Pasárgada, seu refúgio: “Lá sou amigo do rei/ lá tenho a mulher que eu quero/na cama que escolherei”. Outro mundo, irreal, idealizado, quase uma criação esquizofrênica. Depois de confessar o motivo dessa evasão (“Aqui eu não sou feliz”) o poeta delira ao descrever seu Horizonte perdido: “Lá a existência é uma aventura/ de tal modo inconsequente/ que Joana, a Louca de Espanha,/ rainha e falsa demente,/ vem a ser contraparente/ da nora que nunca tive”. Mais adiante ele fala em fazer ginástica, andar de bicicleta, montar burro brabo, subir em pau de sebo – enfim, as coisas que, pelo padrão da época, eram vedadas aos “doentes do peito”.

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Caymmi também criou uma Pasárgada

Quase 30 anos depois, em 1956, Caymmi empregaria este recurso do escapismo em Maracangalha: “Eu vou pra Maracangalha, eu vou/Eu vou de liforme branco, eu vou/ Eu vou de chapéu de palha, eu vou/ Eu vou convidar Anália, eu vou…” Em Maracangalha, que também existe no triste mundo real (fica em São Sebastião do Passé), o sentido de fugir da vida vivida para a imaginada é o mesmo de Pasárgada: lugar remoto, espaço de tranquilidade e paz, fora do mondo cane em que vivemos. Veja que o poeta aspira à companhia feminina, mas deixa claro que a fuga dele é inegociável: se ela não quiser ir, azar: “Eu vou só sem Anália, mas eu vou”. Faltou dizer que o liforme branco (forma popular de uniforme) significa que o poeta vai em paz.

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A poética e o seu inofensivo fingimento

Será que a gentil leitora e o não menos exigente leitor se preocupam com pasárgadas, maracangalhas, horizontes perdidos ou outros refúgios idealizados? Não há direito a prêmio (não sei qual é a resposta certa), mas atestará seu grau de romantismo. Quem enfrenta a vida numa boa 24 horas por dia e sete dias por semana, sem desesperar-se ou querer fugir para um mundo pessoal, por certo tem um coração valente, mas não romântico. Se o desamparo e a desesperança nos assaltam, não parece de todo ruim equipar de asas a imaginação e ganhar o espaço. Pensando bem, que serventia nos oferece este vasto mundo, se renunciarmos ao sonho e desdenharmos o inofensivo fingimento da poesia?

O.C.

6 respostas

  1. Uma leitura deliciosa. Muita ironia, pimenta, humor, definitivamente a nossa vida é assim mesmo, levada assim meio que sem muita responsa, abrindo a mente, e sem se importar com as opiniões, apenas escrever, ler, se dirvertir com tudo isso e seguir a vida. Gostei demais, espero mais comentários deste quilate. Abraçõs.

  2. É com renovado prazer que volto à leitura do Universo Paralelo. Coisas inteligentes ditas com propriedade formam a matéria que compõe essa coluna.

  3. Humor requintado, leitura leve, expressão rara de quem tem cultura; certeza de que conhecimento válido equivale à sabedoria para dizer com respeito aos demais o que sabe, o que pensa.

    Vida longa à Universo paralelo!

  4. E se juntos resolvessemos transformar isto aqui numa Pasargada, ou mesmo numa Maracangalha?
    Na Pasárgada ou Marancangalha sonhadas pelos poetas?

    Por que não trabalhar a transformação e não a fuga?

    Tavez não fosse muito poético mas seria sim muito mais épico.

    Mas como ousar-me a contradizer o Ousarme…

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