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Celina Santos | celinasantos2@gmail.com

Essa batalha de gênero parece ainda engatinhar quando, 90 anos depois, ainda existem homens querendo apenas uma fêmea que obedeça quando ele ordena, a la Coronel Jesuíno: “deite, que hoje eu quero lhe usar”.

Enquanto vemos a mídia alardear a notícia de que nove integrantes de uma banda de pagode de Salvador estupraram duas menores (uma delas virgem), no pequeno município de Ruy Barbosa, oeste baiano, também aflora uma infinidade de inevitáveis reflexões. A primeira delas é sobre a concepção que se constrói da mulher, sobretudo entre adolescentes e jovens cuja personalidade ainda esteja em formação.

Dá asco só de imaginar a seguinte cena: dois jovens “músicos” estavam dentro do banheiro covardemente violentando as meninas, ao passo que os outros sete aguardavam sua vez fazendo batucada e entoando o côro apregoado pelo hit de outra banda da capital: “bota com raiva/ bota com raiva/ bota com raiva/ botaaaa…”.

Durante o revezamento, os colegas caprichavam na percussão, cantando o principal sucesso daquele grupo: “ela senta, senta, senta/ senta, senta com vontade”. Deplorável! Porque, segundo depoimento prestado à polícia, as garotas não o fizeram por vontade. Aliás, por terem apenas 16 anos, legalmente falando, elas sequer poderiam decidir sobre tal ato.

É preocupante saber que tantos meninos – e também meninas – têm incutida em seu imaginário a visão da mulher como mero objeto sexual, reles pedaço de carne. Lamentável imaginar que um garoto de 13 anos pode olhar para uma gatinha da mesma idade e, de forma bastante crua, pensar: “se essa ‘nêga’ me der mole, eu esculacho!”.

O ideal da fêmea como objeto a ser devorado não permite que o garoto saiba que ela conquistou o mesmo direito de ter prazer que ele sempre teve. Nesse sentido, quem apenas quer que a garota lhe “dê a patinha” não deve ter noção de uma regra básica que diferencia o homem do menino: para usar uma expressão bem soteropolitana, ele só é o “miseravão da ladeira” quando consegue que a sua parceira também chegue ao clímax.

Olhando sob um prisma macro, sabemos que o Brasil tem a primeira mulher presidente da República, a primeira mulher ocupando a presidência da Petrobras; elas também são maioria no número de aprovados em concursos e no ingresso em universidades. Esse é o ponto positivo.

Por outro lado, essa batalha de gênero parece ainda engatinhar quando, 90 anos depois, ainda existem homens querendo apenas uma fêmea que obedeça quando ele ordena, a la Coronel Jesuíno: “deite, que hoje eu quero lhe usar”. A forma é outra, é claro, mas o ideal de dominação é equivalente. Para onde vamos? Que formato terão as futuras famílias?

Perdoem-me se a indignação fez o texto descambar para a rota da “guerra dos sexos”. Esse, definitivamente, não é o norte do necessário respeito mútuo e da tão desejada igualdade de direitos entre homens e mulheres. Uma coisa é certa: o roteiro não passa pelo falso ideal plantado por outro hit que diz: “mulher é que nem lata/ um chuta e o outro cata”.

Celina Santos é chefe de redação do Diário Bahia.

11 respostas

  1. Celina,
    Quero parabeniza-la pelos comentários tão pertinentes para o momento. A “música” baiana desceu ao fundo do lamaçal para buscar inspiração. O pior é que tem gente que só ouve isso e nem sabe que a Bahia também tem uma Mariene de Castro, Margareth, e tantos outros.
    Os nossos jovens se recusam a ouvir uma verdadeira letra e música quando a escola lhe apresenta, pois o ouvido está deseducado para essas baixarias. Não podemos aceitar isso como se fosse normal.
    A mulher precisa valorizar-se e não se entregar à violência com nome de prazer.

  2. Longe de ser justificativa; até mesmo porque para esse tipo de crime não há. Inclusive sou favorável a pena severa, sendo a mínima ideal a castração, ainda que química.
    Mas que diabos duas adolescentes vão fazer num ônibus onde só tinha marmanjos. Ainda que fossem fãs – admitindo-se que imbecis que cantam esse tipo de música idiota tenham fãs – elas deveriam ter pedido autógrafos, se esse foi o objetivo de entrarem no ônibus, do lado de fora.

  3. O texto traduz a realidade, mas não se deve limitar a existência de tal comportamento às classes mais baixas. O macho-branco (ou negro)-no-comando não é prerrogativas delas. Os homens ainda fantasiam que são os mandantes, os dominadores, os que dão a última palavra, o que é admitido e reforçado por muitas mulheres. Não raro as cenas a que assistimos na TV, nos shows, nos barezinhos e até nas residências mostram mulheres que corroboram essa ideia disseminada da “cachorra”. Está na falta de CULTURA, no desconhecimento dos DIREITOS, nos ESTEREÓTIPOS, na aceitação passiva a raiz dessa vulgarização da mulher, bem como sua imagem de objeto. A realidade é que poucas têm a sua consciência do que seja respeito a si próprias. Se tivessem, não veríamos tantas “descendo até embaixo”.

  4. Parabéns, Celina!
    Para essas coisas não tem justificativa, mas a sociedade baiana vem perdendo muito do significado do respeito à mulher. Quando a deputada Maria Luísa Maia comseguiu aprovar o projeto que impede o dinheiro público (nosso) de contratar bandas pornográficas, foi um Deus nos acuda. A verdade é que em nome da liberdade de expressão, o lixo sonoro aliena a cabeça das pessoas, quando isso deve ser proibido, porque ninguém merece perder tempo ouvindo porcaria. Não sei pra quê, secretaria da mulher, movimento de mulheres, se ninguém respeita nada, nas escolas, alunos interditam as aulas com celulares tocando lixo, eles podem…

    Voltando ao assunto, cadê a ECA, não evitou que as menininhas “evoluídas” não fossem estupradas? Não ensina aos rapazes, o respeito às mulheres? O que as menores faziam fora da vista dos pais? Quando é para ajudar familiares em alguma atividade, não pode. Mas a ex-atriz mirim do Sítio do Picapau amarelo pode em horário nobre, exibir-se ao lado de atrizes maduras, com trejeitos de namoro, ficar, sei lá…

    A ECA vem “educando” meninos há vinte e um anos e o resultado é 600 mil meninos em casa de custódia, por atos malignos. Fora os milhares que tombaram, outros tantos nos raios A e raio B da vida. Meninas agredindo as outras por causa de homem, enchendo os pais e avós de crianças órfãs, maltratar pais e responsáveis, cair nas mãos de bandidos, estudar que é bom, nada, pois suas mentes estão voltadas para o que ainda não seria seu tempo.

    Quem quiser conhecer a vida seja professor (a), profissão de alto risco, ou então more vizinho a uma escola. Outro dia, a vizinha de um colégio, quase leva bala às 9 horas da manhã. Alguém sabe, toma conhecimento, se emociona com isso? Quando algum figurão é atingido, o bandido aparece morto e pronto, porque por aqui tudo que é ruim toma corpo.

  5. Acho totalmente louvavel a sua preocupação, mas só se ouve esse tipo de música, e as meninas adoram, não se dão valor, o q adianta, adoram tá na mira dos machos como dizem elas, como objeto de desejo, isso tá na nossa cultura, não adianta falar,
    é apenas demagogia, tanto da sua parte como de quem apenas fala e não faz nada pra mudar, escrever artigo é fácil, corra atras do prejuizo, falar é facil, mas o q vc tem que enteder é
    que as festas de hj em dia apenas tem musicas depreciativas pra desvalorizar as mulherers, e eles mesmas dançam essas mesmas musicas e ainda acham bonitas, pq vc não procura mudar a cabeça dos politicos pra ter uma lei sobre esses tipos de letras na musicas, isso sim seria uma boa oportunidade de quem quer fazer alguma coisa, fala serio.

  6. Discordo e tenho outra visão de mundo; música nenhuma faz da mulher puta; promíscua e nem anencéfala; e sim a educação que transforma as pessoas, e infelizmente esse fator fundamental não tem a devida atenção dos governantes.

  7. Celina, parabéns pelo texto!
    Apesar de terem se tornado cotidianas situações como essa vivida pelas duas garotas, confesso que o caso me chamou a atençao. E interessante a partir desses fatos buscarmos a compreenção de quais fatores tem contribuido para que as estatísticas de estupro e até mesmo a desvalorização feminina tenha se expandido tanto. Partindo dessa compreenção, que vai muito além das músicas nada construtivas devemos perceber que esse problema nos acompanha desde as nossas raizes e por isso já passou da hora de os governantes se atentem a males que vem ao longo de tanto tempo alienando a sociedade inclusive a eles mesmos. Precisamos de melhoras na educação, disseminação da cultura, esporte enfim ações que preencham a sociedade e que não deixem espaço para tantas mazelas.

  8. Gostaria de parabenizar essa profissional tão competente e sensível para descrever tão bem o momento machista desfaçado que vivemos. Parabéns

  9. Infelizmente é fato, mas não é só da música chamada “Quebradeira”, outros estilos musicais também apregoam este relacionamento entre homens e mulheres, que pena que não deixa de ser vero o discurso das músicas, pois é assim que a mulher é tratada em nossa sociedade desde sempre.
    Para mudar as letras seria necessário mudarmos os conceitos e é uma tarefa árdua fazê-lo.
    Apenas imputar a este estilo musical a culpa da imbecilidade que foi cometida, segundo a denúncia, é desmerecer a verdade do nosso dia-a-dia.
    Em outros tempos já cantávamos sucessos onde a mulher era colocada “No seu devido lugar”, exemplo de Amélia.
    Se não era escancarado o ato, hoje é, mas a bagaceira ainda é a mesma.
    Eu que sai de uma mulher, fui criado por outras e sempre respeitei todas as outras, tenho nojo de tal pensamento, mas não posso colocar só os “Pagodeiros” como únicos vilões, somos uma sociedade com pensamentos perversos para com a mulher, Fato.
    É necessário educarmos os jovens, de ambos os gêneros, para que haja o respeito.

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