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DIANTE DA MÁQUINA, ABRA UMA VEIA

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

Sobre as dificuldades de escrever já foi dito tudo (resisto a de tudo, conforme a detestável moda). Autores afirmaram escrever para não morrer, este para não se sentir só, aquele para se sentir vivo. Outros fazem versos como quem chora, e há ainda os que parecem escrever apenas para abusar da nossa paciência de leitores. Alguém com pendores para a economia de linguagem resumiu escrever a “cortar palavras”, enquanto Fernando Sabino diz que escrever é muito fácil: “basta sentar-se diante da máquina e abrir uma veia”. Claro que esses falares (melhor, escreveres?) são dos grandes, os que escrevem obra duradoura. Eu, escrevinhador de planície, tenho outras dúvidas e problemas.

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Dromedários são niilistas e fatigados

Luto profissionalmente com as palavras já faz pra lá de meio século, mais tempo do que tem de vida a gentil leitora (e o faço, tal qual o poeta, mal rompe a manhã). Por isso, tenho cá os meus truques, ditados pela prática, que não é pouca, não pela teoria, quase nenhuma. Sou, portanto, um dromedário, gíria antiga das redações, tão antiga que é difícil encontrar alguém na Fenaj que a conheça: dromedário é o antônimo de foca – o foca está sempre de nariz pra cima, farejando o grande “furo” de sua vida; o dromedário é niilista, fadigado, acha que já viu tudo (de tudo?) e pouco há no mundo que valha a pena. Dromedário é foca com desencanto; foca é dromedário com esperanças de mudar o mundo.

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A escrita entre o trabalho e o prazer

Telmo Padilha ensinava uma lição: discipline-se, escreva sempre, tente criar. Muitas vezes esse produto não valerá a pena, será descartado, mas o que importa é fazer. Outro truque aprendi com a vida: – texto é como massa de bolo, precisa “descansar”. Então, escreva e, se possível, engavete o trabalho por algum tempo, depois releia. Quase sempre as emendas saltarão aos olhos. Infelizmente, nós jornalistas trabalhamos sob pressão do tempo, sendo comum só vermos a bobagem que fizemos quando ela já está exposta nas bancas. Para Saramago, Nobel de Literatura, a escrita é só trabalho, sem prazer. Para mim, escriba municipal, é prazer, quase sem trabalho. Outra dica: se você escreve mais do que lê, desconfie.

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(ENTRE PARÊNTESES)

Dia desses mencionei Fernando Leite Mendes e seu livro de crônicas, cujo título presta homenagem à professora Alina, filha do advogado Afonso de Carvalho (nome que ela deu à escola famosa, já extinta). Conta-me Lino do Vale Coelho, coleguinha do lendário Instituto Municipal de Educação, que esse Afonso de Carvalho era homem fino, pra lá de elegante. Tanto assim que, certa vez, provocado por um desafeto, achou-se no dever de dirigir a este uns desaforos, mas o fez sem perder a linha. De paletó, gravata e colarinho duro de goma, foi ao Correio e de lá enviou ao mal educado um telegrama vazado nestes termos enigmáticos e ameaçadores: “PLANTEI BANANEIRA PT AGUARDE CACHOS SDS”. Xingar a mãe do atrevido nunca lhe passou pela cabeça.

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UMA FOLHA DE ALFACE PREGADA À LAPELA

“As lendas sobre Thelonious Monk (um gênio renovador da linguagem do piano de jazz) foram enriquecidas por determinadas atitudes bizarras assumidas pelo músico: conta-se que ele costumava passar dias e dias na cama, em completo mutismo, fingindo-se de morto, com um gorro vermelho à cabeça. Quando na rua, completava sua elegância indiscreta com uma folha de alface pregada à lapela e, além disso, repetia seu aforismo preferido, aparentemente lógico na sua insanidade: É sempre noite; se não fosse assim, não sentiríamos necessidade de luz (Antônio Lopes: Buerarema falando para o mundo – Letra Impressa/1999)”. O velho Monk nunca foi santo.

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“Desligado, insociável e taciturno”

Certa vez lhe perguntaram quem exercera maior influência sobre ele. A resposta: “Eu, naturalmente”. Depois de um começo difícil (sua música era tida como “incompreensível”), o sucesso lhe chegou a tal ponto que o levou à capa da Time, indiscutível atestado de êxito. É descrito como casmurro, difícil, insociável, taciturno, solitário, desligado. Conta-se que passou os dois últimos anos de sua vida quase sem falar, alheio a tudo que o cercava. Tem lugar no panteão do jazz, como um dos maiores pianistas do gênero. Entre seus temas mais conhecidos estão Misterioso, Crepescule with Nellie, Monks´dream, Something in blue e, o meu preferido, Round midnight.

Uma cantora de jazz muito “brasileira”

Carmem McRae (1920-1994) foi amiga de Billie Holiday, de quem sofreu influência, cantou com a orquestra de Count Basie e, no início dos anos 50, ganhou o prêmio de melhor cantora revelação da poderosa revista Down Beat. Tinha excelente formação musical (estudou piano) e era conhecida dos brasileiros (esteve aqui quatro vezes, a última delas em 1985). Gostava de caipirinha, feijoada e MPB – incluiu no repertório Flor de liz, de Djavan. Era exigente na escolha do que cantava, dos músicos que a acompanhavam e na produção de seus discos. Em 1988, fez o álbum Carmem sings Monk, em homenagem a Thelonious Monk – do qual tiramos este Round midnight.

Maysa e os “clássicos” americanos

As gravações de Round midnight mais divulgadas são instrumentais, mesmo que entre as versões cantadas estejam nomes como Sarah Vaughan e Ella Fiztegrald. No Brasil, Maysa, que cantou os grandes clássicos da música americana, gravou Round midnight (e também I love Paris, Mean to me, What’s new? Autumn leaves e outros standards). Aqui, por invenção da coluna, Carmen McRae canta sobre imagens do filme Por volta da meia-noite, de Bertrand Tavernier, que vocês já conhecem.

(O.C.)

6 respostas

  1. É como sempre costumo dizer, pra dizer umas verdades, o que quase sempre acaba ofendendo os incautos, não precisamos baixar o nível. Basta subestimar a inteligência dos imbécis, rsrsrsrs.

  2. Vez em quando sou abduzido pelo universo paralelo do O.C. aprendo com a coluna o que a minha mente pode reter de ensinamentos, não sei se muita coisa, não por causa do colunista, e sim por causa da minha mente que não confere em capacidade. A coluna é excelente. Sempre que posso escarafuncho o blog, emprestando meus olhos, essa bateia em busca de algumas pedrinhas reluzentes/tomarei a liberdade de citá-la e cito/para estrangeiros e para os parentes/ousarei, como Prestes, mostrar serviço ao Brasil/isto é, se a coluna assim permite/e se eu tiver bala no dialeto/Ousar-me-ei testemunhar e dando fé e veredito/que a coluna oxigena, não só a língua, mas o povo/ousei uma vez escrever, mesmo morrendo à míngua/afinando na pedra de amolar, a concha do ouvido/tropeçando os dentes nas palavras/depois palitando letras entre eles/ senti a sensação do dever cumprido/ rezando que eu pudesse ousar de novo.
    Vida longa ao colunista. O blog está de parabéns!

  3. En un mundo paralelo todos sabriamos quien se ha tomado todo el vino.En un mundo paralelo entendemos muy bien a las mujeres.En un mundo paralelo…los vegetales se quedarian en estado personal.En un mundo paralelo nos pagarian por quedarnos en la casa en vez de ir a trabajar.En un mundo paralelo Sabemos que hacer cuando nos cantan ‘Feliz cumpleaños’.En un mundo paralelo los días laborables serían sabado y domingo y los de juerga de lunes a viernes.En un mundo paralelo las almohadas hacen guerra de personas.En un mundo paralelo las garrapatas tendrían perrosEn un mundo paralelo las cucarachas gritan y corren cuando ven a una mujer.En un mundo paralelo no veríamos televisión, la televisión nos vería a nosotros.En un mundo paralelo los loros se rien de cómo los humanos repiten las cosasEn un mundo paralelo Twitter y Facebook serian personas adictas a nosotros.En un mundo paralelo las tetas de las mujeres se le quedan viendo a los ojos de los hombres.En un mundo paralelo Dios Nos Ruega Que Creamos en El. En un mundo paralelo las mariposas sienten humanos en el estomago.En un mundo paralelo tener sexo seria lo mas horrible del mundo.Y para terminar este post……Ya le consiguieron el mundo a Lelo?Espero les haya gustado!

  4. Sobre o ato de escrever, O.C, ainda quero transformar o leitor compulsivo que sou, (leio 24 horas por dia, até dormindo eu rumino literatura, filosofia, poesia, sem exagero), em um escritor igualmente compulsivo. Acho que escrevo muito pouco.

    Se todas as vezes em que eu penso em sentar na frente do computador, eu vencesse o frio que me percorre a espinha, já teria conseguido ser o escritor em que quero me transformar, livre de autocensura ou pouco me importando com o que os pretensos críticos por ventura venham dizer. Escrever é o que importa!

    Salman Rushdie, em suas memórias que narra o período em que ficou vivendo sob o pseudônimo de Joseph Anton e vivia em endereços protegidos pela polícia,por conta da fatwa, certa altura do livro, enfrentando uma crise criativa, diz: “A arte de escrever”, disse Hemingway, é a arte de aplicar o assento da calça ao assento da cadeira”. Sente-se, ele ordenava a si mesmo. Não se levante.

    É isso aí. Quero um dia obedecer a mim mesmo e escrever até a vida expirar.

  5. Voltando à escrita, prezado O.C., essa minha doce obsessão, eu uso a leitura como lenha para manter acesa essa fogueira.

    Mas, junto com o “fogo que arde sem se ver”, eu quero “escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem”.

    Eu sinto que você lava o texto usando a água que dá o branco mais branco e expõe no varal as palavras, como uma hábil lavadeira.

    Espero um dia ter esse grau de atenção que você, Telmo Padilha e o velho Graça dedicaram às palavras, no seu caso,dedica.

    Ah, no post anterior falei de Salman Rushdie e sua memórias dos dez anos que foi obrigado a viver escondido por causa da condenação à morte decretado pelo aiatolá Khomeini.

    Nesse período ele usou o pseudônimo de Joseph Anton, fusão dos nomes de Joseph Conrad e Anton Tchecov, seus dois escritores preferidos. O livro foi editada pelo Companhia das Letras e é delicioso. Você começa a ler e não quer parar.

    Viva a liberdade de expressão!

  6. Porque hoje é terça:
    Também acho que não é necessário, para a resposta “à altura”, ofender as pessoas. A questão a discutir é se hoje somos tão elegantes quanto o advogado Afonso de Carvalho. Estariam os bons modos em decadência, como tantos outros valores? Precisamos de cartazes do tipo “não pise na grama”, “não entre sem camisa” ou “não consuma produtos dentro do supermercado”? Também gostaria de saber se a bananeira deu cacho…

    Nossa modesta coluna “abduzindo” leitores é demais pro meu anseio. A expressão “Ousar-me-ei testemunhar e dando fé e veredito/que a coluna oxigena, não só a língua, mas o povo” – a par do trocadilho referente a este autor, é de uma generosidade ímpar. Esta citação e a ideia de associar “coluna” a Coluna Prestes mostram que o leitor tem mesmo bala no dialeto.

    Me gusto mucho, si – embora pouco entenda da língua de Cervantes. A visão de um mundo paralelo, ao contrário do nosso “mondo cane”, é, literalmente, fantástica: dentre otras cosas, deliciei-me com a ideia de os peitos femininos se quedarem olho no olho dos tarados – e um grupo de cucarachas gritando com medo das mulheres é genial.

    Imagino que a escrita comece pela leitura. Não creio em pessoas que se metem a escrever sem ter criado base, influência. A escrita não nasce por geração espontânea, nasce da experiência dos outros, que absorvemos. É a teoria da tocha olímpica, do crítico Hélio Pólvora (a que nos vamos referir dentro em pouco): a literatura passa de mão em mão – e cada novo autor, se competência tiver, aviva-lhe a chama, a renova e passa adiante. No caso, vale o conselho de Telmo (equivalente ao de Hemingway, citado pelo leitor): sente-se e escreva, porque se não começar nunca saberá se pode fazê-lo a contento. Não sou “hábil lavadeira”, mas “lavadeira cuidadosa”. Se percebo uma mancha, lavo de novo, querendo que minha frase “saia da oficina sem um defeito”. Erro por imperícia, não por preguiça. E viva a liberdade de expressão!
    Aquele abraço!

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