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Karoline VitalKaroline Vital | karolinevital@gmail.com

Ouço muito discurso demagógico de gente que diz saber do potencial artístico grapiúna, mas nunca viu coisa alguma. É o mesmo tipo de gente que assiste programa matutino e dá conselhos sobre dietas naturais, exercícios e decora meia dúzia de chavões de livros de autoajuda.

Mais um ano vai chegando ao fim e a turma não perde tempo de fazer suas promessas para os próximos 12 meses. Uma clássica é regular o peso através de hábitos mais saudáveis. Uns querem emagrecer, outros ganhar massa muscular, alguns apenas gostariam de gozar de mais saúde para ter a possibilidade de viverem muitos outros anos e fazer mais promessas. Todo mundo sabe o que precisa fazer e o quanto sua saúde agradecerá, mas são poucos os que realmente se arriscam.

Geralmente, para regular o peso se começa pela reeducação alimentar. Fugir das delícias pouco nutritivas às quais estamos acostumados para encarar pratos que nem sempre são atraentes logo de cara é duro, torturante. Por mais que a circunferência das nossas cinturas peça clemência, são raros aqueles que facilmente trocam o velho e gordo bife com batatas fritas por um peixe grelhado com ervas finas e uma salada crua. É difícil e sofrível acostumar com o cardápio mais leve e sadio.

E, assim como acontece com a necessidade de hábitos alimentares mais saudáveis, também é preciso investir na boa forma de nossas mentes, melhorando nossas dietas culturais. Estamos acostumados a consumir tanta tranqueira que estranhamos ao encararmos uma opção mais refinada. Existem uns e outros que adoram visitar restaurantes chiques de vez em quando para posarem de gourmets, assim como aqueles que viram tietes repentinas de figuras da MPB para tirarem onda de intelectuais. Mas para apreciar cultura de verdade é questão de hábito, refinamento gradativo do paladar.

Meio mundo reclama que na televisão só passa porcaria e emburrece, que na internet só tem baboseira, etc. Têm consciência que há alternativas melhores e engrandecedoras, têm livre acesso a elas, mas não largam os maus hábitos. São os mesmos que, ao chegar numa praça de alimentação, atacam logo os sanduíches com gosto de plástico.

Os meios de comunicação também não ajudam muito a incentivar melhores hábitos culturais. Adoram escândalos e fofocas políticas, ficam em êxtase com tragédias (se envolverem criancinhas melhor ainda) e vão ao delírio com a violência, estampando fotos dos defuntos ensanguentados e tudo mais. A parte destinada à cultura é ínfima. É um terço de bloco de um telejornal, uma notinha em um programa de rádio e uma postagem por semana num site (isso se o evento não estiver pagando pelo espaço, um banner bem dinâmico com a foto dos artistas globais).

Fica mais do que complicado tentar colocar na cabeça do povo de que ser culto não é ter lido apenas os clássicos da literatura universal ou conhecer a discografia de gênios da música. Ser culto é estar aberto a novas experiências culturais, é se permitir experimentar novos sons, imagens e sabores.

A região sulbaiana tem uma vida cultural riquíssima, com artistas que não devem nada aos importados das regiões sul e sudeste do país. E não adianta vir apenas compartilhar links em seus perfis nas redes sociais de eventos culturais locais e nem se dar ao trabalho de experimentar.

Ouço muito discurso demagógico de gente que diz saber do potencial artístico grapiúna, mas nunca viu coisa alguma. É o mesmo tipo de gente que assiste programa matutino e dá conselhos sobre dietas naturais, exercícios e decora meia dúzia de chavões de livros de autoajuda e já se sentem os gurus mais do que pensantes. Mas, na verdade, não saem de sua zona de conforto e se empanturram com as mesmices do dia a dia.

Assim como o alimento nutre o corpo, a cultura nutre a mente. É um exercício que envolve aprendizado, pensamento crítico e entretenimento. Contudo, assim como uma dieta balanceada, poucas pessoas estão dispostas a arriscar o desenvolvimento de novo paladar. As desculpa clássica é a falta de tempo, que esconde a covardia de estourar suas bolhas.

A minha proposta é que mais pessoas incluam em suas vidas uma dieta mais cultural. Com certeza, vivenciar e valorizar a cultura traz resultados recompensadores e as experiências são mais do que deliciosas. Alguém está servido?

Karoline Vital é jornalista.

4 respostas

  1. Estás certíssima, minha cara Karoline. Eu acho vital que as pessoas pensem em uma dieta saudável, tanto no que diz respeito aos alimentos do corpo, quanto aos que nutrem a mente. Mens sana em corpore sano, já recomendavam os sábios gregos.

    O problema é que o brasileiro sofre de desnutrição crônica nas duas dietas. Quando se trata de sentar à mesa, ainda milhões de famílias padecem com a falta de um cardápio que atenda às suas necessidades nutricionais.

    Quando se trata de consumo de cultura, aí então a dieta forçada e o cardápio péssimo, como bem colocado por você, servido pelos orgãos de comunicação é lastimável.

    Nossos governantes, em sua maioria, só pensam em suas dietas ricas e nas polpudas contas bancárias que ao deixarem os governos acumularam. Enquanto o povo ainda vive as “Vidas Secas”, os canalhas morrem enfatuados de comidas e dinheiro roubado dos cofres público.

    Quando se trata de Itabuna, o caso é mais grave. Quantas livrarias temos na cidade? E programas de incentivo à leitura?

    Nisso estamos na idade da pedra lascada. Só Buenos Aires tem mais livrarias que o Brasil inteiro. É de doer, não é?

    E àqueles brasileiros que a vida deu algum privilégio, esses preferem morrer de tanto comer, enquanto o espiríto sofre de inanição. Povo estúpido. Aos livros cambada!

  2. Parabéns pelo texto. Faço parte do grupo que “se empanturram com as mesmices do dia a dia”, mas reconheço que esse é o retrato (sem julgar) da nossa realidade. Continue escrevendo com essa sinceridade.

  3. Olá, Ricardo! Acho importantíssimo o incentivo à leitura. Somos privilegiados por termos escritores regionais mais do que consagrados no passado e também na contemporaneidade. Realmente, há uma grande carência de livrarias e bibliotecas bem aparelhadas, com um ambiente que atraia leitores.

    Mas, quando falamos de cultura, precisamos ampliar ainda mais nossa visão. Geralmente, cultura é associada apenas à erudição, o que acaba limitando seu conceito e afugentando muitas pessoas que acham coisa da alta sociedade ou frescura.

    Já conversei com gente esclarecida que nunca assistiu uma peça de teatro por pensar que é algo voltado apenas para intelectuais elegantes e enfadonhos, o que é um grande equívoco. Há espetáculos de todos os tipos para todos os gostos. Do mesmo jeito que existe o teatro clássico, também existe o arrocha teatral! O teatro nasceu do povo e deve ser apropriado por ele. Assim como a dança, as artes plásticas, a música, a literatura e qualquer tipo de expressão criativa.

    E ninguém pode se queixar de falta de vida cultural na nossa região. Puxando a brasa para a minha sardinha, O Teatro Popular de Ilhéus não fica uma semana sem promover qualquer tipo de evento, seja cinema, debates, exposições, música, dança, etc. Muita coisa de graça ou com ingressos que custam no máximo R$10. Então, como dizem por aí: “Quem quer dá um jeito, quem não quer dá uma desculpa”.

  4. Também acho, Karoline, que a cultura não é apenas livresca, mas é a partir deles que aprendemos sobre todas as outras manifestações culturais e artísticas.

    Mesmo que nunca tenhamos lido um livro, que nossa cultura tenha origem apenas na oitiva, ainda assim quem nos fala absorveu nos livros todas as informações que nos passam.

    Da leitura ninguém sai impune. E é graças a leitura que começamos a viver outras vidas, nos identificando com personagens. E o própio teatro, cinema etc… sempre surgem de roteiros escritos, ou seja de livros.
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    Penso que necessitamos de todas as outras manifestações artística e culturais, mas os livros ainda são as nossas mais seguras estrelas, aquelas que nos ensinam o rumo certo das nossas naus.

    Mesmo sabendo que “navegar é preciso, viver não é preciso”, ou talvez por isso mesmo, necessitamos tanto de livros e das artes de modo geral para que, diante dessa imprecisão de que nos fala o poeta, amenizemos a dor da existência, através das delícias que o bálsamo das artes nos dá.

    Concordo que existe desiformação e preconceito de pessoas que aparentam possuir cultura, erudição, mas nisso reside exatamente uma inapetência que denota limitação.

    Portanto, desconfio desses “eruditos” que desconhecem a correspondência que existe entre todas as artes. Abraços.

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