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NOTA DE REPÚDIO A PRÁTICAS DE ASSÉDIO MORAL E SEXUAL NA UESC

99,6% das cerca de 8 mil mulheres participantes de uma pesquisa online realizada em 2013 pela jornalista Karin Hueck afirmaram que já sofreram algum tipo de assédio sexual ou verbal enquanto estavam na rua, no transporte público, no trabalho e na balada.
A pesquisa, amplamente divulgada na época, revela mais uma das faces do machismo presente em nossa sociedade, e que é reproduzido desde a educação infantil nas escolas, nas instituições religiosas, nas propagandas de TV e revistas, e nos seios familiares.
O machismo submete a mulher à autoridade masculina e a coloca como objeto de desejo passivo ao homem. Por outro lado, é o homem também vítima deste processo, vez que é incentivado desde cedo a reafirmar sua virilidade, e naturalizar o assédio, considerando-o um “simples elogio”.
Atitudes machistas também estão presentes na universidade, como ocorrido no dia 05/11, ultimo, na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC-BA), quando Nátali Mendes, estudante de Comunicação Social dessa instituição, foi constrangida em público pelo Prof. Dr. André Rosa (DFCH-UESC), conforme ela mesmo relata:

Durante uma mesa redonda no Colóquio promovido pelo Núcleo de Estudos Afro Baianos e Regionais – Kàwé , do qual faço parte como bolsista de iniciação científica, no momento aberto para as colocações do público presente, o Prof. Dr. André Rosa fazia uso da fala, e eu, como colaboradora do evento, aguardava o fim da fala para pegar o microfone e encaminhar a próxima colocação. Ao encerrar sua contribuição, o professor sutilmente segurou meu braço e falou:
– Você é realmente muito bonita.
 Eu respondi, constrangida:
– Ah, muito obrigada.
Ele completou:
– Inclusive, vou lhe passar meu cartão.
Eu fiquei sem reação, não entendi o que ele quis dizer com isso. Minha mãe, que estava compondo o público presente, interveio dizendo:
– Epa, a mãe dela está aqui presente viu!
Ele, não achando suficiente, levantou-se de sua cadeira, caminhou até a cadeira da minha mãe e entregou seu cartão de visita para ela!
Estou até agora tentando entender o que aquele homem, que eu nunca havia visto antes, quis dizer, entregando esse cartão para minha mãe. Ele está pensando que eu sou o quê? Pensando não, fazendo, agindo! Ele me objetificou! Ele me ofendeu! E ainda fez isso em público!
Sabendo do repúdio coletivo de participantes e realizadores do evento, o Prof. Rosa retornou ao Colóquio e se pronunciou publicamente no dia seguinte. Aparentemente constrangido, pediu desculpas, alegando que o “elogio” se deu por conta do turbante, adereço tipicamente afro utilizado por Nátali Mendes no momento citado, e afirmou ter tido uma atitude infeliz e equivocada ao entregar o cartão à mãe da estudante.
Para tod@s @s presentes no primeiro momento, não há dúvidas de que houve assédio. Não apenas por conta da entrega do cartão, mas pelo conjunto dos fatos: o ato de segurá-la pelo braço, a entonação do elogio e a entrega do cartão acentuam a naturalização de relação hierárquica entre o professor (homem) e a estudante (mulher).
Isso precisa ser ratificado, pois, não só o assédio, mas a tentativa de desqualificar a denúncia da mulher, principalmente da mulher negra, também é uma prática histórica e marcante do machismo. Nós mulheres, que somos ofendidas e desrespeitadas cotidianamente, não somos contrárias aos elogios, mas sabemos muito bem identificar o que nos constrange.
Assim, repudiamos duplamente a atitude do professor André Rosa, entendendo que sua disposição em se retratar publicamente com as vítimas – mãe e filha – deve repercutir numa prática verdadeira de combate ao machismo. A atitude desse professor não é uma atitude isolada dentro da universidade. Por isso, exigimos também da administração da UESC um posicionamento claro de combate ao machismo e reivindicamos:
– Implantação de uma ouvidoria especializada para o combate ao assédio moral e sexual dentro da universidade;
– Promoção de uma política sistemática de educação para o fim das opressões, em parceria com núcleos de estudo, grupos de pesquisa extensão, e  movimentos sociais.
A universidade não pode ser uma mera reprodutora dos problemas existentes em nossa sociedade. Ela tem o dever de ser um modelo incentivador para relações que superem as desigualdades, as opressões e exploração que regulam o cotidiano. Desconstruir tais práticas em qualquer ambiente da sociedade perpassa por um processo longo de discussão, educação e enfrentamento de ideias hegemonizadas, mas não indestrutíveis.
Ilhéus, 14 de novembro de 2014.
Assinam a nota:
– Movimento Mulheres em Luta
– Coletivo A Coisa Tá Ficando Preta
– Coletivo Só Podia Ser Perto
– Coletivo Aqui Há Voz
– Centro Acadêmico de Comunicação Social
– Centro Acadêmico de Ciências Sociais
– Associação de Afrodesenvolvimento Casa do Boneco de Itacaré
– Teia Agroecológica dos Povos da Cabruca e da Mata Atlântica
– Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social
– Coletivo LGBT Flores Astrais
– Coletivo Retomada
– Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre
– Projeto Encantarte – Itabuna/BA
– Marcha das Vadias – Itabuna/BA
– Coletivo Quilombo – UESC
– Coletivo Feminista Laudelina de Campos Melo
– Coletivo Ousar Ser Diferente
– Diretório Central dos Estudantes – UESC
– Coletivo Alumiar
– Natali Helen Santos Mendes
– Ronara Chagas Santos Mendes
– Jeanes Larchet – Docente DCIE

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