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IMG_20170625_113459Rafael Gama | gama.moreira@hotmail.com

Arthur Schopenhauer afirmou que “não ir ao teatro é como fazer a toalete sem espelho”. Esta assertiva potencializa o vigor de Agreste. Este espetáculo é espelho bifocal através do qual a vida se revela entre ser e existir, permitir-se ou submeter-se.

Disse certa vez Carlos Drummond de Andrade: “Ir ao teatro é como ir à vida sem nos comprometer”. Peço licença aos deuses da literatura a fim de poder discordar deste gênio das palavras, pois a experiência Agreste é teatro que compromete, implica, associa e desvela. É corpo, é alma, uma mística de luz e sombras. É verdade singular de um povo, de uma cultura, de um lugar. É uma totalidade que integra. Uma particularidade que molda o barro do ser. Um ocaso do que está por vir. Um alvorecer.

Num jogo de luz e sombras, onde quatro são dois, quatro se tornam oito, oito se tornam um. A plateia soma-se a eles e as dezenas se tornam um. A experiência mais marcante de Agreste é a experiência do corpo, do sentires, fazeres, olhares, sucederes. Um corpo estigmatizado pelas cercas impostas, pelos grilhões que aprisionam, pelas incoerências de quem cerceia, sendo em si mesmo prisioneiro.

Agreste lança gotas de ternura sobre a aridez de nossa compreensão acerca do que é o amor. Retira a centralidade do binário e revela o múltiplo. A leveza dos seus tecidos é motor de sensualidade, o canto triste do sertanejo ao velar seus idos é a crueza da realidade. A vida no sertão
é dura como são duros nossos conceitos binários, como são duras as verdades absolutas a quem Agreste busca contestar.

IMG-20170624-WA0034A tessitura da história se dá com a sutileza dos fios do calor dos corpos. As palavras possuem textura, sabores, odores, eroticidade. Dos receios cintilantes à voracidade dos prazeres tudo em Agreste é intenso, permanente, necessário, salutar. A flauta marca a suavidade e a doçura do amor encantamento, do amor pureza, da ternura de gente simples que busca “a sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta mordida”.

Em cena estão parelhas simplicidade e sofisticação, um texto fluído, oito atores intensos (sim, oito!), suas sombras contracenam numa geometria singular, num balé oculto prestes a revelar o grande ato. Essência de seres ocultamente revelados, secretamente guardados. Como eu gostaria de que todos fôssemos um pouco daquilo que Agreste é.

Arthur Schopenhauer afirmou que “não ir ao teatro é como fazer a toalete sem espelho”. Esta assertiva potencializa o vigor de Agreste. Este espetáculo é espelho bifocal através do qual a vida se revela entre ser e existir, permitir-se ou submeter-se. Agreste transcende, ousa, posiciona-se, contesta, faz sentir. Agreste é um pouco daquilo que é o Grupo de Teatro Vozes, uma militância em favor da pluralidade dos afetos.

Rafael Gama é professor.

4 respostas

  1. UAU! Que texto primoroso!!! Rafael, você consegue nos fazer ver o espetáculo à distância. Parabéns pela lindeza de compreensão e virtuosismo da escrita. Dizer mais o quê? Um beijo.

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