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Aline Setenta | alinesetenta@gmail.com
 

Em reverência a todas que me
antecederam e que lutaram para que eu
estivesse aqui escrevendo esse texto e as irmãs
que sofrem ainda mais violências do que eu

 
 
A política, assim como os demais sistema sociais ao longo do último século, sempre estiveram ocupados por homens. Assim, não é incomum ouvir “Xaxo” (como fala uma irmã de luta) quando as mulheres decidem ocupar espaços políticos sejam eles institucionais ou não. Loucas, histéricas, vagabundas, mulher-macho, desocupada são alguns dos adjetivos que ouvem as mulheres que “vão pra rua”, candidatam-se a cargo eletivo, ou defendem uma pauta feminista. O discurso feminista tem incomodado conservadores e, por vezes, gerando mais opressão e violência quando as feministas são alvo dos mais diversos ataques como: “isso aí é falta de homem”, “vai lavar louça”, “essa aí vai ficar sozinha”! Apesar da necessidade de combater esses discursos, entendo que são reações esperadas de um sistema social e cultural que agoniza…. são reações daqueles que não querem admitir a mudança que já esta acontecendo.
Sobre isso, gostaria de fazer uma reflexão: ter um companheiro pode não ser o plano de vida mais importante para uma mulher, assim como não é para alguns homens, a felicidade é um estado interior que pode ou não incluir outra pessoa, vamos superar isso de uma vez por todas. E sobre ser ou não “feminina” espero por um dia que cada mulher respeite-se e seja respeitada na sua individualidade, compreendendo que o feminino está dentro, na sua alma, na sua essência, na sua verdade interior. Simone de Beauvoir disse assim: “Que nada nos defina, que nada nos sujeite que a liberdade seja nossa própria substância”!
Segundo o Valor Econômico, o número de lares brasileiros chefiados por mulheres saltou de 23% para 40% entre 1995 e 2015. O volume de homens que se apresentam como chefes de família no Brasil caiu pela primeira vez em 2016, no ano passado, enquanto 2,4 milhões de mulheres passaram a exercer a função de chefe de família no país, 985 mil homens perderam essa função. Tais mudanças refletem as conquistas feministas e a inserção da mulher no mercado de trabalho, mas infelizmente não tem sido acompanhadas, na mesma velocidade, de alterações sociais significativas.
No Brasil, a cada dia 12 mulheres são assassinadas e 135 são estupradas a cada hora, 503 mulheres são agredidas, 61% dos agressores são cometidas por conhecidos, 19% das agressões partem de seus companheiros, 43% das agressões graves ocorrem dentro de casa. Em todo o Brasil, apenas 443 são as delegacias especializadas num universo de 5570 municípios, e destas a maioria funciona de forma precária e por vezes machista consistindo mais um espaço de violência institucional. Por isso posso, apesar de avistar mudanças no horizonte, e algumas já vem acontecendo, ainda há muito a ser feito.
No cenário brasileiro, destacamos iniciativas no campo das políticas públicas, o advento da Lei Maria da Penha Lei 11.340/06, mudanças no âmbito do Direito de Família e recentemente a Lei do Feminicídio Lei 13.104/15. Em 2003, no início do primeiro mandato do presidente Lula, o governo federal transferiu a então Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher, vinculada ao Ministério da Justiça, para a Presidência da República, nascia assim a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), hoje com status de ministério.
A Secretaria ampliou o escopo de atuação do Estado na defesa dos direitos da mulheres e passou a trabalhar em três linhas de ação: políticas do trabalho e da autonomia econômica das mulheres; combate à violência contra a mulher; programas para as áreas de saúde, educação, cultura e ações voltadas para maior participação das mulheres nas políticas de igualdade de gênero e diversidade. Na Bahia, a SPM também tem avançado na institucionalização de políticas públicas e combate à violência destacando a atuação da Polícia Militar com a criação da Ronda Maria da Penha, e esperamos que as demais pautas avancem num futuro próximo. Itabuna precisa também avançar nesse campo, temos o Conselho da Mulher, o CRAM, a DEAM, as instituições precisam se fortalecer, dialogar e se aproximarem da realidade das mulheres em situação de vulnerabilidade.
Sobre a importância das lutas feministas, Carla Rodrigues, professora de filosofia da UFRJ, afirma que fazer política feminista tem sido, ao longo da história, trazer a tona ao debate público os temas mais candentes pra sociedade, isso porque os problemas de gênero constituem o ponto central por onde se pode colocar em pauta o interesse comum. Para ela cada uma das pautas feministas equivale a uma pauta global, e que a luta contra a opressão das mulheres é a luta contra própria opressão. E vou além, a expressão patriarcal de dominação feminina está na raiz da violência estrutural na sociedade, assim como a crise ambiental se explica também pela forma como a civilização pautou sua relação com a natureza. Da mesma forma que a humanidade se relaciona com a mulher se relaciona com a Mãe Terra: apropria-se e exerce dominação acreditando ser o seu “dono”, utilizando-as da forma como lhe convém.
Desta forma, alguns tem anunciado que a construção de uma nova sociedade será pautada pelas reflexões feministas, e que ainda que as mulheres não devam dominar o mundo, e criar um Matriarcado, senão terão feito exatamente aquilo que combateram, de certo somos nós as tecelãs da nova era. Cada um dos feminismos e das mulheres que despertaram e tomaram consciência da opressão que sofrem todos os dias, precisam ocupar espaços e lugares de fala, através dos quais denunciarão as violências a que são submetidas física, emocional, moral, sexual e patrimonial. Em Itabuna, há atualmente apenas uma vereadora, sendo que nossa população é composta majoritariamente por mulheres. Nesse contexto deve-se destacar o Feminismo Negro que adiciona a luta feminista aspectos sociais e raciais promovendo reflexões interseccionais assim como o Feminismo Campesino, e o LGBT, e ainda o Feminismo Ecológico. As mulheres negras são as que mais sofrem violência no Brasil, 58,86 % das vítimas de violência doméstica e 68,8% das mortas por agressão. A filosofa americana Angela Davis afirma que “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”
Um dos pontos centrais dessas lutas e desses feminismos são as reflexões sobre “política de controle sobre corpos”, com base em Michel Foucault, voltado a combater a apropriação dos corpos femininos. O patriarcado, assentado sobre a propriedade privada tem como alvo a terra e as mulheres. A objetificação da mulher, do seu corpo como um pedaço de carne, a visão de seu corpo como um aparelho reprodutor, as limitações a sua liberdade de ser como é e o que quiser, numa estética heteronormativa que lhe impõe ser bela (impondo um padrão de beleza inalcançável para a maioria das mulheres, aqui vale destacar que 9 em cada 10 mulheres está insatisfeita com sua própria aparência), recatada (determinando a forma como deve se comportar), e do lar (estabelecendo o lugar que deve ocupar na sociedade). Tudo isso é motor dessa violência que se expressa nas estatísticas e converge para a reprodução de todas as violências sociais, porque, tendo a mulher a função de gerar, parir e alimentar os menores seres da sociedade, a violência que ela sofre nessa condição se transmite e perpetua no seio dessa mesma sociedade. Assim, combater a violência de gênero é decisivo para combater a violência como um todo.
Assim, todas as estruturas sociais, políticas, culturais, econômicas e religiosas exprimem essa ideologia. Recentemente tem se percebido que essa violência sobre o corpo feminino, e consequentemente contra a mulher no seu sentido mais amplo, não se restringe a mulheres de sexo biológico, mas sim a qualquer corpo que carregue traços de feminilidade a exemplo dos homossexuais e transexuais. Por isso a chamada “cultura do estupro” vem sido veementemente
combatida. Em 2011 surgiu no Canadá a “Marcha das Vadias” realizadas por estudantes canadenses que reagiam contra a onda de estupros no campus da universidade. A polícia a época afirmou que o estupro estava associado as roupas que as estudantes usavam, portanto elas foram as culpadas por terem sido violentadas, essa é uma cultura do dia a dia das mulheres, qual de nós já não se sentiu ameaçada ou vulnerável a uma violência sexual ao caminhar pela rua? O mundo é perigoso para as mulheres e tem algo de muito errado nisso.
Nesse ponto cabe alertar que o Brasil vem caminhando num sentido oposto, com esse tsunami conservados que vem varrendo a política brasileira. Projetos de lei tem sido propostos no intuito de retroceder as conquistas feministas como a Lei do Feminicídio e o direito ao aborto proveniente de estupro. Mas não estamos dispostas a recuar. Nossos corpos sabem sentir dor e prazer, e isso nos fortalece e encoraja a lutar. As flores são lindas, entretanto preferimos que sejam preservadas em seu espaço vital, a natureza, ao invés de rosas é necessário respeito, a começar pelo respeito que cada uma deve ter consigo mesma. Estejam atentas a toda e qualquer manifestação machista, o machismo mata. Não cantem música de novinhas, a pedofilia rouba a infância de muitas crianças e adolescentes no Brasil, não cultue somente seu corpo ignorando que tu mulher sente e pensa de uma forma única, não silencie diante de uma violência contra outra mulher, amanhã pode ser você, sua mãe ou sua filha, não acredite que uma mulheres pode ser melhor que outra, somos diversas e múltiplas, não julgue ou aponte outra mulher, cada uma tem sua história e seu tempo, posicione-se, fale, reaja. O mundo inteiro está a nossa espera.
Aline Setenta é professora da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc).

0 resposta

  1. O homem e a mulher são iguais em direitos e deveres de caráter universal,salvo algo em razão de formalidade social restrita aos gêneros,contudo,em pleno século XXI é inaceitável em alguma parte do mundo o gênero feminino sofra restrições da participação social,política,religiosa,militares,científica e outras de cunho que desbrava o universo.
    Tudo de bom a todas as mulheres do planeta,que tal a partir de hoje,amarmos assim como Jesus amou, ama e amará por toda eternidade!
    “A mulher é imprescindível no universo o quanto ao homem,ame um ao outro,assim como eu amo ambos” Senhor Jesus!

  2. Existe alguma proibição de mulheres se candidatarem? Não existe. Então se candidata quem quiser… Deveriam mesmo era protestar contra a decisão que deu liberdade aos estupradores de uma tal banda, isso sim é um desrespeito às mulheres.

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