Tempo de leitura: 3 minutos

Valéria Ettinger || lelamettinger@gmail.com
 

Precisamos quebrar esse inconsciente coletivo negativo e pessimista que nos paralisa e nos coloca em um lugar de inferioridade e fragilidade social.

 
Quando eu era criança, todos diziam que o Brasil era o país do futuro.
Durante uma fase da minha vida, não compreendia o que a frase significava, mas com o passar do tempo eu entendi que ela era uma metáfora para afirmar que o Brasil era o país da esperança, da felicidade, da alegria, das riquezas, do contentamento, da boa educação, da segurança, da saúde, do bem-estar.
O tempo foi passando, e esse futuro idealizado nunca chegava e ainda não chegou… Uma tristeza assola meu coração porque ao observar a realidade que me circunda só vejo dor, pessimismo, angústias, ódios, pobreza, miséria, invisibilidades, marginalidades, violência, insegurança, doenças, almas enfraquecidas e enlouquecidas, indiferenças e a pior de todas as mazelas: a segregação e o preconceito.
Às vezes fico pensando: será que estamos no mundo de Saramago, onde os que enxergam são cegos e os cegos se enxergam em suas dores infinitas? ou se vivemos em uma sociedade de zumbis, teleguiados por uma força invisível que escurece nossas mentes e nos leva a um lugar de desequilíbrio e separação?
O supérfluo se tornou essencial, e as pessoas vivem como se o outro fosse uma coisa descartável, que a qualquer momento pode ser jogado fora, conforme o humor de quem tem o poder de controlar tudo, através do medo, seja pelas palavras ou pelas armas.
As armas se tornaram o escudo de proteção, a ordem deve ser estabelecida pela força e pela insegurança de que amanhã você poderá não estar vivo para contar uma história.
Fico pensando que mundo é esse que tanto desejamos a paz, mas ao mesmo tempo nos regozijamos com a morte de alguém, apenas, porque ela pensa diferente, ama diferente, vive diferente, tem cor diferente ou se apresenta com qualquer condição que foge do hegemônico ou do padrão dominante ou simplesmente não é como eu, na minha vaidade insana, gostaria que fosse.
Acostumamo-nos com a desordem, com as ilegalidades, com os atos ilícitos com o jeitinho que nos transformou nessa sociedade autofágica que ao invés de se unir para avançar coletivamente se destrói, puramente, porque o próprio umbigo é a única coisa que importa.
É notório como nossa sociedade tem como fundamento o patrimônio que se estabelece por meio de relações desiguais e opressoras, combinadas com um ideal patriarcal que marginaliza as minorias e os movimentos sociais, impedindo que esses tenham seus direitos garantidos e obtenham um lugar que ao longo de nossa história pertenceu aos privilegiados e aos nascidos em berço esplêndido.
Eu poderia não escrever essas palavras que saem de um coração moído e dolorido, porque tive oportunidades que muitos não tiveram, mas não posso, na minha loucura egoísta, não ter uma atitude de alteridade e compaixão, porque o acesso à justiça social deve ser para todos, por entender que enquanto os meus pares não puderem chegar onde eu cheguei, simplesmente, porque a eles não é dada essa oportunidade. Eu devo tomar uma atitude para mudar essa realidade e não, simplesmente, fugir dela ou lavar as minhas mãos. Toda vez que fecho os olhos à injustiça eu me torno conivente com seus resultados.
Mais uma vez meu otimismo foi colocado à prova, mas ao mesmo tempo essa dor me impulsiona a continuar na luta, a não fechar os olhos, a sair da minha zona de conforto, a não ter um discurso de culpabilidade do estado e, simplesmente, permitir que esse Estado continue sendo conduzido pelos opressores, a criminalizar aqueles que estão lutando para que todos possam ter acesso aos bens da vida necessários à felicidade e ao bem-estar.
Hoje, mais do que nunca, tenho a certeza de que o pouco que faço é necessário para garantir às gerações futuras viver em um mundo melhor e acredito que se nos unirmos podemos construir um novo Brasil. Precisamos quebrar esse inconsciente coletivo negativo e pessimista que nos paralisa e nos coloca em um lugar de inferioridade e fragilidade social.
E, assim, eu termino com Aldir Blanc e João Bosco:
[…] Pra noite do Brasil. Meu Brasil. Que sonha com a volta do irmão do Henfil. Com tanta gente que partiu. Num rabo de foguete. Chora. A nossa Pátria mãe gentil. Choram Marias e Clarisses. No solo do Brasil. Mas sei que uma dor assim pungente. Não há de ser inutilmente. A esperança. Dança na corda bamba de sombrinha. E em cada passo dessa linha. Pode se machucar. Azar! A esperança equilibrista. Sabe que o show de todo artista. Tem que continuar…
Valéria Ettinger é gestora social e servidora pública.

Deixe aqui seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *