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Felipe de Paula | felipedepaula81@gmail.com
 

No país que mais mata pessoas trans no mundo – 40% do total das mortes, a ação da UFSB, que reserva uma vaga supranumerária na Área Básica de Ingresso, ainda é muito pequena. Que as vagas se expandam para outros cursos, outras universidades e a instituição universitária possa ser equivalente à população que a sustenta e abriga: com gente de todas as raças, gêneros, identidades, credos, culturas, origens.

 
Coloquei meus pés numa universidade pela primeira vez há pouco mais de 18 anos e nunca mais saí. Entrei na UESC em fevereiro de 2000 para fazer minha matrícula como estudante de graduação. Depois disso fui servidor técnico e estudante de mestrado na mesma instituição e, posteriormente, professor da Universidade Federal de Alagoas por quatro anos antes da minha redistribuição para a UFSB. Ao longo desses anos tenho notado uma mudança de composição das comunidades acadêmicas.
Do tempo em que frequentei minha graduação, lembro-me de uma universidade predominantemente branca e de classe média. Conto nos dedos de uma mão os colegas originários de escolas públicas. Negros também eram poucos – em alguns cursos, praticamente inexistentes. Isso me incomodava muito.
Ao longo dos anos, percebi a mudança com o desenvolvimento de uma política de ações afirmativas. Vi uma universidade para poucos se transformar em uma instituição um pouco mais plural, mais completa. Vi estudantes terem suas vidas mudadas pela simples oportunidade de frequentar uma universidade.
Minha instituição de trabalho, a UFSB, notabilizou-se nacionalmente nas últimas semanas em razão da implementação de vagas reservadas a pessoas trans. A universidade sul baiana é a primeira do país a garantir essa reserva na graduação.
Entre os dias 22 e 26 de março, a UFSB oferece vagas de acesso à Área Básica de Ingresso de suas graduações, através de seus Colégios Universitários. Em cada um desses Colégios estão garantidas vagas supranumerárias para indígenas, quilombolas e pessoas trans que tenham cursado ensino médio em escolas públicas.
Lendo alguns comentários nas redes sociais, encontrei muita revolta com a decisão e constatei o evidente: a extrema necessidade desta ação.
Vale ressaltar: a questão não é declarar inabilidade desse grupo e sim de compreender as cruéis condições sociais historicamente constituídas que afastam essas pessoas da oportunidade de estudar e mudar a sua realidade. Não é apenas abrir uma “cota” para pessoas trans e sim de garantir uma política de ação afirmativa que reverta um pequeno aspecto do ambiente negativo a que este grupo é submetido cotidianamente na sociedade, impossibilitando acesso à educação e, consequentemente, emprego.
Estudos apontam que 73% dos estudantes que não se declaram heterossexuais já foram agredidos verbalmente em ambientes educacionais, 25% já foram agredidos fisicamente e 55% afirmam já ter ouvido comentários depreciativos especificamente sobre pessoas trans.
No país que mais mata pessoas trans no mundo – 40% do total das mortes, a ação da UFSB, que reserva uma vaga supranumerária na Área Básica de Ingresso, ainda é muito pequena. Que as vagas se expandam para outros cursos, outras universidades e a instituição universitária possa ser equivalente à população que a sustenta e abriga: com gente de todas as raças, gêneros, identidades, credos, culturas, origens.
Que possamos transformar a realidade através da educação.
Felipe de Paula é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)

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