Tempo de leitura: 9 minutos

Efson Lima

Aproveito para reproduzir trecho, pois, o escritor é um dos maiores cronistas e sintetiza muito bem o espírito do espaço em tela: “Senhoras e senhores, só os vivos sonham, só os vivos reagem. Portanto, nem estão mortos os acadêmicos, nem a vida morreu na Academia de Letras de Ilhéus. Nem morrerá, enquanto houver sonhos e pessoas para sonhá-los

Certo dia, falei a uma pessoa que estava pesquisando sobre a Academia de Letras de Ilhéus (ALI). A interlocutora indagou: Por qual razão pesquisar sobre a Academia de Letras de Ilhéus? Agora, aproveito o momento para responder e abordar quanto essa instituição tem colaborado com a Bahia e a literatura nacional.

A Academia de Letras de Ilhéus alcança os 60 anos, precisamente em 14 de março de 2019. O professor Arléo Barbosa, historiador e membro da ALI, registra em Notícia Histórica de Ilhéus (2013) que a data para fundar a Academia foi escolhida em homenagem ao aniversário de Castro Alves, mas o patrono é Rui Barbosa, constituída a partir do arquétipo francês de 40 cadeiras, cujo modelo é observado em outras academias, inclusive na Academia Brasileira de Letras. As reuniões aconteciam aos sábados na casa de Nelson Schaun que, com Plínio de Almeida, Wilde Oliveira Lima e Nilo Pinto, traçou os desígnios da instituição. A instalação da Academia só aconteceria em 29 de junho de 1959, conforme apontou Francolino Neto em Reflexões Acadêmicas (1990) no capítulo “Jubileu de Pérola da Academia”, cuja data foi comemorada a 28 de dezembro de 1989 com a presença de Abel Pereira.

Transcorridos sessenta anos, podemos dizer que temos uma instituição regional? Recorro ao conceito de instituição apresentado por um dos membros da ALI e um dos nomes mais consagrados do Direito no Brasil, Edvaldo Brito, que considera “instituição” a repetição de fatos, acontecimentos que corroboram para a institucionalidade. Portanto, a ALI tem repetido seus atos durante todo esse percurso. Mesmo sem sede própria na maior parte do tempo – ora realizando reuniões na casa de um membro ora se encontrando na Associação Comercial de Ilhéus. Só em 2004 a ALI teve sua sede própria, graças à persistência de Ariston Cardoso, que solicitou ao então prefeito Jabes Ribeiro, que doou o imóvel. Atualmente o ex-prefeito é membro da ALI em virtude da promoção da cultura, recuperação e inauguração da Casa de Jorge Amado e reforma do Teatro de Ilhéus e da Maramata.

Sem exagero, temos um diamante. As bodas de diamante estão no salão. É como se estivéssemos diante de um casal que alcança os 60 anos de casamento. Significa que enfrentou muitos desafios, vivenciou fatos e acontecimentos, mas se mantiveram firmes no propósito do amor e não se desintegrou no momento da dor. Que bom! Pois, tudo parece ser fuga, as relações surgem e desaparecem instantaneamente. O arcadismo virou fichinha. Tudo parece ser tudo mais rápido. Mesmo assim, há casais que insistem em conviver, assim como a ALI que se manteve firme em seus objetivos.

As academias de Letras mundo afora são ecléticas, heterogêneas. São compostas de escritores, profissionais liberais, artistas. No Brasil, como o bacharelismo insiste em dar tônica, verifica-se massiçamente a presença de juristas, médicos e jornalistas nesses sodalícios. O importante é que elas são espaços que cultuam as letras, as artes, a cultura. Não por acaso são também adjetivadas como academia de letras, arte e cultura.

É obvio que as academias, por vezes, tornam-se espaços elitistas, entretanto, não podemos acusar de espaços ingratos com a identidade nacional, regional e/ou local. As academias colaboram para a perpetuidade da memória de um povo. É espaço de discussão, diálogo, é lugar de se retroalimentar. E em tempos difíceis são esses recintos que nos conduzem para momentos de sol. Aliviam nossas almas e nos levam à lua quando a Terra parece estar insuportável.

O jornalista Antonio Lopes, quando da sua posse de membro efetivo na ALI, comemorou os 42 anos da Academia e rogou por mais 42 anos, cujo discurso foi publicado no livro Estória de Facão e Chuva (2005). Aproveito para reproduzir trecho, pois, o escritor é um dos maiores cronistas e sintetiza muito bem o espírito do espaço em tela: “Senhoras e senhores, só os vivos sonham, só os vivos reagem. Portanto, nem estão mortos os acadêmicos, nem a vida morreu na Academia de Letras de Ilhéus. Nem morrerá, enquanto houver sonhos e pessoas para sonhá-los, pensamentos e pessoas que pensam, esperança e pessoas que esperam, sempre, sempre e sempre, infatigavelmente… Foi assim nesses primeiros 42 anos e assim será nos próximos 42 anos, por vontade de Deus e por esforço dos homens.” Eu agora, humildemente, peço licença para desejar mais 60 anos. Precisamos acreditar nas instituições e nas pessoas. As instituições e a diversidade institucional enriquecem o mundo. Possibilita uma dialética saudável e colabora para um debate público e sincero.

A Academia tem o termo “Ilhéus” em seu nome, poderia até ter outra nomenclatura, mas preferiram os fundadores fixar no substantivo próprio da Princesa do Sul, mesmo tendo confrades de outras cidades. A ALI não é só uma instituição. Ela reúne várias instituições. É embrião intelectual da região sulbaiana, sem desmerecer o Grêmio Olavo Bilac. Pode causar estranheza quando algumas pessoas não oriundas do sul da Bahia fazem parte do sodalício, certamente, os membros sabem por qual razão justa estes fazem parte e podem ser chamados de confrades.

Estão cônscios também porque as pessoas que não nasceram no chão grapiúna foram convidadas nas primeiras horas para participarem do nascedouro da ALI. É o caso de José Cândido de Carvalho Filho, o único fundador vivo da Academia. Por sinal, possui uma trajetória de imensa envergadura profissional e intelectual, razão pela qual prédios públicos recebem seu nome. Foram as situações também de Jorge Medauar (em 1959 foi vencedor do Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro na categoria “Contos/crônicas/novelas”) foi natural de Uruçuca, bem como Soane Nazaré, membro da ALI, que merece um livro título de livro que aborda sobre Nelson Schaun, um dos fundadores da ALI, organizado por Maria Schaun.

O professor Soane Nazaré está para a nossa formação educacional universitária assim como Edgar Santos está para Bahia com a UFBA e Edivaldo Boaventura com a UNEB e a interiorização do ensino superior no estado. Talvez, a mais firme e consistente contribuição da lavoura do cacau esteja reunida no “projeto de modernidade UESC”. Graças ao visionário Soane Nazaré, que também é membro da ALI.

Aliás, Jorge Amado, membro fundador da ALI, um ano antes da fundação da Academia, em Gabriela, Cravo e Canela, sinaliza parte da formação humana da nação grapiúna, evidenciando a presença de pessoas oriundas de outros lugares. A personagem principal da obra é retirante. Nascib sintetiza o estrangeiro. Jorge Amado, o filho de Ilhéus mais ilustre na literatura, dispensa comentários. Temos muito a pesquisar sobre ele, a sua obra e a repercussão desta para o mundo da Língua Portuguesa. Ilhéus deve muito a memória deste escritor. Em visita à Casa de Jorge Amado percebi o quanto pode ser juntado de material para tornar o ambiente ainda mais rico. A Semana de Jorge Amado precisa ser consolidada. Ilhéus é uma Cidade Literária. Precisa descobrir esse potencial. As ruas exalam literatura na Princesinha do Sul, como o fervo ferve em Olinda e a música toca em Salvador.

E ainda falando de gente grande, por qual razão não falar do professor e geógrafo Milton Santos, ganhador do Prêmio Vautrin Lud – o Oscar, o Nobel – da Geografia em 1994. Um incansável pesquisador e crítico do sistema capitalista e da globalização. Foi membro da ALI e professor do IME.

É necessário transcorrer sobre Adonias Filho, que foi residente da ALI no ano do Centenário de emancipação de Ilhéus. Este escritor conseguiu em uma palavra sintetizar o que a nação grapiúna também produzia além do cacau: escritores. Sem dúvida alguma, escritores e dos bons. Registra-se a passagem de Zélia Gattai pela Academia de Letras de Ilhéus, que também foi membro da Academia Brasileira de Letras.

Discorrer sobre a ALI é encontrar Telmo Padilha, um poeta reconhecido no exterior. Lembro-me dos especiais do jornal Agora, informando sobre a presença do poema de Telmo Padilha na ONU. E Hélio Pólvora? Tive o prazer de em vida, quando da fundação do Grêmio do Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães em Ilhéus, participar da concertação que o homenageia com o nome da agremiação. Nosso eterno contista e cronista. É não descansar sem abordar, mesmo de que forma singela, Sosígenes Costa. Nosso escritor premiado em 1960, na segunda edição do Prêmio Jabuti de Literatura, categoria Poesia, com o livro Obra Poética. É Sosígenes Costa que nomeia o campus da UFSB localizado em Porto Seguro.

A morte é termo certo, na linguagem do direito, mas causa-nos surpresa toda vez que alguém parte. Em 08 de março do corrente ano, fomos surpreendidos com a notícia da morte de João Hygino via o Blog Pimenta. Ele foi membro da ALI e persistente acadêmico do sodalício, deixando ociosa a cadeira n.01. Foi autor de Deus e os Deuses (2008) e exaltou Porto Seguro, sua cidade natal, em 1966. O mais significativo é que o corpo físico da pessoa pode desaparecer, mas não submergem as ações, o pensamento e a produção intelectual. O cultivo da imortalidade intelectual é parte contributiva desses silogeus.

Peço licença a Ramayana Vargens, imortal da ALI, para dizer que tudo que sei de Gabriela, Cravo e Canela tem sua colaboração. Muito úteis foram as suas aulas, verdadeiros shows, as vésperas do vestibular da UESC. Ir à prova sem passar por suas orientações, certamente, era um castigo. Lembro da orientação sobre nepotismo constante na Carta de Pero Vaz de Caminha, até hoje uso seu exemplo nas minhas aulas de Gestão Pública para falar da gestão patrimonialista. Por sinal, particularmente, tenho adotado a literatura como meio didático nas minhas aulas. Os vestibulandos corriam em direção ao Instituto Nossa Senhora da Piedade, este que sempre buscou preservar parte da memória local e responsável por dotar parte de nossa intelectualidade formação secundarista, que tem na figura de Anarleide Menezes a condução do Museu da Piedade, lugar que muito desperta curiosidade. Ela vai cultuando, guardando nossa memória.

Elas estão chegando, Francolino Neto prenunciava, um dos mantenedores da ALI e com grande participação na vida da Academia. Foi Janete Mendonça Badaró, a primeira mulher, a ingressar na Academia de Letras de Ilhéus, demarcando um novo momento no panorama literário sul baiano. Foi a nossa Rachel de Queiroz em terras grapiúnas. Dois livros de sua autoria ilustram a sua caminhada até a Academia. Sem falar na Ilhéus Revista, que fundou e orientou a condução dos trabalhos só consolidando sua atuação literária. Jane Hilda Badaró, sua filha, tem brilho e luz própria. É artista plástica de mão cheia de tinta e pincel equilibrado, professora universitária e escritora qualidades que possibilitaram a sua chegada na ALI, certamente, colaborando para o empoderamento feminino e enriquecendo o ambiente acadêmico literário.

Aproveito para registrar o trabalho de Maria Luiza Nora, Baísa, como é carinhosamente chamada, que durante bom tempo na Editus, colaborou permanentemente para a difusão intelectual regional, especialmente, desde 2006 quando foi criada a referida editora universitária. As inúmeras obras publicadas de escritores da região denunciam o comprometimento dessa intelectual com a cultura. É a autora de a Ética da Paixão (2010), que na apresentação do livro Margarida Fahel indica que a poesia da escriba revela o poder essencial da forma e da palavra, não bastando, avança considerando que a escritora “consegue momentos de pura expressão, em que a palavra se faz forma e gesto inscritos no ar.” Após lida a obra, posso dizer que a tese da apresentadora não nos deixa dúvida.

A Editus segue, agora, com Rita Virginia Argollo, cujo projeto “No Caminho tem um livro” é uma “sacada” de mestre. É uma iniciativa extensionista e emancipadora, por sinal, já fui usuário dos livros nas minhas idas ao sul da Bahia ao fazer uso do transporte intermunicipal. Um Brasil melhor passa pelo acesso aos livros, transformando o suporte da informação em conhecimento. Precisamos de uma massa crítica e idéias assim colaboram para essa construção.

Falar de Vercil Rodrigues é com carinho, pois, por diversas vezes publiquei no Jornal Direitos, inclusive, meu primeiro artigo publicado sob a editoria dele foi decorrente de uma publicação no Agora, que ele leu e pediu para republicar.

Antes de finalizar, mesmo não sendo possível trazer todos os membros, não podemos deixar de mencionar Leônidas Azevedo, imortal. Temos ainda a presença ilustre e de mais expressiva na formação atual do mundo jurídico, o professor Josevandro Nascimento. A batuta do professor Sebastião Maciel, muito bom ter sido seu aluno de Redação, as noites de segundas-feiras tinham debate político no cursinho. Era tempo de Mensalão. A professora Neide Silveira gerenciando uma das escolas mais tradicionais do sul da Bahia, inovando com palestras shows. A presença de Ruy Póvoas é marcante, professor universitário, estudioso das letras e pai de santo. Ele vai abrindo nossos caminhos. A ALI contata também com a presença da professora Eliane Sabóia, que estudou sobre a literatura do cacau entre 1950/75. Cyro de Mattos e Aleilton Fonseca, membros da ALI e da Academia Baiana de Letras, estes vivem e convivem com a literatura. São grandes escritores de nosso tempo. Vão nos recolocando na cena nacional.

Quase finalizando, temos a poeta Lú Oliveira, a mais tenra imortal da ALI. Soma-se aos jovens escritores que a região tem frutiferado: Geraldo Lavigne, Fabrício Falcão, Gustavo Cunha… A vida não para, a literatura grapiúna vai na mesma direção. Axé!

No direito, podemos afirmar que a ALI é uma associação privada, tomando o Código Civil como referência, mas se formos em direção ao debate fornecido por Bresser Pereira quando da reforma administrativa da administração pública no Brasil, na década de noventa do século passado, estaríamos diante do clássico espaço público. Trata-se de uma prestação de serviço de interesse público.

A Casa de Abel continua viva! Aos membros restam perpetuar a memória dos abnegados fundadores e a colaboração para uma Academia cada vez mais viva e pertencente ao povo regional. Que a ALI continue a “Servir à Pátria Cultuando as letras. Tristeza é de um povo que não preserva sua memória. Pior ainda quando vamos apagando os vestígios, estes ruins ou bons devem ser conservados para que as gerações passadas reflitam, as atuais repensem suas ações e as futuras não flertem com o retrocesso.

Efson Lima é advogado, coordenador-geral da Pós-graduação, Pesquisa e Extensão da Faculdade 2 de Julho, coordena o Laboratório de Empreendedorismo, Criatividade e Inovação. Organizador do Projeto Conviver – atividade responsável pela produção de livros/UFBA, além de ser doutorando, mestre e bacharel em Direito pela UFBA.

Deixe aqui seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *