Ponte do Tororó no Rio Cachoeira, em Itabuna || Foto Arquivo Walmir Rosário
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Gostaria de, em cima das pontes atuais e das que serão construídas, poder apreciar o Cachoeira revitalizado na Itabuna altaneira que sempre acostumamos a ver. Espero um dia possa ter essa oportunidade, assim como todos os itabunenses – daqui e de fora – que aprenderam a amar essa terra.

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

Confesso que sou um pouco saudosista, mas quem há de resistir àquelas boas lembranças dos tempos de criança e adolescente? Poucos insensíveis, diria eu, recordando a belezas e a funcionalidade do rio Cachoeira dos anos 1950/60. A beleza plástica está quase toda registrada nas telas dos nossos artistas, com suas pedras à mostra, às vezes nem tanto, pois também serviam de “quarador” para as centenas de lavadeiras de ganho, ou de casa, que utilizavam as abundantes águas.

Labutavam, ainda, nas águas do velho Cachoeira pescadores – alguns especializados – de pitus, calambaus e camarões; peixes das mais variadas espécies, em sua maioria nobre, a exemplo de robalos, jundiás, tucunarés; os areeiros, que retiravam a areia para as construções com suas canoas e transportadas nos jegues; tipo de transporte também utilizados para levar água (de gasto e de beber) às residências que não dispunham de água encanada, artigo (melhor, serviço) raro à época.

Com poucos esgotos in natura (tratamento também não existia) despejando no nosso rio, era o local da higiene corporal de muitos moradores, alguns que se exibiam com saltos e braçadas durante a natação num simples banho. As águas límpidas – embora salobra – era um convite, inclusive durante a noite quando alguns se aventuravam a mergulhar e nadar sorrateiramente para furtar os peixes capturados nas grozeiras e outras armadilhas colocadas em frentes às residências.

Os donos sabiam quem eram os larápios, mas nada de chegar às vias de fato, bastava uma simples censura, como geralmente assim fazia Pepê, hoje o advogado Pedro Carlos Nunes de Almeida, que tinha suas armadilhas ali na rua da Jaqueira, hoje avenida Fernando Cordier. Nos tempos atuais, mesmo com os parcos recursos, poucos se aventurariam a entrar nas águas superpoluídas do nosso velho rio, ainda mais com peixes suscetíveis a todos os tipos de doenças.

Sem medo de errar ou ser interpretado como politicamente incorreto, até as inundações do rio Cachoeira eram de encher os olhos e correr o mundo com as notícias da invasão das águas na pujante Itabuna. E olhe que naquela época não existia internet ou redes sociais, ganhava o mundo através dos jornais, telégrafo e dos microfones das rádios Clube, Difusora e Jornal, já que os serviços de alto-falante Tabu (bairro Conceição) e a Voz da Cidade não tinham longo alcance.

Passada a refrega, o comércio contabilizava seu prejuízo, refazia seus planos e tudo voltava à normalidade. A economia cacaueira dava o seu ar da graça e todos voltavam a ser o grapiúna de sempre, rico mesmo sem ter dinheiro no bolso, mas com muito crédito na praça. Nenhuma cidade do porte de Itabuna possuía o número de agências bancárias numa mesma avenida, a Cinquentenário, e todas funcionando, emprestando dinheiro e recebendo aplicações da venda do cacau.

Voltando ao comércio, a Cinquentenário e adjacentes se impunham com a galhardia de seus luminosos, confeccionados em gás neon, apagando e acendendo em intervalos diferentes, como só se viam nas grandes metrópoles pelo mundo afora. E os visitantes ficavam de “queixo caído” com nossa beleza feérica, tanto assim que muitos anos depois um conhecido biólogo da capital fluminense (à época Niterói), José Zambrotti, enchia os pulmões para nominar Itabuna como a Broadway brasileira.

Nem parecia que meses atrás tinha sofrido a grande catástrofe e, assim como no comércio, indústria e serviços maiores, a vida do rio voltava ao normal, com todos utilizando o que as águas produziam e permitam que fosse retirado para o bem do homem. Até as pontes voltavam ao normal. Me refiro às pontes do Tororó (conhecida como dos Velhacos), estreita, baixa e somente para pedestres, e a do Marabá, cujo nome, Miguel Calmon, ainda é desconhecido da maioria da população, que eram interditadas.

Hoje maltratado, o rio Cachoeira ainda tenta sobreviver, mesmo contra a falta de vontade dos nossos governantes, que pela importância dos rios, já poderia merecer tratamento diferenciado, com um projeto de despoluição desde sua nascente até o chamado “mar de Ilhéus”, onde deságua. Atualmente nenhum artista plástico dedicaria parte do seu tempo para retratar seu leito tomado pelas baronesas, criadouro do mosquito da dengue, ou as águas fétidas e de cor encardida pelo caldo derramado pelos esgotos.

Mesmo assim, ainda tenho a esperança de vê-lo, se não como o de antigamente, mas um rio importante na nossa vida e na socioeconomia do itabunense, do grapiúna. Gostaria de, em cima das pontes atuais e das que serão construídas, poder apreciar o Cachoeira revitalizado na Itabuna altaneira que sempre acostumamos a ver. Espero um dia possa ter essa oportunidade, assim como todos os itabunenses – daqui e de fora – que aprenderam a amar essa terra.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

2 respostas

  1. Belo texto!!Uma pena, moro fora há 14 anos e vejo anos e anos se passarem e nosso rio continuar da mesma maneira, poluído. Torço pela melhoria de nossa cidade mas infelizmente aqueles que a governam e governaram não estão à altura dela.

  2. Escrevi esse texto há 10 anos. Vi o relato do Sr Valmir e me lembrei dele…nada mudou
    Elucubrações sobre a querida Itabuna I
    Queria escrever um texto sobre minha querida cidade. Não me questionem o fato de eu considerá-la querida para mim, pois essas coisas não se explicam. Nasci em Itabuna, cresci por essas bandas, e mesmo agora que estou morando numa cidade próxima a ela, não me desfaço de minha comiseração por ela. Sei lá, deve ser esse sentimento de pertença que todo ser humano deve ter cuja identidade está ligada ao chão da terra onde nasceu e quer morrer.

    Pretendia escrever esse texto e por um título aludindo ao romance do Garcia Marques, os Cien Años de Soledad, só que alguém em algum desses blog-sites de repercussão da região já pegou a idéia no ar. Também não fazia tanta questão, já que faz tempo que li o romance e não me lembro muito do enredo. Tenho algumas lembranças vagas, como a de uma certa personagem da história que foi morta por um tiro no qual o cheiro da pólvora ficou pairando na atmosfera por um bom tempo em Macondo. Nem a distância do túmulo pra cidade conseguia evitar a dispersão do forte cheiro de pólvora. Até o leitor do romance parece sentir o cheiro do pó explosivo. E, falando em fragrâncias fortes, e me reportando a Itabuna, é impossível estabelecer o paralelo com o Rio Cachoeira. Penso ser o maior patrimônio ambiental da cidade, e, no entanto, foi transformado em depositário de excremento humano. Não sou do tempo do Rio que o escritor Cyro de Mattos narrou em seus primeiros poemas dedicados a um rio de outrora, e sim da época dos últimos poemas listados no livro Vinte poemas do Rio. Porém, é compreensível o impacto espiritual que o escritor levou ao ter encontrado um rio totalmente diferente do que ele tinha em sua memória, e traduzir isto em literatura.

    Sou da época do Rio Morto, em que as baronesas florescem em seu leito, e ficam presas na ponte do Marabá quando arrancadas por qualquer torrencial, e a prefeitura tem de intervir para retirá-las da base da ponte. O mal cheiro é tão forte e persistente que já se agregou à vida diária do transeunte que passa no entorno por onde o rio corta a Cidade. Poderia se tornar patrimônio imaterial o maldito aroma, para motivo de vergonha da população itabunense, que não percebem no rio uma vida a clamar por socorro. Não vêem nenhuma utilidade para esse afluente que a certo tempo atrás era fonte de renda para muitas populações ribeirinhas, base econômica para muita gente de renda pobre. Mas, quem irá valorizar a história regional, quando se tem de abrir o comércio e fazer circular o capital, existe coisas mais importantes a se fazer do que olhar para um rio desprezível, que desvaloriza a imagem da cidade com esse cheiro putrefato. Aí eu me recordo de um pensamento quando criança, ao contemplar o persistente percurso do Rio em direção ao leste, quando percebi que aquele rio não estava morto, estava apenas a guardar suas mágoas, ao acolher sem questionar a quem as imundícies de seu povo. E então o rio transbordaria de cólera, invadindo a consciência daquela população respondendo na mesma medida o sofrimento a que o impuseram: em forma de tragédia. Riria quando as pessoas começassem a especular que eram os avisos dos fins dos tempos, porque essa tragédia seria uma tragédia premeditada, previsível, e o povo, com seus costumes de culpar as entidades sobrenaturais pelo ocorrido, estariam repetindo a velha fórmula para se eximir da culpa.

    Drasticamente,
    André Andrade

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