Pesquisa mostra distúrbios em pacientes infectados
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Um estudo inédito realizado pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (InCor) envolvendo pessoas que foram infectadas pelo novo coronavírus revela relatos assustadores. “Lembro-me de fazer o pedido da comida e de pagar por ele. Mas não me lembro de ter comido”, conta um dos entrevistados para a pesquisa.

Há relatos ainda como: “dormi em pé tomando banho”. “Meu marido sofreu traumatismo craniano enquanto andava de bicicleta e dormiu”. “Tive que vender minha moto, pois desaprendi a andar, não consigo mais ter coordenação e nem equilíbrio para ficar em cima dela!”.

Mas engana-se quem pensa que as sequelas são somente em pessoas que sofreram a doença no estágio mais grave. Pacientes que tiveram coriza ou outros sintomas mais leves e até mesmo os assintomáticos também foram diagnosticados com disfunção cognitiva em algum grau.

“Isso deixa clara a importância de se incluir na avaliação clínica dos pacientes pós-Covid-19 de qualquer gravidade sintomas de problemas cognitivos como sonolência diurna excessiva, fadiga, torpor e lapsos de memória”, explica neuropsicóloga Lívia Stocco Sanches Valentin, que coordenou o estudo: “O uso do jogo digital MentalPlus®️ para avaliação e reabilitação da função cognitiva após remissão dos sintomas da COVID-19”.

Os problemas cognitivos nas pessoas que tiveram Covid-19 são tão importantes que a Organização Mundial da Saúde (OMS) aguarda os resultados finais do estudo para adotar a metodologia desenvolvida na pesquisa do InCor como padrão-ouro em âmbito mundial no diagnóstico e na reabilitação da disfunção cognitiva pós-Covid. Veja outros detalhes em leia mais.

JOGO DIGITAL

A pesquisadora usou o jogo digital MentalPlus®, criado por ela em 2010, para avaliar pessoas que tiveram Covid-19 em variáveis estágios, idades e classes econômicas. “Este jogo nasceu para detectar possíveis disfunções neurológicas em pacientes que eram prejudicados após o uso de anestesia geral profunda. Esse mecanismo não só avalia como ajuda na reabilitação”, explica.

A pesquisadora afirma que o resultado foi impactante, independentemente do grau da doença, da faixa etária ou do nível de escolaridade, os pacientes que tiveram sintomas podem sofrer de disfunção cognitiva”.

A primeira fase do estudo foi feita com 185 pessoas, entre março e setembro de 2020. Atualmente já são 430 pacientes em acompanhamento na pesquisa. Os resultados indicam que em 80% dos participantes da pesquisa o coronavírus ocasiona dificuldade de concentração ou atenção, perda de memória ou dificuldade para lembrar-se das coisas, problemas com a compreensão ou entendimento, dificuldades com o julgamento e raciocínio, habilidades prejudicadas, problemas na execução de várias tarefas, mudanças comportamentais e emocionais, além de confusão.

Outra consequência detectada no estudo é a diminuição da capacidade visuoperceptiva. “Muitas pessoas perderam a coordenação motora e caem muito”, diz a neuropsicóloga Lívia Stocco. Ela explica que, segundo exames de ressonância magnética funcional, isso acontece porque a função executiva é afetada em pessoas que já contraíram o Sars-Cov-2.

“Em uma pessoa saudável, essa função faz com que ela planeje o dia e busque estratégias para atenuar problemas, por exemplo. Se a pessoa perde essa função ou se ela ficar comprometida, isso pode interferir no trabalho e nas relações sociais, e, com isso, levar à depressão, ansiedade, angústia e agressividade”.

EXPLICAÇÃO PARA AS SEQUELAS

A médica do InCor detalha que as sequelas cognitivas acontecem porque o vírus entra pelas vias aéreas, compromete o pulmão e, com isso, baixa o nível de oxigênio. “A dessaturação de oxigênio vai para o cérebro, acomete o sistema nervoso central e afeta as funções cognitivas”.

Segundo a especialista, o quadro é passível de reversão, por meio de exercícios cognitivos específicos como os do aplicativo MentalPlus® utilizado no estudo. Essa atividade funciona como uma “musculação mental”, explica a pesquisadora.

Ao forçar a atividade do cérebro, o órgão é estimulado a um maior consumo de oxigênio, melhorando paulatinamente seu desempenho. “Quanto mais cedo tiver início a terapia cognitiva, mais rápida será a recuperação e, consequentemente, menores os prejuízos mental, emocional, físico e social para essas pessoas”.

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