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Osias Ernesto Lopes

“O sistema eleitoral pátrio tem estimulado anomalias como o clientelismo, o patrimonialismo e a corrupção”*

Todos nós sabemos que a estrutura de uma sociedade encontra arrimo em determinados valores “que devem ser preservados a qualquer custo: a dignidade da pessoa humana, a justiça, a segurança, a liberdade, a igualdade, o bem-estar social etc., valores que expressam o interesse e o sentimento públicos; a moralidade no exercício do poder, cuja realização é o fundamento da legitimidade do poder político” *.
Já foi dito alhures que “as pessoas trazem em si traços positivos e traços negativos, próprios da condição humana. O processo civilizatório, as instituições políticas e as normas jurídicas não têm outro objetivo senão o de extrair das pessoas o que elas têm de melhor e neutralizar, ou minimizar, o que elas têm de negativo” *.
Pois bem, outro não pode ser o papel de um sistema eleitoral. Mas em nosso país a coisa está inversa. “O sistema eleitoral pátrio tem estimulado anomalias como o clientelismo, o patrimonialismo e a corrupção” *, dentre outros males:
1. “O clientelismo, originado dessa relação excessivamente personalizada que se estabelece entre o eleitor e o candidato. É a negação da intermediação partidária, ocasionando que, em vez do debate e do projeto de saneamento, vem a bica de água; em vez do projeto habitacional, o fornecimento de tijolos; na falta do posto de saúde, a ambulância, descambando para num modelo de imediatismo e paliativo de enfrentar as dificuldades do dia-a-dia, alimentando o indesejável populismo – aí entendido como manipulação dos interesses das camadas menos favorecidas- e, consequentemente, a dependência do eleitor” *.
2. “O patrimonialismo, que se traduz no exercício do cargo público para fins privados, para realizar objetivos próprios, ou de um grupo, de ascensão social ou financeira, inclusive na interação quase sempre promíscua com os interesses econômicos de grupos privados” *.
3. “A corrupção, que se alimenta e se robustece nesse mesmo ambiente de convívio inadequado entre o público e o privado, onde se busca indicação de quadros para cargos na administração pública para obtenção de proveitos particulares e ou recursos para campanhas eleitorais, frequentemente ao custo de procedimentos administrativos viciados, como licitações fraudulentas ou desvios de verbas” *.

“A crise política que ocorreu recentemente teve a virtude de trazer à tona procedimentos que historicamente habitavam o subterrâneo das instituições nacionais”*

Engana-se quem imagina que “os problemas que afetam a política brasileira se limitam a espertezas pontuais. Pelo contrário, decorrem de razões estruturais que se situam em diferentes patamares. A crise política que ocorreu recentemente teve a virtude de trazer à tona procedimentos que historicamente habitavam o subterrâneo das instituições nacionais” *.
De tudo isso se extrai mais uma vez a lição de que o sistema eleitoral proporcional que tem vigorado no Brasil, que é o de lista aberta, é comprovada e extremamente ruim. Aliás, o único país no mundo democrático que adota tal modelo, além do Brasil, é a Finlândia, nos fazendo crer que, decerto, não é mesmo um sistema dos mais saudáveis.
Para melhor entender a questão, é bom que se saiba que há a opção pelo sistema eleitoral de lista fechada, o qual traz mais benefícios, fazendo com que, dentre outras coisas:
a) “ao invés de vários candidatos fazendo campanhas individuais, a campanha será voltada para o partido, proporcionando uma campanha mais barata” *;
b) “em lugar de os diversos candidatos do partido sobreporem seus esforços, e até mesmo competirem entre si, será feita uma concentração de esforços. Além disso, o modelo também tende a facilitar a fiscalização, já que a gestão de recursos é centralizada no partido” *;
c) “em vez de inúmeras contas de campanha (uma para cada candidato), o partido terá uma conta única. E o que é mais importante, a simplificação do processo eleitoral, propiciada pela lista fechada, tende a levar à redução da corrupção e da influência do poder econômico sobre a política, embora não seja, evidentemente, capaz de extingui-la” *.
Pelo visto, registre-se, a dimensão da questão aqui tratada não é pequena. Ao contrário, é enorme e de vastíssimo espectro.
E agora vem o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e trabalha um projeto de lei que, aprovado, passou a ser conhecido como “A Lei da Ficha Limpa”. Veja se não parece mais uma daquelas ações que mais combatem a causa que o efeito?
De logo, é oportuno ressaltar: ninguém aqui é contra a “Lei Ficha Limpa”, pois tudo o que for feito em combate à corrupção é bom para toda a sociedade. Apenas há de se entender que para o tamanho do problema ela é inconsistente, frágil, perfunctória, e os males que ela quer combater continuarão.

“As candidaturas independentes e as oriundas das bases populares não têm maiores condições de competir em campanhas cada vez mais insuportavelmente caras” *

A “Ficha Limpa”, pela dimensão e importância política e social que a iniciativa popular lhe encerra, deveria, precisaria vir acompanhada de outra providência mais robusta contra essa mesma corrupção. Ou será que foi o tal estilo do “me engane que eu gosto”?.
Gastou-se energia à toa? Ou será que foi proposital?
Dá até para se imaginar que com a “Lei da Ficha Limpa”, cuja maior razão de existir, como visto, reside na nefasta estrutura eleitoral brasileira e na demora do julgamento de processos pelo Judiciário, as elites, que sempre dominaram este país, e que a cada dia perdem espaço e poder políticos, agora, sem voto como estão e ardilosas que são, querem ver, por via travessa, afastados da vida política aqueles que lhe incomodam e assim, arrimadas nessa mesma estrutura eleitoral fajuta por elas convenientemente preservada, fabricar com seus fartos recursos financeiros novos “políticos” para defenderem suas vontades.
E tome-lhe a surgir, sempre e sempre, no Congresso Nacional, “bancada ruralista”, “bancada da bola”, “bancada disso”, “bancada daquilo”, num odioso detrimento da formação de uma bancada nacional, uma vez que as candidaturas independentes e as oriundas das bases populares não têm maiores condições de competir em campanhas cada vez mais insuportavelmente caras.
Todos nós sabemos que, historicamente, as elites brasileiras (financeira e social), quando sentem seus interesses e privilégios ameaçados, para resguardar-lhes, tratam logo de criar uma “comoção social”, sempre se utilizando dos potentes veículos de comunicação cuja propriedade detêm, e assim, “em nome do povo”, por a salvo, indenes, suas benesses. Assim tem sido ao longo dos tempos…
É de se indagar (ou não é?!!!) por que não se trabalha na elaboração de leis de iniciativa popular para, por exemplo, promover a reforma política; a reforma do Judiciário; taxar as fortunas; aumentar os impostos sobre o lucro; desonerar de tributos os produtos de primeira necessidade (especialmente os que compõem a cesta básica).
Ora, um movimento de âmbito nacional, que teve força para obter o apoio de milhões de brasileiros, bem que poderia tratar da matéria com mais profundidade e consequência, propondo, no mínimo, a reforma eleitoral, arredando da legislação pátria essa desgraça que é o sistema eleitoral de lista aberta. E aí, sim, combater eficazmente a corrupção, na sua causa, não em seu efeito, como se fez.
A mais disso, tais elites deveriam se preocupar mais em ver o Judiciário devidamente aparelhado, estruturado, para cumprir eficazmente com seu papel institucional, que é o de julgar com maior agilidade as lides que lhes são submetidas a apreciação.
due process of law é um princípio inerente ao Estado democrático. Portanto, desde que ele seja observado, todo cidadão brasileiro envolvido em querela judicial ou administrativa deve ser julgado (podendo, logicamente, ser condenado ou absolvido), não podendo sofrer outras tantas penalizações simplesmente por estar em vias de obter esse mesmo julgamento a que tem direito, o qual, por razões que lhes são alheias, no Brasil ainda muito tarda a acontecer.
* Trechos apanhados do artigo: “A Reforma Política: Uma Proposta de Sistema de Governo, Eleitoral e Partidário para o Brasil”, de autoria e de  responsabilidade de Luís Roberto Barroso  –  Instituto Idéias – Instituto de Direito do Estado e Ações Sociais (www.institutoideias.org.br) -, o qual informa que “a coordenação da pesquisa ficou a cargo de Cláudio Pereira de Souza Neto, professor-adjunto da Universidade Federal Fluminense, mestre pela PUC/RJ e doutor pela UERJ, e que a execução da pesquisa foi conduzida, em sua maior parte, por Thaís Lima, bacharel em Direito pela UERJ, sendo a  redação final de sua  responsabilidade, mas que se beneficiou de versões preliminares elaboradas por ambos. Participaram da discussão de idéias os Professores Ana Paula de Barcellos, Nelson Nascimento Diz e o mestrando Eduardo Mendonça”.

7 respostas

  1. Vou lembrar ao “nobre” advogado,que seu patrão cabecita de pitu esta na ficha del diablo(suja) com 2 processos julgados e agora? O “nobre” fala de bancada ruralista,bancada da bola$$$,em qual bancada esta o cabecita de pitu?na bancada do inabilitados politicos,de Itabuna reina praticamente na area,esta comprovado que fez 2 golaço$.

  2. sr pimenta, este comentario nada tem a ver com a materia, porem como entendo que este blog é hoje o principal portal de informações da região penso que alguns assuntos devam ser levados a conhecimento publico para o bem da liberdade de imprensa.
    o programa de governo da candidata dilma russef fala em controle social da midia e consequentemente desenvolver as resoluções da “confecom” eu ja tive acesso ao documento e percebi que algumas resoluções da tal conferencia fornecem margem a retrições ao jornalismo e a liberdade de opinião. segue algumas das propostas:
    Criação do Conselho Federal de Jornalismo para fiscalizar as atividades de jornalistas e meios de comunicação;
    – Criação do Observatório Nacional de Mídia e Direitos Humanos, para coibir supostos desrespeito a movimentos sociais, comunidades como quilombolas, gays, deficientes, crianças e idosos;
    – Criar mecanismos de fiscalização para punir rádios e TVs que veiculem conteúdos depreciativos contra minorias. Não há indicações de como isso seria feito;
    – Criação de uma nova Lei de Imprensa – que foi derrubada pelo STF recentemente – que garanta direito de resposta e assegure a pluralidade de versões em reportagens controversas;
    – Criação de cotas para programas educacionais, culturais e informativos em TVs abertas e por assinatura;
    – Criação de cotas para canais e programas nacionais em TV por assinatura. Pelo menos 50% dos canais de qualquer pacote teriam que ser nacionais;
    – Restrições a propriedade de veículos de comunicação por uma mesma pessoa, a chamada propriedade cruzada;
    – Limitar a formação de redes nacionais por emissoras de TV. Uma empresa, líder de uma rede, não pode controlar mais de 10% das afiliadas;
    – Redução do limite do capital externo de 30% para 10% em empresas de comunicação;
    – Fiscalização com controle social do financiamento, das obrigações fiscais e trabalhistas das empresas de comunicação. Grupos sociais poderiam ter acesso as contas das empresas de comunicação;
    – Criar empresa pública para incentivar a distribuição de filmes e vídeos, uma nova Embrafilme;
    – Proibir a venda ou o aluguel de espaços na grade da programação de emissoras de rádio e TV. A idéia é evitar que empresas detentoras de concessões busquem lucros apenas com o comércio das próprias licenças;
    – Criar o Fundo Nacional e vários fundos estaduais de comunicação pública com recursos do Fundo de Fiscalização das Empresas de Telecomunicações;
    – Criar política de massificação de TVs por assinatura e de universalização da banda larga para facilitar o uso da internet em todo o país, principalmente nas regiões distantes dos grandes centros;
    – Distribuição equânime das concessões de canais de TV por assinatura entre iniciativa privada, sociedade civil e poder público;
    – Criação do Código de Ética do Jornalismo para regular a prática do jornalismo;
    – Volta da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. acho que vcs deveriam por essas informações ao conhecimento publico para o bem da propria imprensa!!!

  3. Perfeito não fosse as estruturas partidárias viciadas onde impera caciquismo, conchavos e rabos-de-arraia como comprovam reportagens estampadas na mídia impressa sobre desistências e substituições de candidaturas. A idéia parece boa, doutor, para as ditas civilizações de Primeiro Mundo onde se imagina o bem comum esteja acima de interesses particulares e individuais.
    Aliás, nestas civilizações o voto é facultativo. O contrário do que se dá nessa terra tupininquim, corrompida pela colonização européia, onde continua obrigatório. Apesar da diversidade linguística e cultural, a Europa não é bom exemplo para nada, embora sua existência como continente date de milênios.
    A mesma corrupção que viceja na África, Ásia e América nos parece o legado mais forte dos europeus sejam portugueses, espanhóis, ingleses, franceses, belgas, italianos etc. Esse caldo de cultura imposta aos povos e continentes resulta nesta tosca representação partidária que dá viço ao clientelismo, patrimonialismo e corrupção aludidos no bom artigo que faz pensar e refletir.

  4. Caro Osias,
    Não temos o melhor dos mundos. Mas esse é o melhor dos mundos possíveis. Não há como negar que o ideal seria e é uma reforma do sistema eleitoral em nosso país. Porém, isso não deve desmerecer a Lei da Ficha Limpa, independente dos meios que a fez possível (ou que ainda a fará no proximo pleito). Outrossim, é claro que as um milhão e seicentas mil pessoas (nas quais eu me incluo) que assinaram a petição em favor da “ficha-limpa”, no universo de eleitores brasileiros é pífio. Mas foi o suficiente para pressionar pela aprovação de tal lei, demonstrando que a imensa maioria dos eleitores não estão nem aí para os mandos e desmandos dos políticos. Esses senhores, mesmo não podendo se eleger, vão lançar mão do execrável “jeitinho brasileiro” e vão eleger filhos, irmãos, genros, empregados e outros laranjas para continuar a roubalheira por eles.
    Acho sim que se deveria fazer uma grande mobilização pelo voto consciente, para que o eleitor de qualquer nível aprenda a votar em pessoas que realmente tenham comprometimento com o país em qualquer esfera da administração pública.
    O voto é uma coisa seríssima, e uma imensa parcela da população vota por uma camiseta, um chaveiro ou pior, por pura gozação. Já ouvi da boca de muita gente até muito esclarecida que disse que votou nessa ou aquela figura folclórica só pra ver o cara zoar no congresso. É isso que tem que acabar.
    Enquanto o brasileiro continuar elegendo pagodeiros, forrozeiros, pessoas de reputação duvidosa e celebridades falidas da mídia nada vai mudar nesse nosso cenário político desesperador.
    Fjunior

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