Haroldo Lima, de camisa branca, compondo a mesa de ato em defesa da estadualização da Fespi, episódio histórico lembrado no artigo de Élvio Magalhães
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Foi na transição da Fespi para a Uesc que Haroldo Lima pôde despontar para minha geração como o que sempre foi: um orador brilhante, um dirigente afetuoso, um político estudioso, um defensor das causas da Bahia e do Brasil.

Élvio Magalhães || Para José Junseira e Adnaelson Amparo, “emarquianos uesquianos”

Numa madrugada de inverno de 1986, a pequena célula “emarquiana” do PCdoB iria fazer sua primeira ação eleitoral: colar nos alojamentos masculinos a propaganda de Haroldo Lima para deputado federal. Balde, soda cáustica, farinha de trigo, vassoura. Ainda guardo no rosto respingo da cola e a cicatriz da ferida e, no coração, os tempos idos de descoberta e rebeldia.

Na Emarc-Ur me fiz comunista, entre leituras amadianas e artigos de Haroldo, aquele deputado, líder do PCdoB, que emergia da clandestinidade como fênix, após vinte anos de arbítrio de uma ditadura militar feroz e implacável, que espancou, torturou, assassinou, prendeu e baniu.

No ano de 1986 haveria eleições para a Assembleia Constituinte, e os comunistas baianos do sul buscavam reeleger Haroldo Lima. Militante oriundo da Juventude Universitária Católica (JUC), um dos responsáveis pela incorporação da Ação Popular ao PCdoB, ele enfrentou a ditadura, resistiu à tortura, ao cárcere e à barbárie de cabeça erguida. E venceu!

A chegada na Fespi de parte daquela célula da Emarc foi uma alegria. Na entrada, Ramon Vane recitando o “Poema Sujo” de Ferreira Gullar e o megafone de Déa Jacobina, a carismática líder estudantil, nos davam boas-vindas. Foi na transição da Fespi para a Uesc que Haroldo Lima pôde despontar para minha geração como o que sempre foi: um orador brilhante, um dirigente afetuoso, um político estudioso, um defensor das causas da Bahia e do Brasil.

Em 1987, a crise no modelo híbrido (subfinanciamento pela Ceplac, complementado pelas mensalidades), que sustentou a Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna desde sua fundação, tinha chegado ao auge. No movimento estudantil, o PCdoB dirigia o DCE e organizava a luta contra aumentos de mensalidades e pela estatização. Neste ano o deputado Haroldo Lima consegue um recurso extra no Ministério da Educação do governo Sarney, que possibilita à FESPI pagar os salários dos professores e seguir sem onerar os estudantes, congelando as mensalidades.

Mas é no ano de 1988, com as palavras de ordem “parar pra acertar” e a campanha “Ô estadualiza ou pifa”, que foi possível o desencadeamento de uma greve com o qual o movimento estudantil e acadêmico arrancaram, após 7 meses de intensa mobilização política, a estadualização da Fespi e a gratuidade do ensino. Deste processo participaram intensamente a militância do PCdoB e o deputado federal Haroldo Lima. O governador Waldir Pires, antevendo o futuro, queria federalizar a Fespi, com o correto argumento de que era preciso investimento federal no ensino superior da Bahia, o que só viria acontecer 25 anos depois, com a criação, pela presidenta Dilma Rousseff, da Universidade Federal do Sul da Bahia.

No início dos anos 90, quando a transição da Fespi para universidade se alongou e o impasse institucional se deu em função do Patrimônio da Universidade e outras burocracias, foi de novo Haroldo Lima quem construiu a saída. Mesmo um tenaz opositor do então governador Antônio Carlos Magalhães, Haroldo utilizou de sua amizade com o deputado Luís Eduardo Magalhães, vizinho de apartamento funcional em Brasília, para relatar as dificuldades institucionais da Fespi e cavar uma audiência da comunidade universitária com o então governador ACM. Presente na reunião, vi quando ACM se dirigiu a Haroldo Lima e disse: “Haroldo, você não precisa de intermediários para falar comigo!”.

Desta reunião ficou decidido que a Fespi seria estadualizada e viraria a Universidade Estadual de Santa Cruz – Uesc, o que de fato ocorreu meses depois, numa solenidade no auditório do Pavilhão Jorge Amado, onde o então estudante Wenceslau Jr., recém-eleito presidente do DCE, foi intensamente aplaudido pelos presentes, como reconhecimento da condução vitoriosa do movimento estudantil para aquele desfecho. A maior conquista da minha geração.

Ultimamente, conversava com Haroldo sobre sua participação na vice-liderança da Comissão Permanente do Índio, presidida pelo deputado xavante Mário Juruna, que deu origem à atual Comissão dos Direitos Humanos e Minorias, os avanços conquistados na Constituição de 1988 e a luta dos povos indígenas pelos seus direitos. Não deu tempo de levá-lo à Marcha dos Tupinambás em Olivença, como combinado.

A nefasta política genocida do governo Bolsonaro, que boicotou vacinas e protocolos (e certamente colaborou para a morte prematura de Haroldo e de quase 300 mil vítimas da covid-19 no Brasil), só me faz ter a certeza da necessidade da construção de uma frente ampla, como defendia Haroldo, para que possamos derrotar o fascismo negacionista e descortinar o futuro de prosperidade para o povo brasileiro.

E, quando tudo isso passar, haveremos de fazer uma grande homenagem a este homem público imprescindível. Tomara que a Uesc esteja presente.

Haroldo Lima Vive!

Élvio Magalhães presidiu o Diretório Central dos Estudantes Carlos Mariguella, da Uesc; é membro da direção estadual do PCdoB na Bahia e assessor do deputado estadual Fabrício Falcão (PCdoB).