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“JUDIAR” JÁ TEVE DIAS DE INTRANSITIVO

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

01AurélioO verbo “judiar”, que o leitor Jorge sugeriu para ser analisado, tem significado discutido. Aceito o mais corriqueiro, encontrado no Aurélio, que remete a um povo: “tratar como antigamente eram tratados os judeus”: massacrar, atanazar, magoar, atormentar, amargurar, angustiar, infernizar, aperrear, flagelar, mortificar, torturar, importunar – para ficarmos apenas em uma dúzia de sinônimos. Admira-me que a definição no Priberam sequer mencione aquele povo. Recuando a tempos pré-Aurélio, encontra-se que “judiar”, então verbo intransitivo, significava “maltratar judeus”.

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Palavra que sugere ofensa a um povo

Hoje, possui sentido gramaticalmente mais amplo, tendo virado transitivo indireto (“judiar de”). Setores mais preconceituosos empregam este verbo com o sentido de “agir como judeu”, pejorativamente, é claro. “Judiar” (tanto quanto seus derivados) é palavra evitada em alguns meios, pelo seu potencial de ofensa aos judeus, havendo até campanhas para que ela seja banida da língua portuguesa. Para o rabino Henry Sobel, o termo não tem carga pejorativa e precisa ser mantido para que nos lembremos dos preconceitos que o religioso diz “do passado” (mas eu tenho dúvidas).

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03JudiaçãoNordeste: “por que tamanha judiação?”

A ideia dele é de que essa lembrança nos livre do cruel preconceito que descambou no holocausto da Segunda Guerra. “Não fomos nós que maltratamos. Nós, os judeus, fomos maltratados”, diz Sobel. Discussões à parte, o termo, desvestido de preconceito, foi lembrado por Humberto Teixeira (Asa Branca): “Quando olhei a terra ardendo/ qual fogueira de São João/ eu perguntei a Deus do céu, ai/ por que tamanha judiação” e Lupicínio Rodrigues (“Mas acontece que eu não esqueci/ a sua covardia,/ a sua ingratidão/ a judiaria/ que você um dia fez/ pro coitadinho do meu coração”, enquanto Zeca Pagodinho, numa boa, canta “Judia de mim, judia…”

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ENTRE PARÊNTESES, OU


A intimidade que os manuais condenam
A TV Globo, que ultimamente tem a programação quase circunscrita à visita do Papa e ao nascimento de mais um herdeiro do trono inglês, tem tratado o líder da Igreja Romana com excessiva intimidade – nada recomendável nos manuais de redação: é Francisco pra lá, Francisco pra cá, como se falassem de algum jogador de futebol, cantor de pagode ou figura popular do tipo. Autoridade, qualquer foca sabe, precisa ter o cargo anteposto ao nome. Do jeito que a coisa vai, se o papa Francisco ficar muito tempo no Brasil os repórteres logo passarão a chamá-lo de… Chiquinho.

E O CACAU BAIANO QUASE CHEGOU À CHINA

05ChinaLá pelos anos 60, a China era um lugar longínquo e misterioso, a que os mais bestas um pouquinho chamavam “Cortina de Bambu” (em oposição à “Cortina de Ferro”). Pois o Conselho Consultivo dos Produtores de Cacau (CCPC), de Itabuna, decidiu lançar nosso principal produto agrícola naquele imenso mercado e para lá queria mandar um “embaixador”, mas não encontrava ninguém com coragem suficiente para tal empreitada. Foi quando se apresentou como candidato ao “sacrifício” um de seus dirigentes, Adélcio Benício dos Santos, o Dr. Adélcio – líder político de extrema direita, rico, advogado, pícnico, nervoso, ternos bem cortados, sapatos de cromo alemão e grande amor pelas viagens.
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De que forma se narra o inenarrável?

Dr. Adélcio não apenas foi à China, como voltou inteiro e mais lépido e fagueiro do que antes. Devido a esse ato de destemor-quase-heroísmo (pago pelos produtores, obviamente), ele se fez habitué dos voos para a terra do velho Mao, na tentativa de levar os chinas a consumir chocolate produzido com cacau sul-baiano. Se vendemos alguma amêndoa nessa aventura, desconheço. Mas conheço uma entrevista de rádio (“meninos, eu ouvi!”), quando Dr. Adélcio voltou da primeira viagem. O repórter (teria sido o bom Waldeny Andrade?): “Dr. Adélcio, que tal a experiência de conhecer a China?” O entrevistado, dado ao falar empolado: “Inenarrável”. Desce o pano.

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A FEIRA DE GARANHUNS PARA O MUNDO

7DominguinhosCai o pano também sobre um dos mais representativos artistas do Nordeste, o sanfoneiro, cantor, compositor e arranjador Dominguinhos (nascido José Domingos de Morais, em Garanhuns/PE). Dominguinhos era bem mais do que um “forrozeiro”, conforme setores mais preconceituosos costumam identificar os músicos regionais nordestinos: tocava xote, maracatu e baião, é claro, mas também bossa-nova, jazz e o que mais viesse. Filho espiritual de Luiz Gonzaga, foi aprendiz, seguidor e quem esteve mais próximo de ocupar o lugar sagrado do Rei do Baião. Talento reconhecido nacionalmente, Dominguinhos veio de família de agricultores pobres e cantou nas feiras, como forma de sobreviver.
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Tudo começou com uma “pé de bode”

Quando Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira criaram Asa branca, em 1947, Dominguinhos estava com seis anos – e já tinha uma sanfona “pé de bode” que ganhara de presente. A dupla não sabia que estava criando o hino do sertão, o canto de uma raça, grito contra a seca, a miséria, a dor, a tristeza, o sofrimento. Ao gravar Asa branca, colegas de Luiz Gonzaga correram o pires no estúdio, dizendo que aquilo era musica de cego, para pedir esmola (pobres almas!). Dominguinhos, por sua vez, não imaginava a que altura seria levado por aqueles acordes ainda tatibitates, cruzando, anos depois, com o mais famoso sanfoneiro do Brasil. No vídeo, um pouco dos quatro: Dominguinhos, Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira e Asa branca. Os artistas se vão, a (boa) obra permanece.

(O.C.)

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LUIZ GONZAGA FAZIA ACORDES, NÃO VERSOS

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br
1Asa BrancaFindo 2012, quando foi comemorado o centenário de Luiz Gonzaga, saltou-me aos olhos certo equívoco, perpetrado pela mídia. No afã de prestigiar o Rei, salientaram-lhe qualidades que ele nunca teve. Numa muito criativa matéria de tevê (creio que na Globo) esmiuçou-se a asa branca (uma espécie de pomba, em extinção) e que deu título à música famosa. Lá pras tantas, a repórter danou-se a louvar a “literatura” de Luiz Gonzaga, os “poderosos versos” sobre o sertão, o nordestino, o vaqueiro, a seca e por aí vai, esbanjando um desconhecimento que não se permite a nenhum profissional do gênero: para ser grande (e por ser grande), o Rei nunca se apropriou da qualidade de seus letristas. Ele não fazia “literatura”, fazia acordes.

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Os grandes letristas quase esquecidos

“Era excelente musicista”, atesta o respeitável especialista em Direito Municipal (e ex-roqueiro de igual respeito) Adylson Machado. As comemorações deixaram Humberto Teixeira em quase completo esquecimento, o que me pareceu grande injustiça com quem escreveu um monte de “clássicos” cantados pelo Rei. Cito de memória (além de Asa branca) várias outras, algumas delas obras-primas do gênero, no meu modesto entender: Juazeiro, Qui nem jiló, Estrada de Canindé, Paraíba, Assum preto, Respeita Januário, Mangaratiba, No meu pé de serra, Lorota boa… De Zé Dantas falei em outras colunas: Vozes da seca, A volta da asa branca, Letra i, Riacho do Navio, Cintura fina, Paulo Afonso. A ignorância vigente na mídia é de espantar.
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SEM MISÉRIA, NÃO HÁ JAZZ “DE VERDADE”

3Doris DayPromessa é dívida. Voltamos aos best-sellers do jazz, em que seus integrantes, tal qual os escritores, são acusados de vender muito e… ganhar dinheiro. As listas que todos conhecem são integradas por meia dúzia de grandes artistas negros, mas não incluem Nat King Cole, Frank Sinatra, Doris Day, Fred Astaire. Óbvio: além de serem quase todos brancos, esses venderam muito e, consequentemente, fizeram “concessões”, ficando marcados como “comerciais”.  O senso comum diz que lhes falta desgraça e miséria suficientes para sentir o blues na própria pele – sem o que não se canta o jazz autêntico. Quem é jazzman (ou jazzwoman) de verdade morre com o estômago pregado às costas, mas concessões ao mercado, jamais.

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“Num quarto sujo, cheio de percevejos”

Este raciocínio, segundo Ruy Castro (no livro Tempestade de ritmos), foi montado pelos franceses, lá pelos anos trinta/quarenta, e de forma eficiente, “porque até hoje há quem acredite nele”. A teoria tenta preservar o músico de jazz como o tipo “bom selvagem” de Rousseau: negro, pobre, injustiçado, escravo do jazz, do álcool e da heroína, mas firme e incorruptível. Diante das “concessões” que levam à boa vida, escolhe vegetar num quarto sujo, cheio de percevejos (vide os filmes ´Round midnight e Bird, já referidos nesta coluna). “Duke Ellington, a caminho do seu alfaiate, tremia de medo dessa teoria”, ironiza Ruy Castro. Confesso que esse tipo me fascina – creio que fui formado nessa escola romântica.
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5Cole EspanholNo fim, boleros derramados, em espanhol

Para ficar apenas num nome (que o espaço é tão pequeno para tanto amor), citemos o velho Nathaniel Adams Coles (1919-1965): pianista, tornou clássica a formação piano-guitarra-baixo, era cultuado pelo seu trio de jazz “autêntico”. Foi assim até resolver cantar canções “comerciais”, quando passou a ser execrado pela crítica. Esta jamais o perdoou por gravar e vender Mona Lisa, Unforgettable, Blue Gardenia e (aí nem eu aguentei!) uma enxurrada de boleros derramados, em espanhol. De ternos bem cortados, e dono de muitos dólares, Nat King Cole era discriminado no bairro rico onde residia. A gorda conta bancária não foi bastante para ofuscar o racismo, contra o qual ele era combatente.
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(ENTRE PARÊNTESES)

Quase destruída física e moralmente, Itabuna aguarda ansiosa as ações do seu novo Messias. Nunca se viu um prefeito com tantas sugestões de nomes. Seu sobrenome é Renascer, mas ele poderia, sem desdouro, chamar-se Reconstruir, Reformar, Refazer, Remontar, Recuperar, tais são as expectativas criadas. É aceitável também, Salvador da Pátria, Fada Madrinha, Salvação da Lavoura, Houdini, Magoo e, se queremos algo mais abrangente, Panaceia. Mas que não seja o Mágico de Oz, pois de impostores já andamos cheios. A frase batida (do filme O fabuloso destino de Amélie Poulain) cabe aqui: “São tempos difíceis para os sonhadores”.
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EU VOLTAREI TÃO LOGO A NOITE ACABE

“Meu amor, eu não esqueço,/ não se esqueça, por favor,/ que eu voltarei depressa,/ tão logo a noite acabe,/ tão logo esse tempo passe,/para beijar você” – são versos de Para um amor no Recife, de Paulinho da Viola. A música foi feita para Dedé (Maria José Aureliano), uma professora pernambucana que hospedou Paulinho no Recife em 1971, quando ele foi lá apresentar-se durante três dias e ficou (graças à acolhida calorosa) quase um mês. No fim, Dedé chamava o cantor de filho (para isso, pedira e obtivera “autorização” da verdadeira mãe dele, no Rio). Mas Para um amor…, um grito contra a ditadura militar, esconde outra história menos “família”, menos lírica, menos divulgada.
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Feridas abertas e sangue derramado

Em A vida quer é coragem (do jornalista Ricardo Amaral), biografia da presidenta Dilma, surge a uruguaia Maria Cristina no capítulo intitulado “Tão logo a noite acabe”. Amaral conta que Cristina ligou-se à guerrilha no Brasil, devido à paixão que tinha pelo militante Tarzan de Castro, do PCdoB, preso em 1969, e amigo do ex-marido de Dilma, Carlos Araújo. As duas dividiram a mesma cela, em São Paulo, por oito meses. Quando a uruguaia, levada para as sessões de tortura, retornava, Dilma tratava das dores e lhe chamava a atenção para a letra de Paulinho, como uma espécie de bálsamo, ao cantar “Fechar a ferida e estancar o sangue”. Sentiam-se menos sós e desamparadas: lá fora, uma voz lírica dizia que a iniquidade não era eterna.

(O.C.)

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Ônibus assaltado na BR-101 nesta sexta-feira (Foto Aldo Matos/Acorda Cidade).

Do Acorda Cidade

Vinte e três passageiros de um ônibus de turismo da empresa Asa Branca foram assaltados nesta sexta-feira (23), no km 148, da BR-101, sentido Alagoinhas/Feira de Santana.

De acordo com as vítimas, quatro homens mascarados e armados,que estavam em um veículo preto, interceptaram o ônibus eobrigaram o motorista a parar.

O veículo, de placa PEI-8844, seguia em excursão de Recife para Porto Seguro. Os passageiros prestaram queixa no Complexo Policial Investigador Bandeira, em Feira de Santana. Leia mais

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HÉLIO PÓLVORA E A ESCOLHA DO SIMPLES

Ousarme Citoaian

O título do primeiro romance de Hélio Pólvora (foto), Inúteis luas obscenas, é um achado, mas não surpreende: jornalista de batente (além de contista, ensaísta, cronista, tradutor e crítico de cinema) ele sabe a importância de bem titular (até procurou, em vão, convencer disso seu compadre Euclides Neto, que criou títulos não muito inteligíveis, como Machombongo). Mas o melhor de Inúteis luas obscenas não é o título, é o próprio livro, um retorno ao bom e velho estilo de contar histórias com começo, meio e fim. Senhor de erudição suficiente para atingir o esnobismo (poucos brasileiros leram tanto quanto ele), Hélio fugiu dos experimentos estéreis, em privilégio do simples.

O LEITOR ESCOLHE O FINAL “MELHOR”

Surdo é personagem recorrente em contos do autor. De tanto perturbar o sono do contista foi parar no romance – um romance que se lê de uma sentada, tal a qualidade da narrativa, que pega o leitor pelo colarinho e o leva, subjugado, à última página – quando, surpreso, será chamado a decidir entre dois epílogos. Inúteis luas obscenas é um tratado sobre a solidão humana, estampada em anti-heróis condenados à vida miserável, sem perspectiva de romper seu círculo de pequenez, empurrados para um final em que nenhum tipo de libertação é possível. Nesse ambiente, duas mulheres fortes (“Somos duas cobras venenosas”, diz uma delas) se destacam: Celina e Regina.

AROMAS, CORES E SABORES DE CACAU

Surdo (que talvez nem seja surdo) é dado a leituras e filosofias, pensa, medita e dá mostras de ter visitado os bons autores. “Os maus têm uma felicidade negra”, cita Victor Hugo (foto). Envolvido com luas azuis, vermelhas e obscenas, e um amor não convencional, Surdo é um homem incompreendido e portador de certa carga de amargura – na grande sabedoria há grande pesar, ensina o Eclesiastes. Resta dizer que Hélio Pólvora é um escritor da zona cacaueira (“Sou um pobre homem de Itabuna”, diz ele, parodiando Eça), e seu romance tem cheiros, cores e sabores de teobroma, ainda que seja universal, na medida em que trata do sofrimento do ser humano, presente em todas as latitudes.

TEXTO PRAZEROSO, INOVADOR E ECONÔMICO

O clima de tragédia é acentuado por um prólogo em cada capítulo, à moda do coro do teatro grego, e referências a entes mitológicos (na gravura, Édipo). O romancista esparge constantes pitadas de lirismo sobre seus embrutecidos personagens, o que enriquece e “humaniza” a história. No entanto, esse olhar, que às vezes parece cúmplice e protetor, não subtrai a Inúteis luas obscenas seu conteúdo de tragicidade. Há de ressaltar-se (afora essa leitura pessoal), o texto prazeroso, econômico (sem chegar à mesquinharia de Dalton Trevisan), conciso, sem sobras nem faltas. A sensação é de que valeu (muito) a pena esperar pelo primeiro romance de Hélio Pólvora.

O QUE NOS IRRITA TAMBÉM NOS MELHORA

Teria sido o velho e suíço Gustav Jung (foto) quem disse: “Tudo o que nos irrita nos outros pode nos levar a um conhecimento de nós mesmos”. Assim, coisas que a gente combate, como ingratidão, injustiça, traição, inveja, ciúme, medo ou impaciência e, no meu caso, a má concordância, a regência pífia e os lugares-comuns, pode significar que nós próprios somos portadores desses defeitos. Entendo ser imperativo que eu, crítico iconoclasta da obra alheia, exerça essa mesma exigência em relação a meus textos. E eu a exerço, embora considere normal não ter a isenção suficiente e ainda deixar contaminar minhas opiniões pela excessiva carga de autocompaixão.

NO INESPERADO, O EROTISMO VOCABULAR

Em maré de citações (hei de ter cuidado, pois Newton disse que quem cita muito não tem idéias próprias) ponho em campo o pensador francês Roland Barthes (foto), para quem as palavras se tornam eróticas pela excessiva repetição. Confesso que sinto esse erotismo vocabular (parece que inventei isto agora!) no inverso da repetição, que é o inesperado. O texto novo e simples tem uma força estranha que me agride (no melhor sentido), me pega pelo colarinho e me transporta a mundos distantes. Arrisco-me a perder os leitores exigentes, pois acabo (ai de mim!) de me pôr em posição contrária a Barthes (se vivo, não creio que ele ficasse muito preocupado com minha opinião…).

TEXTO QUE NOS EMBALA E TRANSPORTA

A verdade é que experimento um prazer muito grande com frases corretas, desde que despidas de pedantismo. Elas mexem em minha alma, me embalam e me transportam, como esta, um verso de sete sílabas: “Onde eu nasci passa um rio…”. A partir desta frase de Caetano Veloso é possível escrever romance, novela, crônica, conto… ou não escrever coisa nenhuma, mas será impossível não pensar e não sentir. “Onde eu nasci passa um rio” é texto a um só tempo refinado e simples. Uma das melhores frases da MPB, provocativa, por isso nova e boa, digna de ser tema de redação de vestibular para qualquer curso. Em prosa ou verso.

LIVRARIA ENTRE NÓS, NEM PRA REMÉDIO

Há variadas formas de medir o desenvolvimento cultural de uma comunidade: universidades, livrarias, editoras, cinemas, teatros e outras. Itabuna e Ilhéus (principais cidades da região) não têm, a rigor, nem uma livraria para remédio (temos casas que vendem, dentre outros itens, livros). Quanto aos outros padrões citados, estamos também em grande déficit – e é deplorável dizer que já estivemos em melhores condições do que hoje. Quer dizer: no que respeita a esses valores, andamos para trás. Ou, no máximo, de banda, no melhor estilo Ucides cordatus, também chamado caranguejo-uçá.

XADREZ POR AQUI SÓ A CADEIA PÚBLICA

Um leitor indignado nos ofereceu outro metro comparativo (igualmente empírico, é verdade) do nosso nível cultural: quase a ponto de nos confundir com o Procon, ele reclama que vasculhou Ilhéus e Itabuna para, surpreso, descobrir que é impossível, em cidades tão culturalmente ”avançadas”, comprar um jogo de peças de xadrez, com o mínimo de qualidade. Ora, vejam só. O chamado nobre jogo é mesmo um padrão interessante para o caso. O leitor diz que Vitória da Conquista, por exemplo, tem o xadrez na escola fundamental, como prática educativa. Aqui, xadrez é apenas a super-povoada cadeia pública.

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LUIZ GONZAGA E O INCÔMODO “VOZES DA SECA”

Dia desses, falamos aqui no médico Zé Dantas, um dos dois maiores parceiros de Luiz Gonzaga – o outro foi o advogado Humberto Teixeira (foto) – quando listamos “Vozes da seca” entre os clássicos do médico pernambucano. Luiz Gonzaga, na minha modesta opinião, foi o maior músico pop do Brasil (com a morte dele, creio que o lugar é de Gilberto Gil), mas é preciso lembrar, nem que seja apenas em favor da fria verdade histórica, que o Rei do Baião foi um conservador exacerbado, apoiou o golpe de 1964, chegou a dizer que não havia tortura no Brasil – e “Vozes da seca” o incomodava. Sei de um show em que ele, ao pedirem esta música, se recusou a cantá-la, com uma frase marota: “Não me lembro da letra”.

O CONSTRANGIMENTO DOS JOVENS COLEGAS

Gonzaga sempre teve horror a políticos de esquerda. Passou nove anos no Exército, quando aprendeu a admirar os militares, sendo amigo do presidente general Dutra, de quem animou muitos saraus palacianos – e, mais tarde, de Marco Maciel. Talvez não por acaso, “Boiadeiro”, a toada com que costumava iniciar suas apresentações, é de dois ex-militares (Armando Cavalcante e Clécius Caldas) que conhecera na caserna.  Já no governo Médici (o mais sanguinário dos generais da ditadura) ele decepcionou os colegas engajados na luta política, a exemplo de Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Geraldo Vandré (foto).  E o mais constrangido de todos com esse comportamento era Gonzaguinha, filho do Rei.

POR BURRICE, “ASA BRANCA” FOI CENSURADA

A ditadura, que nunca respeitou nem mesmo os que apoiaram o golpe, também não poupou Luiz Gonzaga, proibindo-o de cantar (era o governo Médici) “Vozes da seca”, “Paulo Afonso” e “Asa branca” (as duas primeiras com letra de Zé Dantas, a segunda de Humberto Teixeira). As razões da censura: “Vozes da seca”, por ser música de protesto, e “Paulo Afonso”, por ciúmes – exalta os presidentes Getúlio, Dutra e Café Filho; já “Asa branca” foi censurada devido à burrice que grassava no governo – a ditadura era um monstro sem cabeça e, logo, sem juízo. Em 1980 (sob o general Figueiredo), Luiz Gonzaga gravou “Caminhando”, o “hino” de Geraldo Vandré; em 1981 fez as pazes com Gonzaguinha.
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

UMA EDIÇÃO COM MUITAS LÁGRIMAS

Este vídeo foi editado com lágrimas, especialmente para a coluna. As imagens mostram o sertão nordestino torturado pela seca, aquele ambiente de intenso sofrimento (físico e, por consequência, psicológica) que inspirou o ginecologista e compositor José de Souza Dantas Filho, o Zé Dantas (1921-1962). O ano é 1953. Algumas cenas são de Vidas secas (1963), filme de Nelson Pereira dos Santos (foto), que também merece nossa homenagem menos tardia do que sincera. Clique.
(O.C.)