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SÍMBOLO LATINO PROVOCA DOR DE CABEÇA

Ousarme Citoaian
Além de récorde, invenção pedante a nos ferir os ouvidos, tenho observado uma estranha pronúncia do nome daquele mosquitinho da dengue. A mídia o tem apelidado de a-édis egípti, numa prosódia ofensiva à origem da palavra (em latim: Aedes aegypti).  Na língua de Virgílio, o grupo AE chama-se “E ditongo” (na verdade, as duas letras se fundem, como se fosse “metade A, metade E”, formando um símbolo que nossos teclados não têm.  Há também, com a mesma estrutura, OE – sendo que o primeiro tem som de E aberto e o segundo de E fechado. Exemplos? Caesar (nome próprio) e Poena (pena). E, claro,o já citado Aedes aegypti (ambos abertos).

ET CAETERA (ETC.) É DA MESMÍSSIMA FAMÍLIA

Quando a mídia (oral) trata do assunto, além do medo de contrair a doença, me inquieta a incoerência com que a expressão é enunciada. Como as duas palavras têm o mesmo ditongo (AE), não se justifica emiti-lo na segunda (e-gípiti) e omiti-lo na primeira (a-édes). Logo, a pronúncia precisa de ser é-des é-gípiti). Fazer o “aportuguesamento” para a-édes a-egípiti seria uma sandice, porém ainda menor, pois, pelo menos, guardaria a coerência. Quem fala a-édes deveria falar também et ca-étera (para a expressão et caetera – empregada com o sentido de “e outras coisas” – em geral abreviada para etc.).

É PRECISO MAIS RESPEITO COM O MOSQUITO

Já vi até profissionais da saúde aparentemente qualificados, com esse vício.  Dia desses, um deles, talvez porque convive há muito tempo com o mosquito, tratava o bichinho pelo primeiro nome, na maior intimidade: “O a-édesa-édes faz, acontece, o a-édes isso, o a-édes aquilo…” – quando o nome é ÉDES e não A-ÉDES. Não sei latim, mas penso que estas questões precisam ser dominadas por quem tem deveres com os vários aspectos da linguagem, a prosódia inclusa. Então, em dúvidas ou interesse pelo tema, que procurem as professoras Maria Nilva de Carvalho, Wanda Magalhães ou o professor Dorival de Freitas – dentre outros latinistas.

DUKE ELINGTON, O “XAROPOSO”

Para quem ouvia jazz e MPB nos anos 60 (a moda era Roberto Carlos, Wanderleia, Wanderley Cardoso e outros), Lúcio Rangel era o guru. Sabia tudo de importante, tinha uma inacreditável coleção de discos, era corajoso na defesa de suas opiniões, conhecia todo mundo que interessava (diz-se que ele apresentou Tom Jobim a Vinícius de Moraes, criando uma das parcerias mais significativas da história). Radical, só admitia jazz tocado por negros, e para ele só contava a turma das antigas: Jelly-Roll Morton, Armstrong, Kid Ory, King Olivier, Bechet. Não a Fats Waller, Coleman Hawkins e Duke Ellington (que chamava de “xaroposo”). Dizzy Gillespie (foto) e Charlie Parker eram pouco mais do que… “lixo”.

“TORTURANTE IRONIA DOS CIÚMES”

O mundo e eu cada vez concordamos menos com o velho Lúcio, mas isso não tira o prazer da leitura de seus textos em Samba, jazz e outras notas, a coletânea feita pelo jornalista Sérgio Augusto para a Agir. Entre as delícias, “Continho da Lapa”, com referências diretas a letras de músicas brasileiras, do qual tiro este trecho: “Louco, seguia-lhe os passos, enjeitado e faminto como um cão, sob a luz do abajur de meigo tom, na torturante ironia dos ciúmes”. Lúcio era tio do lendário Stanislaw Ponte Preta e quando este morreu, o tio exclamava “Não vou chorar! Não vou chorar!” – enquanto se desfazia em lágrimas.

A DITADURA E O SAMBA “ENQUADRADO”

É muito interessante o capítulo em que Lúcio Rangel historia a passagem do tema “malandragem”, dos mais recorrentes no samba carioca, para o bom-mocismo imposto em 1937 pela ditadura de Getúlio (foto), o famigerado Estado Novo. Por exemplo, O bonde São Januário (Wilson Batista e Ataulfo Alves) era “Quem trabalha não tem razão/ Eu digo e não tenho medo de errar (bis)/ O bonde São Januário/ Leva mais um sócio otário/ Sou eu que vou trabalhar”; ficou sendo “Quem trabalha é quem tem razão/ Eu digo e não tenho medo de errar (bis)/ O bonde São Januário/ Leva mais um operário/ Sou eu que vou trabalhar”.

A SECRETÁRIA QUE LIXAVA AS UNHAS

Ligo para uma empresa, para falar com o gerente. “Quem deseja?” – pergunta uma voz indiferente, do outro lado da linha, parecendo mais distante do que está de verdade. Ainda de bom humor informo meu nome (heterônimo?) usado nesta coluna. “Como?” – interroga a moça (a esta altura, arbitrariamente, decido que ela é do tipo desenxabida, que está “se achando” e que, entre uma e outra pergunta de boba rotina, lixa as unhas). Soletro. Ela, fazendo que entendeu, põe fim à conversa: “Ele deu uma saidinha e estará retornando daqui a pouco. O senhor não gostaria de estar deixando um recado, senhor Mitoaian?” Não gostaria, pois não deixo  recado com alguém que sequer sabe anotar meu nome.

NÃO CONFUNDA PIÃO COM CARRAPETA

Vá lá que o nome não é tão simples assim, mas pior seria se eu me chamasse Amphilóphio. Se me irritei foi porque a paciência acabou, de tanto me deparar com misturas inusitadas. Conheço gente que confunde Corpus Christi com habeas corpus; tromba de elefante com conta-gotas; Jorge Araújo com Jorge Aragão; Oswald de Andrade com Mário de Andrade; babado com bico; beiço de jegue com arroz doce; Daniel Thame com Edmar Tommy; tapioca com beiju; pião com carrapeta; homem com menino crescido, marselhesa com maionese… Assim olhado, a moça que lixava as unhas cometeu um crime menor, ao misturar Cidadão (Citoyen ) com Intermediário (Mitoyen).  Não ofende, mas chateia.

A LIBERDADE VAI FICAR NO LUGAR DO MEDO

Tempo haverá em que o medo
será artigo de quinta categoria
nas prateleiras do esquecimento.

Então nos despediremos
da exatamência deste vil
relógio do tempo
a que nos vendemos hoje.

e cruzaremos fartos de coragem
a fronteira doida do imenso vale
de nossa solidão
no exercício enfim da liberdade

POESIA COM A CORAGEM DO ENGAJAMENTO

Antônio Houaiss (aquele mesmo!) anota que Jorge de Souza Araujo (foto) faz poesia engajada, “a poesia da coragem”, a coragem de assumir “a força de pôr a nu as fraquezas dos nossos becos”.  E nem se esperava caminho diverso: animal político, no sentido aristotélico da expressão, Jorge Araujo, hábil com as letras, sempre se caracterizou pela capacidade de discutir, provocar e denunciar – e explicar, se lhe permitem. No prefácio de Os becos do homem (de onde retiramos “Presságio”, acima), vem a voz de Houaiss, a insistir que a poesia de Jorge “não encobre o seu engajamento, pois se funda em duas direções políticas, a da inutilidade de certa ordem e da incapacidade dos homens dessa ordem”.

SKIP JAMES E O VIOLÃO “ENVENENADO” DE BENJOR

Skip James (1902-1969) era um cara com tudo para dar errado. Negro nascido no Mississipi, centro racista dos EUA, era filho de um ex-contrabandista de álcool e ele próprio era dado a fabricar uísque (sem CNPJ, é claro). Quando não estava fazendo funcionar sua destilaria clandestina, dedicava-se ao blues. Aprendeu a tocar órgão (provavelmente na Igreja Metodista – pois seu pai se convertera, passando de contrabandista a ministro), mais tarde, guitarra e piano. Sua guitarra emitia um som único, com afinação atípica – coisa inventada por ele. Fico pensando se não teria sido com Skip James (foto) que Jorge Benjor aprendeu a, como ele diz, “envenenar” o violão.

BLUES ANTIGO EM VERSÃO CONTEMPORÂNEA

Alvin Youngblood Hart, músico de blues nascido na Califórnia no meado dos sessenta, gravou “Illinois blues” (de Skip James) especialmente para o filme The soul of a man (sem título em português), dirigido por Wenders para a série Blues – uma jornada musical, coordenada por Martin Scorsese. O blues costuma ser cheio de gírias, duplos sentidos e locuções regionais. Neste, Youngblood subtraiu coisas como When I gin my little cotton and sell my see/ I’m gonna give my baby, everything she need (“Quando eu descaroçar meu pouco algodão e vender minha semente eu vou dar a minha garota, tudo que ela precisa”). O registro ficou pungente, digno do velho Skip.
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

AMANHÃ TEREMOS UM VERÃO BRILHANTE

As pessoas que aparecem no clip foram captadas pela lente de Wim Wenders (um luxo para esta humilde coluna) e são figurantes do Sul negro, filmadas ao a caso, sem aviso ou ensaio. O refrão de “Illinois blues” fala algo parecido como “a esperança de um verão brilhante amanhã” (Hope morning summer bright).  Wenders (foto), em comentário sobre The soul of a man, chama a atenção para o fato de que Alvin Youngblood Hart é um tipo grandalhão, a ponto de a guitarra (afinada segundo o estilo Skip James) parecer um brinquedo em suas mãos. Agora, é clicar e curtir.

(O.C.)