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DE LIVROS E GENERALIZAÇÕES MENTIROSAS

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

1LivroMuita gente dá o mesmo conselho: “leia, leia, leia”, mas não dizem a suas vítimas o que elas devem ler. A leitura, como toda nova experiência, tem potencial de nos realizar ou frustrar. Creio, sem ser especialista no tema, que há textos adequados à idade, ao nível de saber e à sensibilidade de cada um de nós. Com livros, assim como com crianças, precisamos nos munir de isenção e coragem. “Adoro crianças!” – ouço com frequência esta generalização, mentirosa como todas as generalizações. Eu também gosto muito de crianças, mas reconheço que algumas delas são profundamente irritantes. Livros também são adoráveis, mas haveremos de admitir que muitos deles são intransponíveis.

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Umberto eco e a erudição que machuca

Alguns livros de difícil leitura para não iniciados: Os sertões (Euclides da Cunha), A divina comédia (Dante Alighieri), Os lusíadas (Camões), A montanha mágica (Thomas Mann), O pêndulo de Foucault (Umberto Eco). Não digo que são livros “ruins”, mas que não se destinam a leitores inexperientes. João Ubaldo Ribeiro diz que Os sertões é de fácil leitura, mas eu considero a primeira parte, A terra, “desestimulante”, para quem não é engenheiro, geólogo, ou coisa do gênero. Há quem liste Machado de Assis entre os “difíceis”, eu não. Já O pêndulo de Foucault, confesso, sob o peso da erudição de Umberto Eco, abandonei em meio à leitura, há muitos anos, e nunca mais o retomei.

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ENTRE PARÊNTESES, ou

3BrasilUsar apelido gera esquecimento do nome
Dia desses, José Serra errou, numa entrevista de tevê, o nome do País. “O Brasil chama-se Estados Unidos do Brasil”, disse o eterno candidato. A gafe seria desculpável, não fosse o status de quem a cometeu, pois é regra não escrita chamarmos nossa pátria mãe gentil pelo apelido, o que nos leva ao esquecimento do nome completo (o Brasil já foi “Estados Unidos”, hoje é “República Federativa”). A lembrança me veio ao ler afirmação do professor Arléo Barbosa, dando conta de que Ilhéus é também uma simplificação. O título São Jorge dos Ilhéus, que vem dos tempos coloniais, nunca foi mudado – e eu não sabia. Creio que estamos todos condenados à Lei do Menor Esforço.

O MITO GRECO-LATINO EM NOSSA LINGUAGEM

Certa vez, cometi uma resenha de interessante livro de poemas, Tear de aracnídeos, do professor Jorge de Souza Araújo. Destaquei que o autor me surpreendeu com sua densa erudição a respeito desses artrópodes, definindo-os, apontando-os como anteriores ao homem e mapeando-os por lugares nunca dantes imaginados. Lembro desse episódio, antigo de quase oito anos, ao me deparar com texto que fala da presença do mito greco-latino em nossa linguagem do dia a dia – e entre os verbetes me deparo com este mesmo que a gentil leitora imaginou: aracnídeo, isto é, a aranha e a teia que lhe desgraçou a vida, bem ao jeito da tragédia grega.
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5AracnePequena e triste estória de uma aranha

A primeira aranha do mundo era uma mocinha chamada Aracne, não garanto que bonita, mas prendada, pois era famosa pela qualidade dos tecidos que fazia. Um tanto metidinha, ela se gabou de que tecia melhor do que Atena (deusa da guerra, da sabedoria e dos ofícios), que se irritou ao ser comparada com uma mortal. Aracne achou pouco e ainda desafiou a deusa para um concurso, a medir quem era melhor tecelã. Aracne, que não se emenda, produziu uma obra que zombava dos deuses, mostrando que eles também erravam, mas um trabalho “tecnicamente” impecável. Vencida em seu próprio campo, Atena ficou tiririca – e decidiu se vingar da mocinha audaciosa.

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Uma deusa muito irritada com o marido

Suspense para lembrar que a grega Atena é conhecida na mitologia latina por Minerva. Ela é filha de Júpiter (Zeus, entre os gregos), espécie de rei dos deuses, associado com o céu e o trovão (entidade próxima ao Xangô do candomblé, segundo Verger, que vocês conhecem). A mãe de Atena/Minerva é Hera/Juno, rainha dos deuses, deusa das mulheres e do casamento, esposa de Zeus/Júpiter, uma mulher muito irritada com o marido, que é dado a pular a cerca. Já se vê que pedigree não falta à deusa Atena. Ah, sim: para se vingar da desfeita de Aracne, ela transformou a mocinha em aranha, condenada a tecer até o fim dos tempos.

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BILL EVANS E A VOLTA DO FUNDO DO POÇO

O pianista Bill Evans, que críticos e músicos aplaudiram a valer, viveu uma carreira irregular, com problemas não diferentes daqueles de Charles Parker, Ray Charles e outros: muita droga e, após, saída de cena para desintoxicar-se. Em 1961, quando Scott La Faro, seu baterista favorito, morre num acidente de carro (aos 25 anos!), Evans decide que o jazz perdera o significado. Mergulhou na droga, mais do que nunca, e ninguém imaginava como terminaria se, certa noite, Chuck Israels não surgisse em sua vida. Evans foi tocado pela vontade que Israels demonstrou de tocar com ele, diz o crítico Bruno Schiozzi. “Essa proposta me levou a recomeçar”, completa Evans.
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Influenciado pelos grandes do piano

Com Israels, Evans sai da crise, passando a tocar também com feras como Freddie Hubbard, Stan Getz, Tony Bennett e Claus Ogerman (este, uma das admirações de Tom Jobim).  Para o crítico Joachim Berendt, “o fraseado elegante e as harmonias sofisticadas de Bill Evans atestam influências de Debussy, Ravel e, voltando no tempo, Chopin”. Sua carreira, igual à de tantos no jazz, foi encurtada devido às drogas, que minaram sua saúde: morreu (aos 51 anos) de insuficiência hepática e hemorragia interna provocadas pelo uso de heroína e cocaína. Este Summertime (1965) é uma mostra dos vários temas gravados pelo “novo” trio: Evans (piano), Israels (contrabaixo) e Paul Motian (bateria).

O.C.
Tempo de leitura: 5 minutos

SEM OLHAR DE CIMA OS NOVOS ESCRITORES

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

Jorge Amado tinha entre suas famas a da bonomia, da humildade com que tratava as pessoas. Grande, paparicado em todo o mundo, nunca esqueceu sua aldeia (Ilhéus, onde viveu dias da infância), jamais foi mesquinho ou arrogante, não olhou de cima os novos escritores, não torceu o nariz aos emergentes. Ao saudar Adonias Filho na Academia Brasileira de Letras, deu, mais uma vez, mostras de sua generosidade, referindo-se a vários nomes das letras regionais (Hélio Pólvora, James Amado, Jorge Medauar, Emo Duarte, Elvira Foeppel), e até a um intelectual sobre quem reina incompreensível silêncio: Sadala Maron, citado para “nele saudar todos os demais jovens trabalhadores das letras do Sul da Bahia”.

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Nelson Schaun e Abel Pereira na ABL

Mais adiante, ele afirma que deveria lembrar de outros nomes, “para dar a medida justa do que vai acontecendo nessas terras grapiúnas como fermentação de ideias, como trabalho intelectual, como devotamento à cultura e ao esforço de criação”. E cita dois: Nelson Schaun (“o irredutível jornalista foi o símbolo vivo das letras e do estudo, de valor intelectual e de esforço cultural”) e Abel Pereira (“que tem buscado, com persistência e entusiasmo, valorizar a civilização do cacau e fazer da região um centro de permanente interesse artístico e constante inquietação literária”). Em 1965, o reconhecimento de Jorge Amado, no panteão das letras brasileiras, a dois intelectuais que a região pouco conhece.

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AUTORES PARA A MATURIDADE INTELECTUAL

Dentre meus espantos está o ensino de literatura em nossas escolas. Costumo dizer, do alto do meu desconhecimento da didática, que fazer o estudante, ainda muito jovem e sem vivência com as letras, enfrentar Machado de Assis, Camões e Euclides da Cunha, é convidá-lo a ficar inimigo da leitura.  Estaria eu (outra vez no topo da minha ignorância) a atirar pedras nesses fundadores da cultura lusófona? Sabe o inteligente leitor que não. Apenas digo que não se deve pular etapas, pois cada coisa tem seu tempo – e o tempo dos autores citados é o tempo da maturidade intelectual (vejam bem que não falo de maturidade cronológica, que é outro assunto). Penso que, como está na maioria dos casos, a escola não ajuda a formar leitores.

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Como alguém que falasse para não morrer

Mas confio nas exceções. No Colégio da Bahia, há séculos, fui a uma prova oral de literatura, “tirei o ponto” (pergunte a seu avô o que isto quer dizer!), saiu Emílio de Menezes. A professora (uma desconhecida que foi lá apenas fazer as provas) perguntou-me se eu sabia “alguma coisa” do assunto. Disse-lhe, trêmulo (já me sentindo reprovado e, portanto, com a ousadia dos que nada não têm a perder), que “sabia alguma coisa”, sim, mas não o conteúdo do curso. E ela, sem considerar minha heresia, mandou-me falar do que eu soubesse sobre Emílio de Menezes. Com O último boêmio na ponta da língua (Raymundo de Menezes/1949), deitei e rolei, falei, falei como nunca falara antes – fiz como se cantasse para não morrer.

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Um estranho papel de Xerazade cabocla

Nesse estranho papel de Xerazade cabocla fora de época e espaço, citei trocadilhos (não os impublicáveis, que eu não queria abusar da sorte), casos, chistes, maldades, piadas (não as cabeludas – que querem?), fiz a professora sorrir, sorrimos juntos e fui aprovado, com sobras. Vejam que eu não sabia a data de nascimento do poeta, que escola frequentou, o nome de sua parteira, essas bobagens que os lentes tradicionais tanto valorizavam. Se a mesma prova fosse feita pelo meu sisudo professor do primeiro semestre (no Instituto Municipal de Educação, em Ilhéus) eu seria sumariamente reprovado. O que, para alguns, seria bem empregado, pois não estaria agora a pregar princípios didáticos de que nada entendo.

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CANTORA DE JAZZ NASCEU EM AMSTERDAM!

Laura Fygi não é alemã, mas holandesa. “E daí?” – perguntará, com uma ruguinha na testa, a gentil leitora. “E eu com isso? – dirá o impaciente leitor. Eu explico, como faria o velho Freud. Trata-se de uma cantora de jazz que mencionei aqui como sendo alemã – erro bem inferior aos que cometem os prefeitos, mas, ainda assim, erro, que precisa ser corrigido: a moça é holandesa, também  prova viva e cantante de que em Amsterdam, quem diria, nascem cantoras de jazz. Ela morou em Montevidéu, canta em vários idiomas (incluindo português e chinês), já esteve no Brasil várias vezes e gosta de MPB,  mais ainda de Tom Jobim. Gosta tanto que gravou Dindi, Insensatez e outras (no North Sea Jazz Festival de 2003 cantou Corcovado).

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A banda muito pop que vestia lingerie

Laura Fygi tem tamanho prestígio na Europa que ganhou de presente uma canção de Michel Legrand, um dos mais respeitados músicos da França, vocês sabem. No começo ela se comportava de acordo com o preceito dos jovens liberados de sua Amsterdam: entre 1987 e 1991 participou de um grupo que se apresentava com o mínimo de roupas (a turma vestia aquilo que se chama, genericamente… lingerie). A banda era, naturalmente, bem popular. Mais tarde, ela muda de banda, veste roupas compatíveis e, assim, os produtores puderam ouvir-lhe a voz jazzística – sendo logo convidada a fazer um disco solo. Daí em diante, colocou a voz suave a serviço de canções consagradas, cantando o que bem merece e deixando o que é ruim de lado.

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“Não me importo em procurar novidades”

Vai longe o tempo da banda Centerfold (aquela da lingerie!). Laura Fygi é agora uma vocalista bem comportada, e que não gosta de invenções. “Há tantas canções bonitas para se cantar que não me importo em procurar novidades”, diz ela, como a fazer eco a meu humilde pensamento. E por achar que “a música feita hoje não é tão melódica, tão poética quanto as antigas”, ela escolheu a grande canção francesa, o jazz, a bossa-nova, os “clássicos” latinos. Aqui, uma mostra do que ela é capaz. Aos pouco iniciados, pedimos observar, além da leitura de La Fygi, a qualidade da “cozinha” (piano-baixo-bateria) e o solo de sax. Les feuilles mortes é da mesma sessão em que ela cantou Corcovado, no referido festival.

 

(O.C.)

Tempo de leitura: 7 minutos

GLOBO MUDA NOME DA “BÍBLIA” MUÇULMANA

Ousarme Citoaian

Em matéria sobre o dia do Ramadã, o repórter da Globo menciona duas vezes algo que pensei nunca mais ouvir: o Corão, referindo-se ao livro sagrado dos muçulmanos. A forma correta é o Alcorão – e o emprego de o Corão não é preferência, mas ignorância.  Há quem queira justificar a heresia argumentando que o al árabe é o nosso artigo o – daí dizer o Alcorão seria uma espécie de pleonasmo (haveria desnecessária  repetição do artigo o). O professor Mansour Challita, conhecedor das duas línguas, explica que as palavras árabes começadas com al tiveram esta parte incorporada ao português. Até eu sei de uma legião de exemplos.

EM CAMÕES, UM ABONO LUXUOSO E INSUSPEITO

Salvo melhor juízo, são de origem árabe as palavras alface, álgebra, algodão, almanaque, alforje, algoz e muitas outras. Para manter a coerência, os que traduzem Alcorão como o Corão deveriam falar (na ordem da lista acima) çúcar, gebra, godão, manaque, forje e goz. Onde está a incoerência, mora o erro, se não às claras, na sombra. Certo Luís Vaz de Camões (que todos conhecemos ao menos de nome) anotou em Os Lusíadas (estrofe 50 do canto 3º), publicado há mais de quatro séculos: “O português o encontra, denodado,/  Pelos peitos as lanças lhe atravessa:/ “Uns caem meio mortos, e outros vão/ A ajuda convocando do Alcorão”.

A LÍNGUA E O CHORO NO “EXÍLIO AMARGO”

“E que motivos haveria para meter-se o venerando vate lusitano em tal discussão?” – perguntaria algum distraído. Imagino que Camões, se vivo fosse, estaria lavando as mãos para essa pendenga, pois ela não lhe valeria a opinião, de tão óbvia. Mas paga a esta coluna o preço de ser um dos construtores da língua portuguesa, aquela em que ele “chorou, no exílio amargo, o gênio sem ventura e o amor sem brilho”. E seu abono (de exactos 4, 38 séculos) mostra que o Corão nunca existiu – salvo para os amigos das novidades inúteis. A propósito, a estrofe mencionada está na página 87, na minha edição de Os Lusíadas (Nova Cultural/2003).

DITADURA E DESORGANIZAÇÃO DA LINGUAGEM

A propósito de Daianas e Daiannes aqui referidas recentemente aproveitamos o gancho (no jargão do jornalismo, aquilo que nos dá motivo para produzir matéria) para falar um pouco mais sobre grafia de nomes próprios, o que constitui em nosso meio verdadeira salada. Perguntas freqüentes de jovens e (e alguns velhos) redatores: “Manuel é com U ou com O?”; “Antônio tem acento circunflexo?”; “Como escrevo esse Luís, com S ou com Z?”. A impressão que se tem é de estar num hospício, não num ambiente de profissionais com obrigação de ter boas noções da língua em que se comunicam com o público. A origem dessa babel está, imaginem, na ditadura militar – conforme o filólogo Marcos de Castro.

ONDE PASSA UM BOI, PASSA TODA A BOIADA

Antes, os jornais escreviam segundo o Vocabulário Ortográfico de 1943 (revisto em 1955), com os nomes próprios e comuns submetidos às mesmas regras. Às perguntas anteriores as respostas são: Manuel, Antônio e Luís (não Antonio, Manoel e Luiz). A coisa ia assim até certo momento dos anos setenta, quando o poderoso general Golbery do Couto e Silva se sentiu incomodado por ser chamado de Golberi pelo Jornal do Brasil e recorreu ao amigo Elio Gaspari (foto), então subeditor de Política do JB, para corrigir a “ofensa”.  O chefe da redação (não me lembra quem) aceitou o argumento de  Gaspari e deu no que deu: passou um boi, passou a boiada e os jornais sentiram o peso de outra ditadura, a dos cartórios.

OS CARTÓRIOS E O MODISMO VERDE-OLIVA

Quando Golberi virou Golbery entrou em vigor a lei do cartório, e a quase totalidade dos jornais (gosto de pensar que algum deles ainda resista ao odioso cartoricismo) adotou o modismo verde-oliva: Ulisses Guimarães (foto) passou a Ulysses, Miguel Arrais virou Arraes, Gilberto Freire ficou sendo Freyre, Ademar de Barros foi promovido a Adhemar, o poetinha, que era de Morais, hoje é Vinícius de Moraes, Ari e Rui agora são Ary e Ruy. E o pior aconteceu com nomes simples e singelos, a exemplo de Luís, Manuel, Sousa, Osvaldo, Tiago, Maria, Tomás (que passaram a aceitar dupla grafia, como se a língua no Brasil não tivesse normas a obedecer, como tem em Portugal, por exemplo. Dirão que minto, mas conheci, há poucos dias, uma Marya, assim com picilone.

NEM TERESA LISIEUX, SANTA, FOI POUPADA

Uma vítima da agressão ao Vocabulário Ortográfico foi Teresa, que se transformou (combinando a intervenção do general com a subserviência dos jornais da época e a ignorância de pais e escrivães de cartórios) em Tereza, Theresa e Thereza. Formas absurdas, pois a original (os católicos bem sabem) remete a Santa Teresa d´Ávila e Santa Teresa de Lisieux (foto). As outras grafias foram inventadas em cartório. Mas a vingança vem a cavalo. Pesquisa de Marcos de Castro em apenas três jornais do Brasil mostra que em 1985, quando morreu Médici (o mais sanguinário dos ditadores), sua viúva teve o nome grafado de oito formas: Scylla, Scyla, Scilla, Scila, Silla, Cylla, Cyla e o correto Cila. Bem feito.

POR QUE OS ESCRITORES ESCREVEM?

 O paulista José Domingos de Brito é um rato de biblioteca. Além de propriamente bibliotecário, é especialista em organização e administração de livros, com experiência em centros de documentação de várias grandes empresas. Tenho dele, lançado em 1999, o livro por que escrevo? – assim, com P minúsculo – pesquisa em que 96 escritores respondem a essa incômoda pergunta. Entre os mais conhecidos, e de respostas mais interessantes, está Érico Veríssimo (1905-1975): “Um verdadeiro escritor escreve por uma espécie de fatalidade, como a que leva o pinto a quebrar a bicadas a casca do ovo na hora certa, isto é, no momento determinado pela mãe-natureza, como diria Lucas Lesma” (Lesma é o jornalista de estilo pomposo de Incidente em Antares).

REMÉDIO CONTRA O VAZIO EXISTENCIAL

 

João Cabral de Melo Neto (1920-1999): “Sou como aquele sujeito que não tem perna e usa uma perna de pau, uma muleta. Escrever é uma maneira de me completar. A poesia preenche um vazio existencial”; William Faulkner (1897-1962), direto ao ponto: “Para ganhar a vida”; Millôr Fernandes (1924) deu resposta parecida: ”Sempre escrevi por necessidade, minha vida inteira”. Autran Dourado (1926): “Porque se não escrevesse já teria me matado”; Gabriel Garcia Márquez (1928) é o lírico que se esperava: “Para que meus amigos me amem mais”; Ignácio de Loyola Brandão (1936): “Para me divertir e divertir os outros”; Umberto Eco (1932), pra variar, complicou: “Eu escrevi porque meus filhos cresceram e eu não sabia mais para quem contar histórias”.

A ESCRITA COMO MEIO DE SOBREVIVER

“Se eu soubesse responder a essa pergunta deixaria de ser escritor. Não sei por que escrevo”, diz Fernando Sabino (1923-2004); Mário Vargas Lhosa (1936): “Escrevo porque é uma maneira de lutar contra a infelicidade”; “Eu escrevo para não morrer de tristeza nesse país desgraçado” – disparou o longevo anarquista Ernesto Sábato (1911); Jorge Amado (1912-2001): “Eu escrevo por não poder deixar de escrever, de escrever romances, de recriar a vida”; “Escrevo por que minha sobrevivência depende disso”, responde Márcio de Souza (1946); Clarice Lispector (1920-1977): “Escrevo como que para salvar a vida de alguém, provavelmente a minha”; e do mau humor de Graciliano Ramos (1882-1953) a resposta esperada: “Sei lá!”
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PRIMAVERA, FLORES, BACH E VINÍCIUS

Como a primavera (dita estação das flores) está à porta, achei oportuno postar aqui um vídeo apropriado para a estação. É música não muito nova (a letra, mais jovem, tem só 49 anos!), mas que merece ser dividida com eventuais leitores esquecidos. Trata-se de Rancho das flores, surpreendente parceria de Vinícius de Morais com Johann Sebastian Bach, separados por 228 anos – Bach nasceu em 1685; Vinícius em 1913. A letra do poetinha foi posta sobre a Cantada 141 (mais conhecida como Jesus, alegria dos homens), e teve a primeira gravação com a Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro (e coral), em 1961.

ROSA É MULHER RECENDENDO DE AMOR

Esse longo poema tem a marca do lirismo de Vinícius, que a tantos encantou: versos simples, singelos, comunicativos, que nos tocam profundamente: ele diz que “a natureza alegrou este mundo onde há tanta tristeza” – e que nesse programa de alegrar o mundo, as flores se destacam.  Elas são “um milagre do aroma florido mais lindo que todas as graças do céu”. A rosa (“que em perfume e em nobreza vem antes do cravo, e do lírio, e da hortência e da dália, e do bom crisântemo e até mesmo do puro e gentil mal-me-quer”) é personificada: – de “flor mais vaidosa e mais prosa”, atinge a condição de “mulher recendendo de amor”.
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

CANÇÃO QUE NÃO ACORDOU O MERCADO

Conheço poucas gravações de Rancho das flores. Imagino que ao escolher o ritmo de marcha-rancho (um andamento fora de moda, mesmo nos anos sessenta), Vinícius condenou ao esquecimento seu belo tratado sobre rosas, dálias, hortênsias e mal-me-queres, pois a marcha-rancho, coisa de nostálgicos como eu, pouco interesse despertou no mercado fonográfico. Em 2008, o músico cearense Raimundo Fagner, de reconhecido bom gosto, reviveu a parceria J. S. Bach e Vinícius de Morais no disco Fortaleza (seu arranjo, ao se aproximar de Bach, distancia-se da marcha-rancho).

(O.C.)
Tempo de leitura: 7 minutos

UM CRIME CHAMADO CACÓFATO

Ousarme Citoaian
Na escola do professor Chalub, em Itabuna, a caneta-tinteiro (ainda não havia a esferográfica) que produzisse um cacófato tinha seu dono levado “aos costumes”: reguada, puxão de orelha, palmatória e perdão a Deus, ajoelhado sobre caroços de milho. “O sofrimento é didático”, pensavam pais e mestres. Na rua, qualquer intelectual corria o risco de ser desmoralizado num piscar d´olhos: “Aquele sujeito escreveu um cacófato!”, apontava o caçador de criminosos. E o cara estava publicamente execrado até o fim dos tempos. Para o bem ou para o mal, os linguistas decretaram que o erro de português não existe – e se por acaso teimar em surgir, intrometido e temporão, há de ser perdoado, com urgência. O cacófato foi descriminalizado. Perdoar é divino.

“MÁQUINA DE DESCASCAR ALHO”

Cacófato é a junção das sílabas finais de uma palavra com as iniciais de outra, formando uma terceira – com sentido ridículo ou inconveniente. Se hoje ele não é mais caçado a pauladas, em feitio de cachorro azedo, ainda é de bom alvitre tomar cuidado para evitá-lo: nas estradas há avisos do tipo “Controlada por radar”; um jornal se permitiu escrever “azeite da marca Galo”; A Tarde (não digo o A Tarde nem sob tortura no pau-de-arara!) publicou “Lavrador morre atingido por raio”; o presidente do PT, zangado com César Borges, vingou-se, dizendo que “por razões próprias, o PR encerrou as negociações”; na Amélia Amado, uma loja anunciava em letras sanguíneas e garrafais que tinha à venda, em suaves prestações, “máquinas para descascar alho”. A empresa fechou – e eu não sofri saudades.

CAFU DEU A BOLA E NENECA… GOL!

O professor Cláudio Moreno (foto), mestre em língua portuguesa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), recolheu um cacófato pavoroso, anotado pelo seu colega Sérgio Nogueira (mestre em língua portuguesa pela mesma UFRGS). Na transmissão de um jogo Brasil e Coreia, ele ouviu do narrador da tevê: “Fábio Conceição pediu a bola e Cafu deu”. Em seguida, como se fosse pequena essa pedrada, o cara nos mandou outro carrinho por trás: “Chuta Neneca, gol!”. O povo define isto com uma expressão saborosa: “além de queda, coice”. Todos nós, ao falar ou escrever, estamos sujeitos a tais acidentes. Ou seja, o cacófato está vivinho dos santos, e se finge de morto para ser visitado.  

O ERRO A SERVIÇO DO HUMOR 

Camões (foto), quem diria, também foi vítima, ao cometer o verso “Alma minha gentil que te partiste”. Devido a essa “maminha”, os gramáticos quase arrancam ao vate lusitano o olho bom que lhe restava. Mas o cacófato, no lugar certo, gera interessante clima de humor. Veja-se o folclórico A flor do cume, recheada deles: “No alto daquele cume/eu plantei uma roseira,/o vento no cume bate,/a rosa no cume cheira;/ Quando vem a chuva fina,/salpicos do cume caem,/formigas no cume entram,/abelhas do cume saem;/ Mas se vem a chuva grossa,/a água do cume desce,/a lama do cume escorre,/o mato no cume cresce;/ E logo que cessa a chuva,/no cume volta a alegria,/pois torna a brilhar de novo/o sol que no cume ardia”.

“SOU DAQUELES QUE SOU A FAVOR”

Em sessão na Câmara Federal, na semana passada, o deputado baiano Colbert Martins (foto) deu importante contribuição ao besteirol que fustiga a língua portuguesa. “Sou daqueles, primeiro, que sou a favor” (!) – e por essa cacetada inicial e eu percebi que uma chuva de granizo estava a caminho. Não deu outra: “segundo, sou daqueles que votou; terceiro, sou daqueles que vai votar; quarto, sou daqueles que quer negociar a aprovação dessa PEC”. Fosse eu autoridade, proibiria a Câmara de cometer erros de concordância durante três meses, pois nosso representante já gastou toda a quota disponível. Tentarão creditar os erros ao improviso. Bobagem: eles foram repetidos no blog, havendo muito tempo para a correção, que não foi feita.

FERNANDO SABINO E O DEPUTADO

O verbo vai para o plural. O sentido: “Estou entre aqueles que votaram, que vão votar, que querem negociar etc. Há uma crônica de Fernando Sabino (foto) – “Eloquência singular”, no livro A companheira de viagem/Editora do Autor – que nos sugere uma relação muito próxima desse episódio. É a história de um parlamentar que começa o discurso dizendo “Senhor Presidente, não sou daqueles que…” – e é assaltado pela dúvida: o verbo vai para o singular ou o plural? O nobre deputado começa a fazer perigosas digressões (enquanto a cabeça anda à roda das regras gramaticais) e nenhum aparte salvador o vem interromper. Mais feliz foi Colbert, que, inconsciente, disse suas bobagens com ar doutoral, sem o assalto da dúvida.

DA ARTE DE ESCREVER BEM

No rádio e na tevê os textos sobre futebol contribuem para aviltar a língua portuguesa. No jornal, são um monumento à mesmice. Termos repetidos, lugares-comuns, nem sempre controladas as paixões do autor. Melhor ir pelas exceções: Armando Nogueira e Nelson Rodrigues (foto) renovaram o gênero, dando-lhe qualidade literária. Armando, muito respeitado no meio lítero-esportivo (!), morreu recentemente, recuperando seus muitos minutos de fama. De Nelson Rodrigues, para mim o suprassumo (em jornal e tevê), do fim dos anos cinquenta aos setenta, poucos se lembram. São dois criadores desse gênero, que teve pioneiros, como Mário Filho, não por acaso irmão de Nelson.

TOSTÃO CONHECE AS TÉCNICAS

Modernamente, há esforços para oxigenar a crônica esportiva. José Roberto Torero (foto), com seu Os cabeças-de-bagre também merecem o paraíso (Objetiva), é um deles. Texto inventivo, inteligente e bem-humorado, tendo por motivo o futebol. Torero escreve na Folha de S. Paulo, além de ter vários livros publicados. Mas confesso minha preferência por Tostão e sua crônica semanal divulgada em cadeia de jornais, incluindo A Tarde (nunca o A Tarde!). Não precisa ser “especialista” em futebol para ler e entender Tostão – basta ter bom gosto. Ele, além de didático, domina as técnicas do “esporte bretão” e da escrita.

ARMANDO E NELSON ASSINARIAM

A crônica esportiva atinge o status de crônica literária. José Roberto Torero, obra citada: “Pavão foi o mais refinado avante que já surgiu nas terras entre Piancó e Itaporanga. Ele dava dribles humilhantes e ria com prazer de cada adversário que deixava no chão. Mais que ria, gargalhava. Até que um dia seu corpo foi achado na linha do trem. E sem as pernas. Suspeita-se seriamente de uma quadrilha de zagueiros vingativos”. Tostão, falando de Garrincha (foto): “Quando um menino constrói um castelo ele não sonha em ser rei. Ele é rei. Quando Garrincha brincava [de driblar], ele não sonhava em ser um menino, um passarinho, ele era um menino, um passarinho, um garrincha”. Jóias que Armando e Nelson assinariam.

VERSOS, VERSOS À MANCHEIA

Em edição da Editus/Via Litterarum, está na praça o pequeno e importante livro Diálogos – Panorama da nova poesia grapiúna, uma antologia preparada por Gustavo Felicíssimo (foto). O organizador é bem-sucedido no esforço de aprisionar em apenas 104 páginas uma mostra representativa da poética regional. A nomes conhecidos, como Piligra, Daniela Galdino, Heitor Brasileiro, Rita Santana e George Pellegrini, juntam-se outros de menor divulgação – mas todos unidos no mister de produzir na aldeia uma poesia que, no dizer de Ildásio Tavares (que assina o prefácio) “aspira a universalidade”. De Heitor Brasileiro, que também (e bem) transita na prosa, este belo haicai atípico, Crack, que remete a Drummond:

Não havia mais

caminho

uma pedra.

HERANÇA DO MODERNISMO

Ao todo, em ordem alfabética, os poetas antologiados são: Daniela Galdino (foto), Edson Cruz, Fabrício Brandão, George Pellegrini, Geraldo Lavigne, Heitor Brasileiro, Mither Amorim, Noélia Estrela, Piligra e Rita Santana. Segundo Gustavo, a coletânea traz “frescor no vocabulário e na sintaxe” dos dez poetas. É um “diálogo” diversificado, “partindo do verso livre, passando pelo minimalismo do haicai, chegando ao octossílabo e ao verso alexandrino com uma coloquialidade certamente herdada do modernismo e tão bem assimilada, não deixando a poesia cair na banalidade, como fizeram poetas demasiadamente influenciados pelas vanguardas”. Enfim, é urgente poetar, nesse mundo maluco.

NUMA PALAVRA, TUDO: ARMSTRONG

O crítico Ari Vasconcelos, no livro Panorama da Música Popular Brasileira (coisa antiga, só encontrável em sebos) diz mais ou menos isto (cito de memória, pois meu livro foi comido pelas traças e as mudanças): “Se você for falar de MPB e tiver espaço para apenas uma palavra, escreva Pixinguinha (foto)”. Imagino que, nessa linha de raciocínio, se o assunto é jazz, a palavra é… Armstrong. Mesmo quem alega de nada saber sobre a grande música negra, já ouviu falar do velho Satchmo, certamente um símbolo do jazz de todos os tempos. É claro que a mídia não fala mais em Louis Armstrong, mas aí já não é comigo.

CAETANO E A SUBMÚSICA

O mundo não está de cabeça para baixo (se estivesse, a gente saberia de que lado está a cabeça). Está confuso, misturado, e ficam os valores todos. A arte, é óbvio, foi junto. Quando alguém do nível de Caetano Veloso sai em defesa do pagode e outras manifestações submusicais baianas percebe-se que alguma coisa anda fora dos trilhos, e não é o trem. Voltemos, pois, à seriedade: não vou falar de Armstrong – se você precisa que alguém faça isso é porque está lendo a coluna errada. Em meio a 30 discos (cerca de 450 músicas), como escolher? Vá a esperançosa e otimista What a wonderful world (feita por Bob Thiele e George Weiss, especialmente para Armstrong.
 
(O.C.)
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as