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A IGNORÂNCIA “MADURA” É ESPANTOSA

Ousarme Citoaian
Entre os que costumam se divertir com o lixo recolhido das provas escolares não me incluo. Não creio que “a ignorância da juventude é um espanto”, como dizia o bordão de um humorístico de tevê em tempos passados, pois mais me espanta a ignorância dos maduros, os que tiveram tempo e oportunidade. Entendo que a juventude de hoje (a minha já se foi, ai de mim!) é muitíssimo mais preparada, em vários segmentos do saber, do que foi a minha geração – com as regras e exceções de praxe. Mesmo assim, em qualquer tempo se produzem pérolas, como estas que recebi (não sei se pérolas verdadeiras ou falsas), colhidas no vestibular da PUC-Rio.

GENTES SANEADAS E ÍNDIOS SIFILIZADOS

As respostas formam um paradoxo tão grande que quase toca a sabedoria, como se vê nos exemplos seguintes: 1) “Precisamos tirar as fendas dos olhos para enxergar com clareza o número de famigerados que aumenta”; 2) “É preciso melhorar as indiferenças sociais e promover o saneamento de muitas pessoas, de nível municipal, estadual e federal”; 3) “No começo os índios eram muito atrazados mas com o tempo foram se sifilizando; 4) “A História se divide em quatro: Antiga, Média, Moderna e Momentânea, esta, a dos nossos dias”. É mesmo urgente tirar as fendas dos olhos, sanear as gentes e reduzir o número de famigerados. E que os índios foram sifilizados, duvidar quem há-de?

A REPETIÇÃO E SEUS EFEITOS DELETÉRIOS

Corre-se o risco de ter esta coluna classificada como “ranzina”, em matéria de língua portuguesa, mas o ar anda impregnado de erros tão primários que não há “generosidade” capaz de desculpá-los. Temos comentado, com incômoda insistência, os malefícios de uma técnica nascida, dizem alguns filólogos, na indolência das redações das mídias em geral. Certo dia, um publicitário escreveu, ao fim de um anúncio, a expressão “Está esperando o quê?” – e isto foi o suficiente para, desse dia em diante, bombardearem nossos ouvidos com uma epidemia de “Está esperando o quê?”, como se isso fosse indispensável a todo texto publicitário. É técnica da repetição, com seus efeitos deletérios.

TODOS PODEM ERRAR, MENOS A ESCOLA

Parece incrível, mas existe advogado para esse inquietante pastiche – afinal, ninguém pode ser condenado sem ampla defesa. Mas há caso em que a defesa é ociosa, por exemplo, quando o erro de linguagem vem da escola. Só o ser humano erra, pois a outros animais (camundongos, baratas, muriçocas, borboleta, vacas, bois e traficantes) não foi dada a faculdade de decidir entre o certo o errado. Errare humanum est, diz o brocardo latino. E como toda regra comporta exceção, creio que, nesta regra, a exceção é a escola. Escolas não podem errar, porque a função delas é ensinar – o que se confunde com o combate aos erros. Escola que erra se equipara a cachorro que morde o dono.

REPOSITÓRIO SAGRADO DO CONHECIMENTO

Em rápida passagem pela tevê, me surpreendo com o anúncio de uma escola (que tem nome de entidade mitológica grega que renascia das cinzas), a alardear seu “récorde de aprovação”. Ora, qualquer indivíduo que alisou a carteira escolar, ainda que por tempo exíguo, sabe que a palavra é recorde (paroxítona), de sorte que o anúncio da escola não tem o direito de render-se a esse modismo que tanto ofende a prosódia culta. A forma proparoxítona (récorde) não é, em geral, mencionada pelos bons dicionários. Ao que se saiba, é tão somente uma invenção da TV Globo, seguida por pessoas desinformadas e novidadeiras. Escolas (sagrados repositórios do conhecimento) não se podem dar ao luxo de integrar esse grupo .

UM CANTAR PRECOCE, AFINADO E VASTO

Deixo aqui minhas vontades.
Deixo uma reserva surda de dicionário,
Um relicário de enigmas silenciados,
Uma patente do meu novo invento:
Um ovo de amor bem-sucedido.
E algumas orações pra causas sem remédio.
Deixo a aliança sem sentido, de prata, com ferrugem, com asma,
Com disritmia, febre, apatia de fibra, tecelagem de aço morto,
Tédio das promessas passadas, e o meu desgosto de fracasso.
Deixo um litro de leite na porta da geladeira,
Pra ser fervido amanhã.
Um bule preto, um ferro a carvão que meu pai pintou de verde.
Uns versos brancos, outros vermelhos,
Outros com o azul, que é teu.
Outros, ainda, cor de sol: tudo num envelope aéreo (…).

DE GOETHE A MARIA CLARA MACHADO

Dizer que a ilheense Rita Santana (autora de “Abandono”, excerto acima) é precoce seria uma forma de justificar seu vasto currículo, que inclui a publicação dos livros Tramela (contos/2004) e Tratado das veias (poemas/2006). Só uma criadora precoce teria, apenas recém-passada dos 40 anos (nasceu em 1969), percorrido tantos caminhos. Além das letras, sua lista de criações tem ainda trabalhos em televisão (novela Renascer, da Globo, por exemplo), teatro (do infantil de Maria Clara Machado ao clássico adulto de Goethe) e cinema (Tïeta do Agreste, Eu me lembro e outros). Além dos dois livros publicados (na gaveta está, esperando editor, Alforrias – poemas), a poética de Rita Santana está em antologias várias como Mão cheia e a recente Diálogos (Via Litterarum/2009).

HÉLIO QUASE DECOROU GRACILIANO RAMOS

Mais algumas curiosidades sobre escritores: Hélio Pólvora, gosta tanto de Graciliano Ramos que, na juventude, quase decorou os clássicos do escritor alagoano. Chegou até a fumar a mesma marca de cigarros que o autor de São Bernardo – mas, ao que consta, não virou comunista; João Guimarães Rosa atendia a pacientes nos confins rurais de Minas e se sentia culpado cada vez que algum morria (Agnes, filha do escritor, diz que ele não tinha vocação, e até “quase desmaiava ao ver sangue”);  José Lins do Rego quebrou uma regra fundamental da Academia Brasileira de Letras, quando ali tomou posse, em 1955: em vez de elogiar o antecessor, Ataulfo de Paiva, disse que ele não tinha qualidades para ter ocupado a cadeira.

JORGE AMADO, AMANTE DE SÔNIA BRAGA

Nelson Rodrigues, famoso pó-de-arroz, ao ver (sob pressão) o videoteipe que confirmava um pênalti não marcado contra o Fluminense, gritou, apoplético: “Se o videoteipe diz que foi pênalti, pior para ele. O videoteipe é burro!”; Jorge Amado, ao autorizar a adaptação de Gabriela para a tevê, impôs que o papel principal fosse de Sônia Braga. “Por quê?”, perguntavam os repórteres, ao que o escritor respondeu que ele e a atriz eram amantes, deixando todo mundo boquiaberto. O clima ficou mais pesado ainda quando Sônia apareceu, mas ele resolveu tudo, ao levantar-se e, formal, dizer: “Muito prazer, estou encantado”. Era tudo uma piada de Jorge, pois os dois nem se conheciam.

LOBATO ERA BEBEDOR DE BIOTÔNICO

Mário de Andrade deixava o antropólogo Lévi-Strauss com ciúmes, por ser amigo de Dina, a mulher dele. Só depois da morte de Mário, o francês soube que se preocupava em vão, pois Mário era homossexual; Jorge Araujo, ao contrário do que aparenta, é muito disciplinado: no trabalho, não permite interrupções nem por telefone; Clarice Lispector (foto), com insônia, ligava para os amigos em horas mortas e dizia coisas perturbadoras. Imprevisível, algumas vezes, convidada para jantar, foi embora antes de a comida ser servida; Monteiro Lobato adorava Biotônico Fontoura, que bebia como se fosse licor, e tinha mania de fazer consertos (“Mas para arrumar uma coisa, sempre quebrava outra”, conta Joyce, sua neta).
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A POESIA MARGINAL DO NORDESTE

Tenho a poesia popular (que a mídia trata como cordel ou literatura de cordel – sendo chamado de cordelista quem a pratica) como uma manifestação fundamental da cultura nordestina. Minha implicância com cordel (que, felizmente, não e só minha) é que o termo – significando corda, barbante ou coisa parecida – é estranho ao linguajar brasileiro. Além de carregar um quê de preconceituoso, como se quem se dedica a esse gênero de poesia não fosse, a rigor, poeta. Ou poeta marginal, com seus livros (a mídia chama livretos) pendurados em cordões (seriam os tais cordéis, estranhos à nossa fala), nas feiras e praças públicas.

PARA SOUTO MAIOR, POESIA POPULAR

Ouço (e aprovo) o folclorista, advogado e poeta Mário Souto Maior, para quem essa produção “devia ser chamada de literatura popular ou poesia nordestina, menos literatura de cordel”. O poeta paraibano Manoel d´Almeida Filho, um dos grandes do gênero, em várias ocasiões se mostrou avesso ao verbete cordel, dizendo que literatura popular é o nome mais indicado. De qualquer maneira, cordel pegou, e os poetas em geral aceitam o rótulo de cordelistas – e até os congressos, festivais e afins dessa arte utilizam, impunemente, o termo cordel. A esta altura, minha posição é a de quem tem o pouco saudável hábito de dar murro em ponta de faca.

</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as
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CANTO EUROPEU ACLIMATADO

Trazemos a presença de dois ases dessa manifestação cultural nordestina, com suas violas: João Paraibano e Sebastião Dias. O primeiro, obviamente, é da Paraíba (nascido João Pereira da Luz, em Princesa Isabel); o segundo é de Ouro Branco, região do Seridó, no Rio Grande do Norte. Os dois falam da poesia e sua relação com Deus – mas dá para perceber que eles não se referem a Florbela Espanca (foto), Camões, Cecília Meireles ou Fernando Pessoa, mas àquele canto europeu que tão bem se aclimatou no sertão nordestino – ou seja: a poesia popular em versos, improvisada ao sabor da hora. Clique e entre no clima do repente. __________________________________________________________________________________ (O.C.)