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Uma simples grosseria num ponto de ônibus reflete uma situação inaceitável, porque ela retrata um mundo que valoriza extremamente a beleza e a juventude, como se beleza e juventude fossem eternas.

Daniel Thame | www.danielthame.blogspot.com

A cena, ocorrida num ponto de ônibus de Itabuna, é banal. Um sujeito de meia idade, bem vestido, se prepara para entrar no coletivo, quando tem sua passagem interrompida por uma mulher negra, de presumíveis 70 anos, que, com dificuldade, tenta descer pela porta da frente, prerrogativa que a idade lhe garante. A mulher está acompanhada pelo neto, que tenta ajudá-la a descer.

E o que faz o sujeito de meia idade?

Estende a mão para a mulher e a ampara, num gesto de civilidade e cavalheirismo?

Qual nada!

O que ele faz é dirigir, para que todos ouçam, uma série de impropérios contra a mulher, acusando-a de estar atrapalhando sua passagem e de não saber nem andar de ônibus.

A velha apenas sorri, diante de constrangimento de alguns passageiros, desce do ônibus e segue seu caminho, talvez acostumada a dissabores desse tipo.

Dentro do ônibus, o homem de meia idade, jeito de espertalhão e tirado a engraçadinho, ainda completa a grosseria:

– Velho tem mais é que ficar trancado em casa. Essa aí só anda de ônibus porque é de graça…

A cena, como já se disse, é banal, mas não deveria ser.

Ela reflete a falta de respeito para com as pessoas que chegam na idade outonal e precisam ser tratadas com carinho, atenção. Uma falta de respeito que se observa nos pontos de ônibus, nas filas de banco (apesar dos caixas preferenciais), nos hospitais e postos de saúde, na falta de acessibilidade e de espaços adequados.

Ela reflete a tremenda falta de consideração com que pessoas que trabalharam a vida toda e, na velhice, são humilhadas dentro e fora de casa, como se fossem seres imprestáveis, descartáveis.

Não são nem imprestáveis nem descartáveis.

Ao contrário, são pessoas que podem contribuir com suas experiências de vida ou merecem desfrutar de uma velhice relativamente tranqüila, ao lado dos filhos, netos e amigos.

Uma simples grosseria num ponto de ônibus reflete uma situação inaceitável, porque ela retrata um mundo que valoriza extremamente a beleza e a juventude, como se beleza e juventude fossem eternas.

O imbecil que cometeu a grosseria com a velhinha no ônibus (símbolo de tantos imbecis que maltratam os idosos) talvez não se dê conta que dentro de alguns será ele quem precisará de ajuda até para utilizar transporte coletivo.

Nesse dia, em vez do deboche, espera-se que alguém lhe estenda as mãos, porque é assim que tem que ser.

Daniel Thame é jornalista, blogueiro e autor de Vassoura.

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Durante o século XX, o Sul da Bahia conviveu, numa espécie de montanha-russa, com as delícias e as agruras da monocultura. Como em nenhuma outra parte do planeta, o cacau encontrou aqui o solo fértil para brotar com uma qualidade inigualável, gerando muita riqueza e relativo desenvolvimento.

Apesar das crises cíclicas, duas delas terríveis, que originaram a criação do Instituto de Cacau da Bahia e depois da Ceplac, ambos destinadas a promover a recuperação de uma lavoura momentaneamente em frangalhos, o cacau foi suficiente não apenas para manter o Sul da Bahia com a mais próspera região do estado como, com o ICMS, alavancar o desenvolvimento da região metropolitana de Salvador.

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É inegável que uma pista duplicada é muito mais segura, o que em absoluto prescinde de uma fiscalização, hoje inexistente, que puna com rigor os maus motoristas.

Daniel Thame | www.danielthame.blogspot.com

A técnica de enfermagem Cláudia da Silva Borges, de 32 anos, que trabalhava na Santa Casa de Misericórdia de Itabuna, é a mais nova vítima dessa máquina de matar em que se transformaram as rodovias brasileiras.

É, igualmente, vítima de uma rodovia, a Ilhéus-Itabuna, que há muito ultrapassou sua capacidade de absorver um tráfego intenso entre as duas principais cidades sulbaianas.

Cláudia acabara de fazer compras num supermercado às margens da rodovia e voltava para Itabuna de moto, quando colidiu com um caminhão tanque. O impacto do choque foi tão forte que a frente do caminhão ficou danificada.

A técnica de enfermagem morreu antes de receber qualquer tipo de socorro e sua amiga, Maria Cristina Alves, de 32 anos, que viajava como carona na moto, sofreu fraturas no fêmur e na bacia.

A morte de Cláudia, bem como os inúmeros acidentes registrados na Ilhéus-Itabuna durante as festas de Ano Novo, chama a atenção para a necessidade de duplicar a rodovia, uma reivindicação de mais de duas décadas e que só agora deve sair do campo vago das promessas.

É óbvio que não se pode atribuir os inúmeros acidentes da rodovia Ilhéus-Itabuna ao fato de ter uma única pista com mão dupla. Há o inquestionável fator imprudência, que pode ser notado ao longo da rodovia, em ultrapassagens irresponsáveis, excesso de velocidade, etc.

Caminhão-tanque na contramão matou profissional da Saúde (Foto Pimenta).

Mas é inegável que uma pista duplicada é muito mais segura, o que em absoluto prescinde de uma fiscalização, hoje inexistente, que puna com rigor os maus motoristas.

E a duplicação da rodovia Ilhéus-Itabuna se torna ainda mais premente na medida em que nos próximos anos o Sul da Bahia ganhará equipamentos importantes como o Porto Sul, a Ferrovia Oeste-Leste e a Zona de Processamento de Exportação, ampliando consideravelmente o volume de tráfego.

O governador Jaques Wagner já se comprometeu publicamente com a duplicação da rodovia Ilhéus-Itabuna e os recursos para a obra estão disponíveis no Plano de Aceleração do Crescimento.

A seu favor, ressalte-se que Wagner não é do tipo de político que promete o que não pode entregar, nem um vendedor de ilusões.

A duplicação efetivamente sairá.

O que se precisa é que sejam superados os entraves burocráticos, agilizados os processos legais (incluindo o imbróglio ambiental, essa quase paranóia) e que, finalmente, as máquinas comecem a transformar projeto em realidade.

Em nome de tantas vidas que podem ser poupadas, duplicação já!

Daniel Thame é jornalista, blogueiro e autor de Vassoura.

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Se o jornalista e escritor Daniel Thame conferir a qualidade de mais uma pérola produzida neste Nordestão de Nosso Deus, vai se inspirar (ou não!) para produzir mais um textinho sobre os sons do verão baiano.

O vídeo abaixo traz uma dessas canções e já foi visto mais de 4,3 milhões de vezes no You Tube. Há quem goste.

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Daniel Thame | www.danielthame.blogspot.com

Estava eu curtindo a virada de ano no paraíso que é a Península de Maraú, quando resolvi comprar umas latinhas de cerveja num mercadinho de Saquaíra.

Ao passar em frente a um bar, tive mais uma vez a confirmação de que a musica baiana, que já nos deu João Gilberto, Caetano Veloso, Dorival Caymmi e Gilberto Gil e hoje nos brinda com Psirico, Parangolé e É o Tchan (sim, eles estão vivos!) é imbatível no quesito baixaria.

Quem acha que a tal “mainha, eu tô com um pepino, meu pepino é muito grande, você tem que resolver” (hit edipiano do momento) era o fundo do poço, ainda não ouviu o que eu ouvi. Mas vai ouvir, porque o lixo se alastra mais do que o mosquito da dengue…

Trata-se de uma música (?) em que a letra (?) diz mais ou menos o seguinte:

A moça trabalhava numa loja chamada B… (digamos que era uma loja de bolsas, para que se chegue mais facilmente ao nome em questão), sem carteira assinada. Quando perdeu o emprego e foi reclamar os direitos trabalhistas, o patrão fez graça:

-Mostre a sua moral, bote a B… no pau.
A rima já é medonha, mas tem mais. O refrão da música, repetido à exaustão, é

-Bote a B… no pau, bote a B… no pau, bote a B…no pau…

Enfim, o axé, o arrocha e seus derivativos são coisa de quem tem dois neurônios, sendo que um está permanentemente de férias e outro se encontra em sono profundo.

Em tempo: caso a moça resolva mesmo botar a B… no pau, do jeito que alguns juízes do trabalho produzem aquilo com que os bebês alimentam a indústria de fraldas descartáveis, vai acabar é tomando…

Melhor parar por aqui, antes que saia inspiração involuntária para outra música do gênero.

Daniel Thame é jornalista, blogueiro e autor de Vassoura.

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Daniel Thame | danielthame@hotmail.com
Inicio da década de 90. A pretexto de inaugurar novas salas de aula numa escola da rede estadual, Antonio Carlos Magalhães, o todo poderoso governador da Bahia, fez um ato público na praça Adami, centro de Itabuna.
Era só pretexto mesmo. O que ACM fez foi desancar, com a verborragia habitual, seu ex-aliado Manuel Leal, dono do jornal A Região, que lhe fazia ferrenha oposição.
Embora fosse à época o jornal de maior circulação no Sul da Bahia, A Região era tratada, bem ao estilo ACM, sem pão nem água pelo Governo do Estado. Publicidade zero.
Mas o caudilho queria mais. Depois de atacar Leal, que assistia tudo da sede do jornal, bem ao lado da praça, ACM falou sem rodeios:
-Quem for meu aliado, meu amigo, não anuncia nesse jornal de merda…
Clique aqui para ler o texto completo.

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Boa parte dessas entidades é de fachada e não raro esconde a digital de alguém ligado ao deputado ou senador que destinou o recurso.

Daniel Thame
Nem o chamado espírito natalino ou a mudança de governo, que não muda tanto assim, contém a volúpia com que uma significativa parcela dos nossos políticos avança sobre os cofres públicos.
Se a praxe comum de alguns deputados e senadores era destinar verbas do Orçamento da União para a construção de escolas, unidades de saúde, estradas e ginásio de esportes, ficando  com um percentual do valor total dos recursos (entre 10% e 20% de acordo com cálculos conservadores); agora surge uma nova modalidade de tunga, aparentemente mais rentável e comprovadamente menos fiscalizável.
Trata-se da destinação de parte considerável da cota a que cada parlamentar tem direito no Orçamento da União para a realização de festas realizadas por entidades privadas, providencialmente registradas como instituições sem fins lucrativos.
As verbas são canalizadas através do Ministério do Turismo. Seria a manjada versão do ´pão e circo´, não fosse um pequeno detalhe: boa parte dessas entidades são de fachada e não raro escondem a digital de alguém ligado ao deputado ou senador que destinou o recurso.
Sutil como um trio elétrico numa orquestra sinfônica.
Desta forma, descobriu-se, por exemplo, que o deputado Gim Argelo destinou recursos para uma entidade, que repassou 550 mil reais para que uma tal Radio Nativa FM divulgasse a festa. A Nativa FM  -só coincidência, claro- pertence ao filho de Gim Argelo, que até dias atrás era nada mais nada menos que o relator do Orçamento da União no Congresso Nacional.
E que uma deputada do Amapá mandou 5 milhões de reais para uma entidade que tem como sede uma casa sem placas…em São Paulo! E que um deputado do Distrito Federal destinou 3 milhões de reais para empresas fantasmas. E que um deputado de Goiás despachou 2 milhões e 700 mil reais para uma empresa de eventos em nome de um jardineiro. Seguem-se um monte de ´e ques´, visto que a lista é imensa e suprapartidária.
Como é mais difícil fiscalizar os gastos com festas do que com obras, lá vão os recursos para as micaretas (ou picaretas!), festas de São João (´cai  cai milhão, aqui na minha mão´) e quetais, enquanto a patuléia se vira na fila da matrícula escolar e do pronto socorro e a juventude pena com a falta de espaços para esportes.
E lá vamos nós, cidadãos comuns, a fazer o nobre papel de palhaços nessa festança/gastança o para a qual somos involuntariamente convidados, já que é o dinheiro dos nossos impostos que financia essa gatunagem, quando deveria financiar serviços públicos de qualidade.
Daniel Thame é jornalista, blogueiro e autor do livro Vassoura.
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O Rio Cachoeira, de passado glorioso e de inglório presente, está às portas da morte.
Assassinado por aqueles que deveriam preservá-lo.

Daniel Thame
Esqueçam os poemas, as canções, os quadros.
Esqueçam os artistas que, cada qual com sua arte, o eternizaram.
Esqueçam o passado.
E, muito provavelmente, esqueçam o futuro.
Porque não há futuro diante de uma morte tantas e tantas vezes anunciada.
O Rio Cachoeira, dos poemas, das canções e dos quadros, agoniza.
O Rio Cachoeira, de passado glorioso e de inglório presente, está às portas da morte.
Assassinado por aqueles que deveriam preservá-lo.
Poemas, canções e quadros podem exaltar belezas, mas não salvam rios.
Não salvaram o Rio Cachoeira.
Porque a salvação do Rio Cachoeira depende de ação, quando o que se verifica na realidade é a completa omissão.
Sobram promessas e escasseiam realizações que possam evitar o fim eminente.
A morte do Rio Cachoeira, tantas vezes anunciada até como maneira de alertar as pessoas, agora parece inexorável.
Porque cada dia que passa é um dia a menos num processo de salvação que não chega nunca.

Mergulhões nadam no rio poluído. "Bolhas" denunciam "qualidade" da água (Foto Zeka/Pimenta).

O Cachoeira hoje é um rio fétido, sujo, quase um insulto à natureza, ela que foi tão generosa a ponto de dar a Itabuna um rio caudaloso, de águas vibrantes, como a cidade que ele viu nascer, um século atrás.
O rio que era orgulho, agora se transformou em vergonha, não por sua própria culpa, por culpa dos que, durante décadas, o maltrataram.
Seu leito tornou-se um canal de esgotos, suas margens transformaram-se em depósito de lixo.
As garças ainda resistem, mas já dividem espaço com os urubus.
O rio vivo é cada vez mais um rio sem vida, triste legado às novas gerações.
A cidade assiste, impassível, a morte de um rio que a viu nascer e crescer.
Como se a morte de um rio fosse um processo natural, inexorável.
Não é.
Porque o que está ocorrendo com o Rio Cachoeira não tem nada de natural.
É um assassinato.
Frio, cruel e desumano.
Salvemos o Cachoeira.
Se é que ainda há tempo para isso…
Daniel Thame é jornalista, blogueiro e autor de Vassoura.
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O medo, como se sabe, costuma provocar cegueira e surdez. Ninguém está seguro em locais em que a presença da polícia é quase miragem.

Daniel Thame | www.danielthame.blogspot.com
Ana Clara Galdino, de quatro anos de idade, brincava com as amiguinhas na porta de sua casa, uma residência modesta no bairro Califórnia, periferia de Itabuna.
De repente, desapareceu sem deixar vestígios.
Como se fosse natural uma criança desaparecer enquanto brinca na porta de casa, mesmo diante de tantas coisas sobrenaturais que ocorrem numa periferia dominada pela violência, pelas drogas e pelo medo.
Ana Clara, que brincava com as coleguinhas quando foi raptada sem que ninguém desse conta, tornou-se um hiato.
Onde estaria Ana Clara? Perguntaram os familiares, os amigos, já que, aparentemente, ninguém viu nem ouviu nada.
O medo, como se sabe, costuma provocar cegueira e surdez. Ninguém está seguro em locais em que a presença da polícia é quase miragem.
Quatro dias depois, soube-se finalmente onde estava Ana Clara.
Ou o que havia restado da menina meiga, doce e brincalhona, na ingenuidade angelical de seus quatro aninhos de vida.
Ana Clara era apenas um corpinho abandonado num terreno baldio. Estava morta.
Ana Clara teve os cabelos raspados, o que pode indicar algum tipo de ritual macabro.
Ao lado do corpo de Ana Clara foram encontrados preservativos usados, o que pode sinalizar que ela foi vítima de violência sexual, antes ou depois de ser morta.
Com ou sem ritual macabro ou violência sexual, a morte da menina Ana Clara é dessas coisas que chocam pela brutalidade.
Porque o simples ato de matar já é injustificável.
Que monstruosidade é essa que tira a vida de uma criança?
Que insanidade é essa que transforma seres aparentemente humanos em monstros?
Que mundo é esse em que a vida não vale nada, em que crianças desaparecem enquanto brincam e reaparecem mortas num terreno baldio?
Ana Clara Galdino, 4 anos.
“Parecia uma bonequinha”, disse à polícia a mulher que encontrou o corpo.
Uma bonequinha.
À brutalidade, soma-se a ironia involuntária.
Ana Clara brincava justamente de boneca com suas amiguinhas quando foi tragada por monstros, não de fantasia, mas tragicamente reais.
Daniel Thame é jornalista, blogueiro e autor do livro Vassoura.

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Daniel Thame | www.danielthame.blogspot.com
Um estrangeiro de passagem pelo Brasil ou um ET que escolhesse esse paraíso tropical para um contato com a Terra, e que eventualmente assistisse ao horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão (convenhamos, há coisas mais interessantes a fazer, mas isso é apenas uma hipótese), haveria de pensar com seus botões ou suas anteninhas, obviamente em seu idioma:
– Ou nesse país tem um monte de gente muito parecida com o presidente ou então a democracia aqui é tão sui generis que Lula é candidato a deputado estadual, deputado federal, governador e senador, por vários estados diferentes. E de lambuja, ainda por cima, é candidato a re-reeleição…
Como diria Chico Buarque, “meu caro amigo, eu bem queria te dizer, aqui na Terra estão jogando futebol, tem muito samba, muito choro e rock´n roll”.
E tem muito, muito, muito, muito Lula na campanha eleitoral.
Nunca na história desse país se viu um presidente que nem candidato é aparecer tanto no horário eleitoral gratuito.
E nunca na história desse país se viu tanto candidato se dizendo amigo do Lula ou querendo tirar uma lasquinha na popularidade do Lula.
Para presidente, tem a candidata que tem mesmo o apoio do Lula, a que não tem, mas, na condição de ex-ministra, deixa subtendido que ele tem simpatia por ela,  e o candidato que é de oposição, mas cita o Lula no seu jingle e ainda aparece comparando sua história com a do presidente, numa tentativa de associação que é um primor de sutileza.
Nos estados, então, é candidato a governador que veio no pau de arara (o caminhão, não o instrumento de tortura) com Lula quando ele saiu, ainda menino, do sertão pernambucano para São Paulo, candidato a senador que jogou bola com Lula na sua adolescência na Baixada Santista, candidato a deputado federal que dividiu a marmita  com ele nas metalúrgicas do ABC Paulista e até candidato a deputado estadual que namorou a mesma namorada do Lula (em períodos diferentes, que chifre no amigo não pega bem!).
Se o estrangeiro ou o ET pousasse na Bahia, então, pegaria o próximo avião ou a próxima nave e se mandaria para seu país ou o seu planeta sem entender nada.
Afora candidatos a deputado estadual e federal que só faltam aboletar-se no colo de Lula (no sentido figurado, excelências), há o candidato a senador que sempre fez oposição ao presidente e aderiu há pouco, quando o barco em que navegou durante décadas começou a fazer água. Na tela, surge como amigo-irmão de Lula.
E há o candidato a governador que, mesmo sendo da base aliada que dá sustentação ao governo e que tem o candidato à vice na chapa da candidata de Lula à presidência; é o que mais bate no candidato que, indiscutivelmente é o preferido de Lula na Bahia. Bate com gosto e zelo, sem dó nem piedade, como o outro candidato, que é de oposição mesmo e esconde seu candidato a presidente (o Zé, lembram-se dele?) nem ousa fazer.
Produz-se, então, a cena inacreditável do sujeito que, com a imagem de Lula ao fundo e se dizendo parceiro do Lula, detona o candidato que o Lula apóia pra valer na Bahia.
Nessa barafunda toda, não demora muito e Lula vai dizer:
– Companheiro ET, me dê uma carona nessa nave, por que é Lula demais até para o Lulinha aqui…

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SÍMBOLO LATINO PROVOCA DOR DE CABEÇA

Ousarme Citoaian
Além de récorde, invenção pedante a nos ferir os ouvidos, tenho observado uma estranha pronúncia do nome daquele mosquitinho da dengue. A mídia o tem apelidado de a-édis egípti, numa prosódia ofensiva à origem da palavra (em latim: Aedes aegypti).  Na língua de Virgílio, o grupo AE chama-se “E ditongo” (na verdade, as duas letras se fundem, como se fosse “metade A, metade E”, formando um símbolo que nossos teclados não têm.  Há também, com a mesma estrutura, OE – sendo que o primeiro tem som de E aberto e o segundo de E fechado. Exemplos? Caesar (nome próprio) e Poena (pena). E, claro,o já citado Aedes aegypti (ambos abertos).

ET CAETERA (ETC.) É DA MESMÍSSIMA FAMÍLIA

Quando a mídia (oral) trata do assunto, além do medo de contrair a doença, me inquieta a incoerência com que a expressão é enunciada. Como as duas palavras têm o mesmo ditongo (AE), não se justifica emiti-lo na segunda (e-gípiti) e omiti-lo na primeira (a-édes). Logo, a pronúncia precisa de ser é-des é-gípiti). Fazer o “aportuguesamento” para a-édes a-egípiti seria uma sandice, porém ainda menor, pois, pelo menos, guardaria a coerência. Quem fala a-édes deveria falar também et ca-étera (para a expressão et caetera – empregada com o sentido de “e outras coisas” – em geral abreviada para etc.).

É PRECISO MAIS RESPEITO COM O MOSQUITO

Já vi até profissionais da saúde aparentemente qualificados, com esse vício.  Dia desses, um deles, talvez porque convive há muito tempo com o mosquito, tratava o bichinho pelo primeiro nome, na maior intimidade: “O a-édesa-édes faz, acontece, o a-édes isso, o a-édes aquilo…” – quando o nome é ÉDES e não A-ÉDES. Não sei latim, mas penso que estas questões precisam ser dominadas por quem tem deveres com os vários aspectos da linguagem, a prosódia inclusa. Então, em dúvidas ou interesse pelo tema, que procurem as professoras Maria Nilva de Carvalho, Wanda Magalhães ou o professor Dorival de Freitas – dentre outros latinistas.

DUKE ELINGTON, O “XAROPOSO”

Para quem ouvia jazz e MPB nos anos 60 (a moda era Roberto Carlos, Wanderleia, Wanderley Cardoso e outros), Lúcio Rangel era o guru. Sabia tudo de importante, tinha uma inacreditável coleção de discos, era corajoso na defesa de suas opiniões, conhecia todo mundo que interessava (diz-se que ele apresentou Tom Jobim a Vinícius de Moraes, criando uma das parcerias mais significativas da história). Radical, só admitia jazz tocado por negros, e para ele só contava a turma das antigas: Jelly-Roll Morton, Armstrong, Kid Ory, King Olivier, Bechet. Não a Fats Waller, Coleman Hawkins e Duke Ellington (que chamava de “xaroposo”). Dizzy Gillespie (foto) e Charlie Parker eram pouco mais do que… “lixo”.

“TORTURANTE IRONIA DOS CIÚMES”

O mundo e eu cada vez concordamos menos com o velho Lúcio, mas isso não tira o prazer da leitura de seus textos em Samba, jazz e outras notas, a coletânea feita pelo jornalista Sérgio Augusto para a Agir. Entre as delícias, “Continho da Lapa”, com referências diretas a letras de músicas brasileiras, do qual tiro este trecho: “Louco, seguia-lhe os passos, enjeitado e faminto como um cão, sob a luz do abajur de meigo tom, na torturante ironia dos ciúmes”. Lúcio era tio do lendário Stanislaw Ponte Preta e quando este morreu, o tio exclamava “Não vou chorar! Não vou chorar!” – enquanto se desfazia em lágrimas.

A DITADURA E O SAMBA “ENQUADRADO”

É muito interessante o capítulo em que Lúcio Rangel historia a passagem do tema “malandragem”, dos mais recorrentes no samba carioca, para o bom-mocismo imposto em 1937 pela ditadura de Getúlio (foto), o famigerado Estado Novo. Por exemplo, O bonde São Januário (Wilson Batista e Ataulfo Alves) era “Quem trabalha não tem razão/ Eu digo e não tenho medo de errar (bis)/ O bonde São Januário/ Leva mais um sócio otário/ Sou eu que vou trabalhar”; ficou sendo “Quem trabalha é quem tem razão/ Eu digo e não tenho medo de errar (bis)/ O bonde São Januário/ Leva mais um operário/ Sou eu que vou trabalhar”.

A SECRETÁRIA QUE LIXAVA AS UNHAS

Ligo para uma empresa, para falar com o gerente. “Quem deseja?” – pergunta uma voz indiferente, do outro lado da linha, parecendo mais distante do que está de verdade. Ainda de bom humor informo meu nome (heterônimo?) usado nesta coluna. “Como?” – interroga a moça (a esta altura, arbitrariamente, decido que ela é do tipo desenxabida, que está “se achando” e que, entre uma e outra pergunta de boba rotina, lixa as unhas). Soletro. Ela, fazendo que entendeu, põe fim à conversa: “Ele deu uma saidinha e estará retornando daqui a pouco. O senhor não gostaria de estar deixando um recado, senhor Mitoaian?” Não gostaria, pois não deixo  recado com alguém que sequer sabe anotar meu nome.

NÃO CONFUNDA PIÃO COM CARRAPETA

Vá lá que o nome não é tão simples assim, mas pior seria se eu me chamasse Amphilóphio. Se me irritei foi porque a paciência acabou, de tanto me deparar com misturas inusitadas. Conheço gente que confunde Corpus Christi com habeas corpus; tromba de elefante com conta-gotas; Jorge Araújo com Jorge Aragão; Oswald de Andrade com Mário de Andrade; babado com bico; beiço de jegue com arroz doce; Daniel Thame com Edmar Tommy; tapioca com beiju; pião com carrapeta; homem com menino crescido, marselhesa com maionese… Assim olhado, a moça que lixava as unhas cometeu um crime menor, ao misturar Cidadão (Citoyen ) com Intermediário (Mitoyen).  Não ofende, mas chateia.

A LIBERDADE VAI FICAR NO LUGAR DO MEDO

Tempo haverá em que o medo
será artigo de quinta categoria
nas prateleiras do esquecimento.

Então nos despediremos
da exatamência deste vil
relógio do tempo
a que nos vendemos hoje.

e cruzaremos fartos de coragem
a fronteira doida do imenso vale
de nossa solidão
no exercício enfim da liberdade

POESIA COM A CORAGEM DO ENGAJAMENTO

Antônio Houaiss (aquele mesmo!) anota que Jorge de Souza Araujo (foto) faz poesia engajada, “a poesia da coragem”, a coragem de assumir “a força de pôr a nu as fraquezas dos nossos becos”.  E nem se esperava caminho diverso: animal político, no sentido aristotélico da expressão, Jorge Araujo, hábil com as letras, sempre se caracterizou pela capacidade de discutir, provocar e denunciar – e explicar, se lhe permitem. No prefácio de Os becos do homem (de onde retiramos “Presságio”, acima), vem a voz de Houaiss, a insistir que a poesia de Jorge “não encobre o seu engajamento, pois se funda em duas direções políticas, a da inutilidade de certa ordem e da incapacidade dos homens dessa ordem”.

SKIP JAMES E O VIOLÃO “ENVENENADO” DE BENJOR

Skip James (1902-1969) era um cara com tudo para dar errado. Negro nascido no Mississipi, centro racista dos EUA, era filho de um ex-contrabandista de álcool e ele próprio era dado a fabricar uísque (sem CNPJ, é claro). Quando não estava fazendo funcionar sua destilaria clandestina, dedicava-se ao blues. Aprendeu a tocar órgão (provavelmente na Igreja Metodista – pois seu pai se convertera, passando de contrabandista a ministro), mais tarde, guitarra e piano. Sua guitarra emitia um som único, com afinação atípica – coisa inventada por ele. Fico pensando se não teria sido com Skip James (foto) que Jorge Benjor aprendeu a, como ele diz, “envenenar” o violão.

BLUES ANTIGO EM VERSÃO CONTEMPORÂNEA

Alvin Youngblood Hart, músico de blues nascido na Califórnia no meado dos sessenta, gravou “Illinois blues” (de Skip James) especialmente para o filme The soul of a man (sem título em português), dirigido por Wenders para a série Blues – uma jornada musical, coordenada por Martin Scorsese. O blues costuma ser cheio de gírias, duplos sentidos e locuções regionais. Neste, Youngblood subtraiu coisas como When I gin my little cotton and sell my see/ I’m gonna give my baby, everything she need (“Quando eu descaroçar meu pouco algodão e vender minha semente eu vou dar a minha garota, tudo que ela precisa”). O registro ficou pungente, digno do velho Skip.
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

AMANHÃ TEREMOS UM VERÃO BRILHANTE

As pessoas que aparecem no clip foram captadas pela lente de Wim Wenders (um luxo para esta humilde coluna) e são figurantes do Sul negro, filmadas ao a caso, sem aviso ou ensaio. O refrão de “Illinois blues” fala algo parecido como “a esperança de um verão brilhante amanhã” (Hope morning summer bright).  Wenders (foto), em comentário sobre The soul of a man, chama a atenção para o fato de que Alvin Youngblood Hart é um tipo grandalhão, a ponto de a guitarra (afinada segundo o estilo Skip James) parecer um brinquedo em suas mãos. Agora, é clicar e curtir.

(O.C.)
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Daniel Thame

Os companheiros Willian Bonner e Fátima Bernardes precisam voltar urgentemente para a faculdade e estudar melhor a diferença entre entrevista e interrogatório. O que o casalzinho fez com a candidata Dilma Rousseff na noite desta segunda-feira no Jornal Nacional foi vergonhoso.
As perguntas duras, mesmo as fora de contexto como a de comparar o Brasil com a Bolívia e Uruguai, até fazem sentido, mas interromper Dilma a todo instante, impedindo que ela concluísse seu raciocínio e fazendo com que ela parecesse confusa, não pode ser atribuído à falta de experiência da dupla Bonner & Fátima.
Leia a íntegra da análise de DT

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Eliane Oliveira recebeu Francisco Paulo Lins da Silva, vindo  não se sabe de onde, com a generosidade das mulheres apaixonadas.
Deu-lhe amor, uma família e até um emprego na instituição em que trabalhava.
Quando se descobriu que  Francisco viera das trevas, Eliane estava morta, covardemente assassinada pelo homem a quem amara e acolhera.
Leia mais no Blog do Thame

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Daniel Thame

Na procissão que se dispersa, cada qual de volta à sua vida e à sua dor pessoal, é possível ouvir alguém pensar: Mas que final trágico para uma história de amor.

No ar pesado do duplo velório, naquele momento de separação e de adeus aos corpos já sem vida, podiam-se ouvir os murmúrios de tristeza, ver as lágrimas brotando nos olhos vermelhos de tanto chorar; os abraços não eram abraços de alegria, mas de conforto e solidariedade; a dor abraçando a dor; e, unidos e ao mesmo tempo distantes, aqueles dois corpos mergulhados na imensidão do desconhecido; uma nova vida para os que creem e o nada para os que acham que a morte é o fim. Havia, naquela eletricidade que permeia os momentos de extrema dor, o choque da indignação. Por que?, todos se perguntavam; entretanto sem nada dizerem, porque já o diziam os centenas de porquês que se cruzavam em busca de uma resposta que não vinha, e se o viesse de nada adiantaria, respostas não tem o dom da ressurreição. Palavras, palavras, quais teriam sido as derradeiras palavras daqueles que já não podiam falar, nem se mover, mortos que estavam? Eu ainda te amo, não posso viver sem você, ele teria dito repetidas vezes; Mas eu não te amo mais, já tenho outra pessoa, deixe-me viver a minha vida, vá viver e sua e vivamos em paz, teria respondido ela; o amor, sempre o amor, primeiro como doce brisa que acaricia o coração, depois como faca que perpassa o peito. Eu quero viver a minha vida, seremos bons amigos, temos um filho para cuidar, ela provavelmente disse; Minha vida sem você não é vida, não consigo imaginá-la com outro que não seja eu, vamos criar o nosso filho juntos; ele possivelmente retrucou; essa paixão que cega os olhos e que começa a matar a razão. Diga sim, clama ele, Não, sentencia ela; o não e o sim se trombam no ar de uma dor que só faz aumentar à medida em que a tarde cai e é preciso dar o último antes que aqueles dois corpos sem vida sejam levados à morada da morte, cimentados na solidão do descanso eterno; mas ainda se buscam as derradeiras das derradeiras palavras, em meio ao nada de um ponto ermo da periferia da cidade que se enluta com a tragédia; Fica comigo ou não ficará com ninguém, o tom dele agora era de ameaça; Não faça isso, pense no nosso filho, você vai encontrar alguém que te fará feliz, o tom dela agora era quase uma súplica diante do que intuía que iria acontecer e aconteceu. A dor do primeiro disparo e depois a escuridão; sem tempo de ouvir e sentir o segundo disparo, menos ainda de vê-lo se auto-imolar; enterrados os corpos, o sol começa a se por na tarde sombria; na procissão que se dispersa, cada qual de volta à sua vida e à sua dor pessoal, é possível ouvir alguém pensar Mas que final trágico para uma história de amor; no quarto de um hospital próximo ao cemitério, uma mulher abatida pelo câncer, em estado terminal no frescor de seus 45 anos, parece responder ao pensamento anônimo, Morte e amor não rimam nem fazem sentido; ela que às portas da morte ainda se emociona com histórias de vida e de amor.

(Esse texto, inspirado pela genialidade de José Saramago, é dedicado a todos aqueles que acreditam no amor como fonte da vida e não da morte.)

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