Chuvas caem torrencialmente no sul da Bahia em dia de partida de Luiz Carlos Barroso || Fotomontagem Walmir Rosário
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Como diz o ditado: É triste o momento da partida, mas prefiro acreditar que o “velho Barroso” se muda deste mundo com o presságio de que os augúrios das chuvas lhes acompanhe nesta mudança.

 

Walmir Rosário

Nesta sexta-feira (10) acordei preocupado com chuvas que se abatem por toda a região Sul da Bahia e áreas limites configuradas no Alerta Vermelho emitido pelos institutos de meteorologia. Em casa, tudo em ordem, embora as incessantes chuvas nos deixem preocupados. Afinal, mesmo que diretamente não sejamos atingidos, muitas famílias sofrem com o desabrigo e a perda de bens móveis, semoventes e imóveis.

A todo instante nos chegam – via redes sociais – notícias com imagens de áreas inundadas, casas, pontes e estradas submersas, impedindo o ir e vir. Pelo que sei, os eventos da natureza não são obrigados a respeitar os ditames da nossa constituição e somente nos resta a chorar pelas desgraças que abatem os que habitam nessas áreas tristemente atingidas.

Desde menino que ouvia e até aprendi serem as chuvas o sinal de bonança, muita fartura na agropecuária, comemoradas exaustivamente pela população, o que teria criado os festejos a São João. Os mais velhos asseguravam que as mudanças em tempo de chuvas representavam bons augúrios, felicidade na nova casa, na cidade escolhida, enfim, garantia de sucesso na futura empreitada.

Mas nem sempre isso acontece. Basta recordarmos a lição feita em forma de canção deixada por Gordurinha (Waldeck Artur de Macedo, cantor compositor, radialista), em sua grande obra Súplica Cearense. “Oh! Deus, perdoe este pobre coitado/ Que de joelhos rezou um bocado/ Pedindo pra chuva cair sem parar/ Oh! Deus, será que o senhor se zangou/E só por isso o sol arretirou/ Fazendo cair toda a chuva que há…”

Mas as coisas não acontecem exatamente como queremos, de acordo com nossas vontades, que mudam a cada momento, de acordo com nossas necessidades, sejam elas prementes ou não. Pedimos chuva para não faltar água, criar animais e a plantação; sol para cumprirmos o vai e vem no nosso dia a dia, não nos molhar no ir e vir, ou simplesmente irmos à praia, pegar um bronzeado.

Mas como na música de Gordurinha, nunca sabemos como pedir: “Senhor, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho/ Pedi pra chover, mas chover de mansinho/ Pra ver se nascia uma planta no chão/ Oh! Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe,/ Eu acho que a culpa foi/ Desse pobre que nem sabe fazer oração…”. E arremata: “…Desculpe eu pedir a toda hora pra chegar o inverno/ Desculpe eu pedir para acabar com o inferno/Que sempre queimou o meu Ceará”.

Baseado na premissa de que a chuva traz felicidade, quero homenagear outro colega radialista, desta vez o operador de som (sonoplasta) itabunense Luiz Carlos Barroso, de apenas 58 anos, que faleceu na noite desta quinta-feira (9), no Hospital de Base de Itabuna. Ele foi acometido da Covid-19, que lhe deixou algumas complicações cardiovasculares, deixando a mulher (Márcia) e os filhos Roberto e Roberta.

Há muito que não nos encontramos para aquele bate-papo comprido, relembrando coisas do passado, em que trabalhamos juntos na apresentação do Programa De Fazenda em Fazenda, na Rádio Difusora de Itabuna. Àquela época cumpríamos um ritual ímpar, pois éramos quem abríamos a programação da emissora às 4 horas e seguíamos até as 7 da manhã, com um programa líder em audiência. De segunda a sábado, às 3h20min passava o carro da Ceplac em minha casa e seguíamos para a casa de Barroso.

Separados por uma parede com um painel de vidro, mais do que cumprir um roteiro do programa com sintonia, tínhamos uma cumplicidade nas ações, ao ouvir os ouvintes ao telefone e colocá-los no ar, para dar os famosos recados para as fazendas. Final do programa, numa simples conversa escolhíamos a programação musical do dia seguinte e qualquer mudança era como se fosse telepatia.

Outra ocasião trabalhamos juntos numa campanha eleitoral em que escrevi e dirigi o programa de rádio de um candidato a prefeito em Itabuna, apresentado por outro grande do rádio de Itabuna, Paulo Vicente. Fizemos um trabalho maravilhoso, tanto assim, que os temas apresentados passaram a ser discutidos em toda a cidade, principalmente os quadros humorísticos com Paulo Leonardo e Florentina Jerimum.

Um certo dia, ao ouvirmos o horário eleitoral, aconteceu o inusitado: o programa do adversário, apresentado antes do nosso candidato, respondia algumas denúncias que seriam feitas em seguida. Após analisarmos todas as questões, descobrimos que nosso programa era ouvido ao ser entregue na emissora responsável pela veiculação, por um operador que trabalhava na campanha desse adversário.

E mudamos nossa estratégia: Em vez de entregarmos à noite, como fazíamos, passamos a entregar a fita cassete às 4 da manhã, impedindo que a produção do candidato adversário pudesse fazer qualquer manipulação. E era o Barroso que, antes de abrir a Rádio Difusora, onde trabalhava, passava, de motocicleta, na outra emissora para entregar a fita do programa que iria ao ar logo mais às 7 horas. Nem precisamos recorrer à Justiça Eleitoral, pois nosso candidato estava melhor colocado e ganhou a eleição.

Enquanto a chuva continua caindo incessantemente, minha mente reproduz imagens das enchentes, das pessoas que estão sofrendo com os dissabores e choro por todas elas, como choram a família, os amigos e colegas por Luiz Carlos Barroso. Como diz o ditado: É triste o momento da partida, mas prefiro acreditar que o “velho Barroso” se muda deste mundo com o presságio de que os augúrios das chuvas lhes acompanhe nesta mudança.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Walmir Rosário e Odilon Pinto, em Brasília, na comemoração do aniversário do Ministério da Agricultura || Foto Águido Ferreira
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Realmente, os esforços de Mílton e Zé Haroldo não foram em vão. Odilon era um artista nato; um músico que tocava os sete instrumentos e ainda cantava; um comunicador por excelência e que sabia fazer se entender pelo doutor e o operário rural.

 

Walmir Rosário

Que me perdoem os puristas acostumados a tecer comentários desairosos sobre os estabelecimentos dedicados à transferência de felicidade ao gênero humano por meio da venda de bebidas e tira-gostos. Desinformados ou rancorosos, não conhecem nada do que se passa entre aquelas quatro paredes e mesas e onde se conversa sobre todos os temas, com exaltação e nenhuma briga a perdurar.

Para mim, não há melhor local recomendado para aliviar o stress, enriquecer o conhecimento, construir amizades sólidas, duradouras, mesmo que não se conheça nada de nada sobre a origem e a família do quase irmão. Chego até mesmo a nomear um boteco como um templo da cultura, dada a amplitude dos assuntos ali abordados, enriquecendo o cabedal de conhecimento dos fiéis frequentadores.

Digo, afirmo e provo! E eis que, no sábado passado, eu e os amigos Batista e Arenouca resolvemos colocar a conversa em dia e nos dirigimos ao Laginha, em Canavieiras, boteco que se preza pela cerveja gelada e bons tira-gostos. Nem bem chegamos à mesa, encontro o colega advogado Leonício Guimarães (Léo), canavieirense, ex-vereador em Itabuna, às voltas das reminiscências sobre o rádio grapiúna.

Há muito queria lembrar o texto da vinhenta de encerramento do programa De Fazenda em Fazenda e Na Fazenda do Odilon, que apresentamos – o locutor que vos fala e Odilon Pinto – há bem mais de 30 anos. Confesso que não me lembrava, mas diante da insistência de Léo, começamos a falar sobre os programas, os estilos, a qualidade da informação que levávamos a um público urbano e rural.

Para os que não conheceram ou sequer ouviram falar, o programa de rádio De Fazenda em Fazenda foi um canal de comunicação entre a Ceplac e seu público-alvo: agricultores e trabalhadores rurais, traduzindo as mensagens técnicas ao homem do campo de forma simples, alegre e descontraída. Teria de levar a mensagem técnica de forma compreensível e que produzisse resultados positivos em toda a região cacaueira da Bahia.

Alguns formatos foram pensados e levados ao ar por grandes comunicadores, mas a interação não chegava ao pretendido, até o chefe da Divisão de Comunicação, Mílton Rosário, se bater com Odilon Pinto. Só que tinha um problema quase intransponível: Odilon Pinto era comunista de carteirinha, volta e meia interrogado e preso, e não poderia trabalhar num órgão do governo federal, principalmente nos tempos da revolução de 64.

Para convencer os militares, foi necessário o aval de Mílton Rosário ao secretário-geral José Haroldo Castro Vieira, que conseguiu convencer os militares.

– O homem é bom e eu respondo por ele – garantiu José Haroldo.

Realmente, os esforços de Mílton e Zé Haroldo não foram em vão. Odilon era um artista nato; um músico que tocava os sete instrumentos e ainda cantava; um comunicador por excelência e que sabia fazer se entender pelo doutor e o operário rural. Paralelamente ao programa de rádio, Odilon criou um grupo regional, que se apresentava nos eventos técnicos e culturais da Ceplac, ou nas noites festeiras das cidades próximas.

Mas eis que chega a democracia e os homens do PMDB mudam a direção da Ceplac e resolvem, também, trocar a emissora de rádio: em vez da Rádio Jornal de Itabuna, onde era apresentado, o De Fazenda em Fazenda passou a ser transmitido na Rádio Difusora, do político Fernando Gomes. De pronto, Odilon enfrenta a direção da Ceplac, se coloca à disposição da Dicom e passa a apresentar um seu programa, agora Na Fazenda do Odilon.

Para os ouvintes isto criou uma confusão danada, pois as duas emissoras apresentavam programas parecidos, com nomes e apresentadores diferentes. E assim continuou. Após um curto espaço de tempo e muitos apresentadores, acumulo a reportagem e a apresentação do De Fazenda em Fazenda, na Rádio Difusora, das 4 às 7 horas, sem abandonar o trabalho nos veículos impressos e de vídeo da Ceplac.

Para competir com o artista e amigo dos ouvintes, Odilon Pinto, fizemos uma reformulação no programa, criando quadros com a participação de engenheiros agrônomos, médicos veterinários, técnicos agrícolas, utilizando toda a estrutura dos escritórios da Ceplac na região, além de músicas. Deu certo, e por incrível que pareça, chegamos a receber cerca de até 600 cartas por semana, enviadas por uma população quase sem alfabetização.

E Odilon continuou fazendo sucesso com seu programa. Tempos depois deixo a Ceplac (depois retornei), e Odilon Pinto resolve se candidatar a deputado estadual.

– Está eleito, diziam, basta encomendar o terno para a posse – garantiam todos.

Odilon, que sempre foi filiado ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), se candidatou pelo Partido da Reconstrução Nacional (PRN), de Collor de Mello, à época liderado na Bahia pelo empresário Pedro Irujo. A cada pesquisa o nome de Odilon Pinto aparecia com maiores pontuações. Essa confiança do eleitorado contagiou Pedro Irujo, que investiu pesado na campanha eleitoral de Odilon.

Proibido pela lei eleitoral de apresentar o seu programa, Odilon me convida para tomar seu lugar ao microfone da Rádio Jornal e entra de cabeça na campanha que poderia lhe dar uma vaga na Assembleia Legislativa. Devido a minha experiência em campanhas políticas, uma semana antes da eleição, perguntei ao candidato Odilon se já tinha elaborado o planejamento para a boca de urna. Recebi um não como resposta.

Me disse que no dia da eleição sairia de casa, votaria e retornaria ao lar, onde descansaria da campanha. Nesse dia, saí da rádio e fui a Itajuípe, onde atuava como assessor de comunicação. Uma rápida visita às entradas da cidade, observei como os políticos locais abordavam os eleitores que chegavam da zona rural para votar e recebiam promessas de vantagens. Me veio à cabeça a falta de planejamento e a mudança nas pesquisas.

Resultado, o consagrado Odilon Pinto obteve uma votação pífia, e sequer alcançou a suplência. Pouco tempo depois, Odilon conclui seu mestrado, depois doutorado em Linguística e se dedica ao ensino do português na Uesc e outras faculdades.

Antes que me esqueça, consegui lembrar do jingle de encerramento do programa:

– Acorda João Grilo, Porfírio e Odilon, que o momento é bom pra nós viajar, o jegue corre que faz até medo, e amanhã bem cedo nós torna (sic) a voltar.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Walmir Rosário faz entrevista para o programa De Fazenda em Fazenda, da Ceplac || Foto Águido Ferreira
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No dia seguinte, assim que cheguei em casa liguei para ele, que contou o imbróglio à coligada, sem convencimento.

 

Walmir Rosário

A vida de repórter nos leva a cada lugar nunca antes por nós imaginado, o que eu acho muito bom, pois passamos a ter contato com outros povos, outras culturas, enriquecendo nossa enciclopédia interior. Considero gratificante esse vai e vem, mesmo que dificulte a nossa estada em casa, hoje com a comunicação mais facilitada por vários aplicativos no celular do que nas duas décadas do século passado.

Enfim, foi essa a profissão que escolhemos e devemos exercê-la com toda a alegria e responsabilidade, pois é ela que nos dá, não só a nossa subsistência, mas nos proporciona o sentimento do dever cumprido. Claro que nem tudo são flores, e as dificuldades inerentes à profissão, compensam os dissabores do dia a dia, e muitas vezes as situações difíceis são encaradas como uma brincadeira a mais em nosso currículo.

Às vezes o “bicho pega” e foge do controle, sem mais nem menos, como já aconteceu.

Me encontrava na labuta na antiga Divisão de Comunicação (Dicom) da Ceplac (Ministério da Agricultura), na qual éramos profissionais do sete instrumentos e pouco ligávamos para as reclamações do sindicato para o exercício acumulativo de atividades. Trabalhávamos com vídeo; apresentação e reportagem de programa de rádio, portando aqueles imensos gravadores; escrevendo para os jornais externo, interno e revistas, além de releases.

Uma semana estávamos na Amazônia, na outra no Sul da Bahia, uma nova feita em Brasília, cobrindo os serviços de pesquisa, extensão, a economia e a política da cacauicultura. A depender da cobertura que fazíamos e das condições de comunicação por telefone, ainda dávamos flash para o programa radiofônico De Fazenda em Fazenda, levado ao ar em Itabuna para toda a região cacaueira. E essa era a nossa vida.

Uma certa feita fui incumbido de produzir algumas matérias de pesquisa sobre doenças que atacavam os coqueiros, em Una; sobre a cacauicultura às margens do rio Pardo, inclusive na Fazenda Cubículo, onde foram plantados primeiros cacaueiros na Bahia, em Canavieiras; e sobre as possibilidades do turismo rural na Lagoa Dourada e na gruta do Lapão, em Santa Luzia.

Matérias corriqueiras, coisas do nosso dia a dia no campo. Equipe pronta: o locutor que vos fala, o fotógrafo Águido Ferreira e o motorista “irmão” Edmundo partiram para a primeira missão em Una. Entrevista e fotos com o engenheiro florestal José Ignácio (um dos maiores especialistas do Brasil), rumamos para Canavieiras com a missão de dar sequência à pauta estabelecida.

Às 17 horas chegamos a Canavieiras e nos hospedamos no Mini Hotel e fomos à redação do jornal Tabu encontrar o editor Tyrone Perrucho, nosso ex-chefe e que se aposentara recentemente e iria nos contar sobre a merecida inatividade ceplaqueana. O encontramos às voltas do fechamento da edição quinzenal e o convencemos a adiar seu trabalho para o dia seguinte, em troca de umas rodadas de cervejas e bate-papo.

Enquanto o colega Edmundo foi à igreja congregar com os irmãos, eu e Águido seguimos com o colega recém-aposentado para o bar mais próximo no o intuito de colocar a conversa em dia. Papo vai, papo vem até que chega um filho de Tyrone para pegar emprestado o velho, porém brioso Gurgel. Daí, trocamos de bar umas três vezes, quando começa a cair uma pesada chuva e forte ventania.

E nada do Gurgel chegar. Às 11h50min chegou o sono, deixei os dois colegas no bar e rumei para hotel. Por volta as 5 da matina acordei agoniado para ir ao banheiro (culpa das cervejas) e me deparei com mais três companheiros de quarto. Mesmo na penumbra, voltei a contar os corpos estendidos nas camas: um, dois, três… E eu não acreditava. Não fui dormir embriagado, pensava e fazia uma nova contagem…o mesmo resultado.

Com discrição, abri a porta do banheiro, fui chegando perto da cama, apurei as vistas e consegui localizar o “corpo estranho” ao recinto do nosso quarto. Para minha surpresa, o quarto corpo na horizontal abriu os olhos e deu uma risada bem marota, como que pedisse calma que explicaria a sua presença naquela cama, naquele quarto de hotel. Era justamente Tyrone Perrucho. E aí surgiu uma grande dúvida: Por que ele não teria ido dormir em casa?

Com o raiar do dia, todos acordados, nos reunimos à mesa para o café da manhã, juntando a fome com a dúvida atroz: o porquê da hospedagem de Tyrone no hotel, em vez de dormir no recôndito do seu lar. Com muita tranquilidade ele passou a explicar que as nossas mudanças de bares teria sido o móvel do problema, pois ao vir entregar o Gurgel, seu filho não teria nos encontrado.

– E por que vosmicê não telefonou para sua casa informando seu paradeiro? – perguntei.

E ele explicou: com chuva e a ventania da meia-noite partiu o cabo da Telebahia que liga a ilha da Atalaia (onde ele morava) ao sistema telefônico do centro. Gozações à parte, prometemos levá-lo em casa antes de retomarmos ao trabalho. E assim fizemos, deixando-o na porta de sua casa, quando ele tentou tomar minha mochila, para que eu desse as explicações à “coligada”, como ele tratava sua esposa. Conseguiu tomar minha sacola e zarpamos.

No dia seguinte, assim que cheguei em casa liguei para ele, que contou o imbróglio à coligada, sem convencimento. Contei o caso à minha mulher e assumimos o sagrado dever de fazer um passeio a Canavieiras no próximo final de semana para explicarmos o ocorrido, com vistas a dissipar todas as dúvidas por ventura ainda existentes, e preservar a união daquela família.

E deu certo, após um sábado e um domingo de homéricas farras e explicações, finalmente prevaleceu a paz no lar dos Perrucho.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

O professor e comunicador Odilon Pinto e dois de seus filhos
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Aos 72 anos, com a diabetes aperreando, morreu vítima de infarto, deixando um legado importante para a comunicação e a educação do Sul da Bahia. Mais um exemplo de vida que nos deixa fora do combinado.

 

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

Até parece que foi combinado: Na terça-feira (12) o jornalista Tyrone Perrucho nos deixa aqui neste mundo, e na quarta-feira (13), sem qualquer aviso-prévio, toma o mesmo caminho o radialista, jornalista e professor Odilon Pinto. Além da tristeza e saudade, passo a me considerar um estranho obituarista – função que existe numa redação – essencial para informar os que partem.

Mas como dizia Odilon Pinto: “Rosário, o jornalista é o grande secretário da sociedade, o encarregado de lavrar a ata dos feitos deste mundo, sejam eles bons ou ruins, não importam, têm que ser anotados”. Há alguns anos que não via e nem tinha notícia de Odilon, que há muito se transformou numa pessoa caseira, com o ofício de cuidar da diabetes que lhe acometia e da Língua Portuguesa.

Odilon Pinto era uma artista nato, um homem show, que dedilhava o violão, tocava “sanfona” ou outro tipo de instrumento, amparado por sua voz a cantar músicas de todos gêneros, como já fizera em bandas regionais. A partir dos anos 70, se dedicou às músicas para o homem do campo, como uma extensão do programa De Fazenda em Fazenda, produzido pela Divisão de Comunicação da Ceplac (Dicom).

Narrar, em poucas palavras, a que se prestava o De Fazenda em Fazenda é essencial para conhecermos mais Odilon e sua atuação para agregar todo o pacote tecnológico da Ceplac às fazendas de cacau, convencendo produtores e trabalhadores rurais. Era a comunicação de apoio dos extensionistas, com uma linguagem apropriada para que as práticas agrícolas fossem feitas em sua plenitude. Esse era o nosso mister.

E Odilon chegou à Ceplac com uma bagagem importante: saber se comunicar de forma simples, direta, de igual para igual com os homens que permaneciam no campo e aqueles que se mudaram para a cidade. Esse traquejo vinha da sua larga militância no PCdoB, o que lhe rendeu, além de um grande conhecimento sociológico e antropológico, alguns dissabores, a exemplo do convívio no xadrez por ordem das autoridades militares.

E a necessidade da Ceplac – ainda nos anos de chumbo – e o cabedal de conhecimento de Odilon casaram-se perfeitamente. Com o programa radiofônico em alta, foram aparecendo seus subprodutos, como o “Forró do Mata o Veio” e o programa radiofônico Namoro no Rádio, que encantava a todos. Lembro bem que recebíamos até 700 cartas por semana, correspondências estas enviadas das roças por pessoas pouco alfabetizadas.

E a finalização do De Fazenda em Fazenda era a apoteose com o quadro “Vida na Roça”, tirado das singelas cartas, com toda a verve de Odilon, fazendo com que muitos chorassem. Chegaram as mudanças políticas em nível nacional, eis que a nova direção da Ceplac resolve trocar a veiculação do programa, tirando-o da Rádio Jornal de Itabuna e levando-o para a Rádio Difusora de Itabuna.

Nadando contra a correnteza, Odilon se nega a apresentar o programa na nova emissora e cria o programa Na Fazenda do Odilon, continuando na Rádio Jornal, apesar da ameaça do desemprego. Enquanto isso, continua dando suas aulas de português em diversos colégios de Itabuna, na atual Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc). Odilon era diplomado em Letras e mestre e doutor em Literatura e Linguística.

Sem perder a simplicidade, continuou apresentando seu programa das 4 às 6h40min, dando aulas nos colégios e universidade, por muitas vezes fazendo esse périplo a pé e de ônibus, numa demonstração de como administrar seu tempo. Volta e meia a diabetes lhe consumia, e ele resolvia tocar o barco pra frente, com mais uma atividade, a exemplo de uma assessoria de comunicação e até ingressar na política.

Esse seu conceito e densidade eleitoral chega aos ouvidos do então candidato a governador Pedro Irujo, que o filia ao PRN e o faz candidato a deputado estadual, com a possibilidade de estar entre os mais votados, conforme as pesquisas. Como não poderia apresentar seus dois programas, substituo-o, mantendo o mesmo estilo, enquanto ele viajava dia e noite para manter o contato com os eleitores.

Disparado nas pesquisas, Odilon comete o pecado de não planejar a famosa boca de urna, e no dia da eleição sai de casa apenas para votar e aguardar a apuração. O resultado não poderia ser dos piores, todas as suas intenções de voto foram providencialmente trocadas nas entradas das cidades, comandadas pelos prefeitos e seus cabos eleitorais, com polpudas ofertas em dinheiro ou outros bens de consumo.

A fragorosa derrota não abalou Odilon, que continuou seu labor no rádio e nas salas de aula. Anos depois, retorna ao seu antigo partido, o PCdoB, porém não se aventura a outra candidatura. E assim esse piauiense tocava sua vida, sem reclamar da sorte, nem mesmo dos períodos em que passou fugitivo trabalhando na zona rural, ou na prisão, onde sofreu todos os tipos de tortura.

Assim como o colega Tyrone Perrucho, Odilon Pinto de Mesquita Filho era agnóstico, mas convivia com as crenças. Sonhava com o delta do Parnaíba, no qual passou parte de sua vida, que levava na esportiva. Numa das nossas muitas viagens, uma delas à Amazônia, não perdia a fleuma em nos acompanhar – a mim e ao fotógrafo Águido Ferreira – nas incursões aos bares e restaurantes, mesmo que tivesse de tomar duas doses de insulina.

Com o tempo, passou a apresentação do programa na Fazenda do Odilon para o filho Rivamar e se dedicou exclusivamente à educação, aos livros e aos artigos que escrevia para o Diário Bahia. Aos 72 anos, com a diabetes aperreando, morreu vítima de infarto, deixando um legado importante para a comunicação e a educação do Sul da Bahia. Mais um exemplo de vida que nos deixa fora do combinado.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado e mantém o blog walmirrosario.blogspot.com.br

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Odilon, eu fiquei na roça. De teimoso, porque aqui é meu chão. Virei meeiro, trabalho muito e divido os ganhos com o dono da fazenda. Pra você eu posso contar; dois filhos meus foram pra Itabuna. Um trabalha no comércio,  casou, leva uma vida simples, mas é uma pessoa de bem.

Daniel Thame (para Odilon Pinto)

“Querido Odilon,   essa carta chega até você molhada pelas lágrimas de saudade, mas também de gratidão.

Ah, Odilon. Você nem imagina quantas e quantas vezes nós sentava em torno do rádio, tomando o café,  pra ouvir seu programa e

principalmente o quadro Vida na Roça.

Eram histórias de amor, de tristeza, da vida dura no campo, mas também de momentos felizes que só você sabia contar. Porque você era um de nós, Odilon.

Nós só ia pras roças de cacau depois que seu programa terminava  e já ficava esperando o dia seguinte.

A vida na roça nunca foi fácil para o trabalhador,  mas nós vivia com dignidade, fome ninguém passava. E tinha as festas, de Reis, de São João, de Natal, o povo todo das fazendas se reunia e era uma alegria de dar gosto…

Uma vez no Natal eu levei um leitãozinho pra você lá na Rádio Jornal, você me recebeu na maior simplicidade e ainda me agradeceu na rádio.

E todo mundo ouviu, Odilon, porque não tinha fazenda nesse mundão de Deus que não tivesse um rádio só pra ouvir você.

Ah Odilon, que saudade desse tempo.

Depois veio essa desgraçada da vassoura de bruxa e tudo mudou pra pior. O cacau praticamente acabou, nós ficou perdido porque pra nós o cacau nunca iria acabar.

Odilon, muitos companheiros perderam o emprego, famílias inteiras ficaram sem rumo. Teve até Tonho, pai de cinco filhos, trabalhador retado, que mergulhou na cachaça e um dia se atirou no Rio Pardo, pra nunca mais voltar.

Teve Zeca, que pegou a família e foi pra São Paulo com quase nenhum dinheiro e não mandou mais notícias. Teve Maria, que foi abandonada pelo marido, se trancou em casa com os três filhos pequenos e passou a viver do pouco que nós conseguia levar.

Tanta gente que partiu, Odilon.

Odilon, eu fiquei na roça. De teimoso, porque aqui é meu chão. Virei meeiro, trabalho muito e divido os ganhos com o dono da fazenda. Pra você eu posso contar; dois filhos meus foram pra Itabuna. Um trabalha no comércio,  casou, leva uma vida simples, mas é uma pessoa de bem.

O outro, Odilon, se meteu com uma tal de droga, já foi preso, vive  em confusão e só de falar dá um aperto no coração. Minha véia é só que chora e ora o tempo todo pra Deus tirar ele desse caminho.

Odilon, acho que tô me alongando demais.

Quero encerrar essa carta dizendo uma coisa do coração.

Você nos deixou, a vida na roça tá em silêncio, mas nós tem certeza de que a partir de agora os anjos, santos e até Deus vão parar todas as manhãs pra ouvir  você contando causos da  Vida no Céu.

Daniel Thame é jornalista.