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Cláudio Rodrigues
 
 

Durante a campanha eleitoral, o presidente eleito afirmou desejar um Brasil “semelhante ao que tínhamos há 40, 50 anos atrás”. Se voltarmos 50 anos, cairemos em 1968. Precisamos ter a esperança de que o futuro ministro da Justiça não faça como o colega e também ex-ministro Gama e Silva

 
 
1968 foi um ano conturbado, marcado por fatos que viraram de ponta cabeça o Brasil e o mundo. O jornalista e escritor Zuenir Ventura é um estudioso do referido ano. Em seu livro 1968: O Ano que não Terminou (Nova Fronteira – 1989), Zuenir cita importantes personagens, obras e músicas que fizeram parte do período.
Figuras emblemáticas como a atriz italiana e esquerdista Claudia Cardinale, o militante do MR-8 César Benjamin, “Cesinha”, que participou da luta armada, e Carlos Lamarca, “O Capitão da Guerrilha”, que militava na VPR e do MR-8 são personagens da obra de Zuenir. O livro faz referência a artistas que tiveram papel de suma importância nos anos que se passaram, a exemplo de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e Geraldo Vandré, que agitavam os festivais com suas músicas. Já o teatro era a representação do momento peças como Roda Viva. Atraíam uma geração com muita fome e sede de cultura.
Na política, o Brasil vivia uma grande tensão, passados quatro anos do Golpe Militar. A censura, punições, cassações, tortura, exílio e repressão eram a marca do governo dos generais. Diante do Regime, os estudantes inspirados no movimento Maio de 68, que acontecia em Paris, sentiram a necessidade de criar um movimento estudantil articulado politicamente e crítico em relação à Ditadura Militar.
Ao movimento estudantil os militares responderam com mais e mais repressão, e em 13 de dezembro de 1968, no governo do general Artur da Costa e Silva, o seu ministro da Justiça Luís Antônio da Gama e Silva, foi o redator e locutor do Ato Institucional nº 5. O AI-5 foi o golpe dentro do golpe: fechava o Congresso Nacional, autorizava o presidente da República a cassar mandatos e a suspender direitos políticos, o habeas corpus deixava de existir, a censura estava oficializada e outras medidas repressivas foram adotadas.
Gama e Silva foi jurista, juiz do Tribunal de Contas, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e reitor da mesma USP. Enquanto reitor da USP, elaborou a lista com nomes de professores universitários, colegas seus, que viriam a ser processados no Inquérito Policial Militar da USP, entre os quais Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso. Pelo papel de dedo-duro de Gama e Silva foi agraciado com o cargo de Ministro da Justiça.
Outubro de 2018! O deputado e capitão reformado do Exercito Brasileiro Jair Messias Bolsonaro é eleito presidente do Brasil, na oitava eleição direta pós-Ditadura Militar. O presidente eleito escolhe para chefiar a futura super pasta da Justiça o juiz de direito Sérgio Fernando Moro. Moro tornou-se uma espécie de “herói nacional” depois de ser o juiz da Operação Lava-Jato, que desvendou um esquema de corrupção que envolvia políticos e seus partidos, empreiteiros e grandes empresários.
Juiz de primeira instância, Sérgio Moro usou e abusou da prisão preventiva, sem previsão, para obter delações premiadas. As delações tinham aceitação e valia rápida quando envolvia pessoas ligadas ao Partido dos Trabalhadores. Dessa forma o “juiz herói”, mandou para a cadeia figuras de proa do PT, incluindo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O petista era líder nas pesquisas de intenções de voto e maior nome da esquerda na América Latina, em uma ação muito questionada por juristas do Brasil e do exterior, inclusive o Comitê de Direitos Humanos da ONU.
Mesmo preso e impedido pela justiça brasileira de disputar o pleito de outubro último, o ex-presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores lançaram seu candidato e a apenas a seis dias da disputa do primeiro turno das eleições o “juiz herói”, liberou parte da delação do ex-ministro dos governos petistas Antônio Palocci, delação rejeitada pelo Ministério Público Federal e aceita pela Policia Federal e o juiz Sérgio Moro. A divulgação da delação de Palocci fez a festa dos opositores do PT e por pouco o capitão reformado não levou a disputa já no primeiro turno.
Passado a eleição, o “juiz herói” é agraciado com o convite para assumir o Superministério da Justiça. Mais: o capitão reformado e presidente eleito diz, em entrevista à imprensa, que o trabalho do “juiz herói” o ajudou a crescer politicamente. Já o vice-presidente eleito, o general Hamilton Mourão, que não tem papas na língua, soltou que o convite ao juiz foi feito ainda durante a campanha, o que deixa uma imensa suspeita no ar em relação ao papel do “juiz herói” no processo eleitoral.

Durante a campanha eleitoral, o presidente eleito afirmou desejar um Brasil “semelhante ao que tínhamos há 40, 50 anos atrás”. Se voltarmos 50 anos, cairemos em 1968. Precisamos ter a esperança de que o futuro ministro da Justiça não faça como o colega e também ex-ministro Gama e Silva, uma vez que existem algumas semelhanças nos “méritos” que os levaram a chefiar a pasta. Zuenir Ventura acertou: 1968 é o ano que insiste em não terminar.

Cláudio Rodrigues é consultor e colaborador de Pimenta.

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HÉLIO PÓLVORA E A ESCOLHA DO SIMPLES

Ousarme Citoaian

O título do primeiro romance de Hélio Pólvora (foto), Inúteis luas obscenas, é um achado, mas não surpreende: jornalista de batente (além de contista, ensaísta, cronista, tradutor e crítico de cinema) ele sabe a importância de bem titular (até procurou, em vão, convencer disso seu compadre Euclides Neto, que criou títulos não muito inteligíveis, como Machombongo). Mas o melhor de Inúteis luas obscenas não é o título, é o próprio livro, um retorno ao bom e velho estilo de contar histórias com começo, meio e fim. Senhor de erudição suficiente para atingir o esnobismo (poucos brasileiros leram tanto quanto ele), Hélio fugiu dos experimentos estéreis, em privilégio do simples.

O LEITOR ESCOLHE O FINAL “MELHOR”

Surdo é personagem recorrente em contos do autor. De tanto perturbar o sono do contista foi parar no romance – um romance que se lê de uma sentada, tal a qualidade da narrativa, que pega o leitor pelo colarinho e o leva, subjugado, à última página – quando, surpreso, será chamado a decidir entre dois epílogos. Inúteis luas obscenas é um tratado sobre a solidão humana, estampada em anti-heróis condenados à vida miserável, sem perspectiva de romper seu círculo de pequenez, empurrados para um final em que nenhum tipo de libertação é possível. Nesse ambiente, duas mulheres fortes (“Somos duas cobras venenosas”, diz uma delas) se destacam: Celina e Regina.

AROMAS, CORES E SABORES DE CACAU

Surdo (que talvez nem seja surdo) é dado a leituras e filosofias, pensa, medita e dá mostras de ter visitado os bons autores. “Os maus têm uma felicidade negra”, cita Victor Hugo (foto). Envolvido com luas azuis, vermelhas e obscenas, e um amor não convencional, Surdo é um homem incompreendido e portador de certa carga de amargura – na grande sabedoria há grande pesar, ensina o Eclesiastes. Resta dizer que Hélio Pólvora é um escritor da zona cacaueira (“Sou um pobre homem de Itabuna”, diz ele, parodiando Eça), e seu romance tem cheiros, cores e sabores de teobroma, ainda que seja universal, na medida em que trata do sofrimento do ser humano, presente em todas as latitudes.

TEXTO PRAZEROSO, INOVADOR E ECONÔMICO

O clima de tragédia é acentuado por um prólogo em cada capítulo, à moda do coro do teatro grego, e referências a entes mitológicos (na gravura, Édipo). O romancista esparge constantes pitadas de lirismo sobre seus embrutecidos personagens, o que enriquece e “humaniza” a história. No entanto, esse olhar, que às vezes parece cúmplice e protetor, não subtrai a Inúteis luas obscenas seu conteúdo de tragicidade. Há de ressaltar-se (afora essa leitura pessoal), o texto prazeroso, econômico (sem chegar à mesquinharia de Dalton Trevisan), conciso, sem sobras nem faltas. A sensação é de que valeu (muito) a pena esperar pelo primeiro romance de Hélio Pólvora.

O QUE NOS IRRITA TAMBÉM NOS MELHORA

Teria sido o velho e suíço Gustav Jung (foto) quem disse: “Tudo o que nos irrita nos outros pode nos levar a um conhecimento de nós mesmos”. Assim, coisas que a gente combate, como ingratidão, injustiça, traição, inveja, ciúme, medo ou impaciência e, no meu caso, a má concordância, a regência pífia e os lugares-comuns, pode significar que nós próprios somos portadores desses defeitos. Entendo ser imperativo que eu, crítico iconoclasta da obra alheia, exerça essa mesma exigência em relação a meus textos. E eu a exerço, embora considere normal não ter a isenção suficiente e ainda deixar contaminar minhas opiniões pela excessiva carga de autocompaixão.

NO INESPERADO, O EROTISMO VOCABULAR

Em maré de citações (hei de ter cuidado, pois Newton disse que quem cita muito não tem idéias próprias) ponho em campo o pensador francês Roland Barthes (foto), para quem as palavras se tornam eróticas pela excessiva repetição. Confesso que sinto esse erotismo vocabular (parece que inventei isto agora!) no inverso da repetição, que é o inesperado. O texto novo e simples tem uma força estranha que me agride (no melhor sentido), me pega pelo colarinho e me transporta a mundos distantes. Arrisco-me a perder os leitores exigentes, pois acabo (ai de mim!) de me pôr em posição contrária a Barthes (se vivo, não creio que ele ficasse muito preocupado com minha opinião…).

TEXTO QUE NOS EMBALA E TRANSPORTA

A verdade é que experimento um prazer muito grande com frases corretas, desde que despidas de pedantismo. Elas mexem em minha alma, me embalam e me transportam, como esta, um verso de sete sílabas: “Onde eu nasci passa um rio…”. A partir desta frase de Caetano Veloso é possível escrever romance, novela, crônica, conto… ou não escrever coisa nenhuma, mas será impossível não pensar e não sentir. “Onde eu nasci passa um rio” é texto a um só tempo refinado e simples. Uma das melhores frases da MPB, provocativa, por isso nova e boa, digna de ser tema de redação de vestibular para qualquer curso. Em prosa ou verso.

LIVRARIA ENTRE NÓS, NEM PRA REMÉDIO

Há variadas formas de medir o desenvolvimento cultural de uma comunidade: universidades, livrarias, editoras, cinemas, teatros e outras. Itabuna e Ilhéus (principais cidades da região) não têm, a rigor, nem uma livraria para remédio (temos casas que vendem, dentre outros itens, livros). Quanto aos outros padrões citados, estamos também em grande déficit – e é deplorável dizer que já estivemos em melhores condições do que hoje. Quer dizer: no que respeita a esses valores, andamos para trás. Ou, no máximo, de banda, no melhor estilo Ucides cordatus, também chamado caranguejo-uçá.

XADREZ POR AQUI SÓ A CADEIA PÚBLICA

Um leitor indignado nos ofereceu outro metro comparativo (igualmente empírico, é verdade) do nosso nível cultural: quase a ponto de nos confundir com o Procon, ele reclama que vasculhou Ilhéus e Itabuna para, surpreso, descobrir que é impossível, em cidades tão culturalmente ”avançadas”, comprar um jogo de peças de xadrez, com o mínimo de qualidade. Ora, vejam só. O chamado nobre jogo é mesmo um padrão interessante para o caso. O leitor diz que Vitória da Conquista, por exemplo, tem o xadrez na escola fundamental, como prática educativa. Aqui, xadrez é apenas a super-povoada cadeia pública.

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LUIZ GONZAGA E O INCÔMODO “VOZES DA SECA”

Dia desses, falamos aqui no médico Zé Dantas, um dos dois maiores parceiros de Luiz Gonzaga – o outro foi o advogado Humberto Teixeira (foto) – quando listamos “Vozes da seca” entre os clássicos do médico pernambucano. Luiz Gonzaga, na minha modesta opinião, foi o maior músico pop do Brasil (com a morte dele, creio que o lugar é de Gilberto Gil), mas é preciso lembrar, nem que seja apenas em favor da fria verdade histórica, que o Rei do Baião foi um conservador exacerbado, apoiou o golpe de 1964, chegou a dizer que não havia tortura no Brasil – e “Vozes da seca” o incomodava. Sei de um show em que ele, ao pedirem esta música, se recusou a cantá-la, com uma frase marota: “Não me lembro da letra”.

O CONSTRANGIMENTO DOS JOVENS COLEGAS

Gonzaga sempre teve horror a políticos de esquerda. Passou nove anos no Exército, quando aprendeu a admirar os militares, sendo amigo do presidente general Dutra, de quem animou muitos saraus palacianos – e, mais tarde, de Marco Maciel. Talvez não por acaso, “Boiadeiro”, a toada com que costumava iniciar suas apresentações, é de dois ex-militares (Armando Cavalcante e Clécius Caldas) que conhecera na caserna.  Já no governo Médici (o mais sanguinário dos generais da ditadura) ele decepcionou os colegas engajados na luta política, a exemplo de Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Geraldo Vandré (foto).  E o mais constrangido de todos com esse comportamento era Gonzaguinha, filho do Rei.

POR BURRICE, “ASA BRANCA” FOI CENSURADA

A ditadura, que nunca respeitou nem mesmo os que apoiaram o golpe, também não poupou Luiz Gonzaga, proibindo-o de cantar (era o governo Médici) “Vozes da seca”, “Paulo Afonso” e “Asa branca” (as duas primeiras com letra de Zé Dantas, a segunda de Humberto Teixeira). As razões da censura: “Vozes da seca”, por ser música de protesto, e “Paulo Afonso”, por ciúmes – exalta os presidentes Getúlio, Dutra e Café Filho; já “Asa branca” foi censurada devido à burrice que grassava no governo – a ditadura era um monstro sem cabeça e, logo, sem juízo. Em 1980 (sob o general Figueiredo), Luiz Gonzaga gravou “Caminhando”, o “hino” de Geraldo Vandré; em 1981 fez as pazes com Gonzaguinha.
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

UMA EDIÇÃO COM MUITAS LÁGRIMAS

Este vídeo foi editado com lágrimas, especialmente para a coluna. As imagens mostram o sertão nordestino torturado pela seca, aquele ambiente de intenso sofrimento (físico e, por consequência, psicológica) que inspirou o ginecologista e compositor José de Souza Dantas Filho, o Zé Dantas (1921-1962). O ano é 1953. Algumas cenas são de Vidas secas (1963), filme de Nelson Pereira dos Santos (foto), que também merece nossa homenagem menos tardia do que sincera. Clique.
(O.C.)