Irmã Nenza em foto de várias gerações da família: 110 anos de vida || Foto Gilvan Rodrigues/Pimenta
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Gilvan Rodrigues, especial para o PIMENTA

Ela superou guerras, enchentes, conviveu com Lampião e Maria Bonita, viveu as mudanças na tecnologia. Viu passar 34 presidentes no Brasil. Ana Maria de Jesus, ou simplesmente Irmã Nenza, como prefere ser chamada, comemora, nesta quarta-feira (20), 110 anos de vida. Ela, pelo que se tem notícia, é a pessoa mais longeva de Itabuna. E credita o passar dos anos e a experiência centenária à boa criação e, evangélica, à proteção de Deus.

Irmã Nenza nasceu em Rio Novo, antigo nome de Ipiaú, em uma fazenda na região das Tesouras, propriedade de Augusto Lopes. Veio para Itabuna trazida por uma prima, aos 20 anos de idade, e aqui mora até hoje.

Alimentação e exercício físico, ela revela, é a receita para chegar lúcida aos 110 anos. “Comia toucinho de porco (alimento gorduroso) e carne de boi bem cozida. Mas, no outro dia, comia outras coisas. É o que minha mãe fazia e me aconselhava”, diz.

E, aliado à alimentação, exercícios. “Caminhei muito na lida na roça”, conta Irmã Nenza. “Ela sempre andou muito até os 90 anos. E gostava de capinar os quintais próximos do Campo Formoso”, diz a advogada Daniele Novais, que foi moradora do bairro e acompanhou a entrevista, e tem apoiado Irmã Nenza oferecendo apoio social e jurídico. Ambas congregam na Igreja Batista Teosópolis.

Das muitas histórias, Irmã Nenza gosta de falar de Lampião, que conheceu no sertão e diz ter sido um homem maldoso. “Se você gostasse de pimenta, ele te fazia comer um frasco. Ele chegava com os camboeiros, os valentões e gritava: Maria Bonita tá hora de fazer o café“.

SAÚDE

Irmã Nenza conta que sempre teve boa saúde. “Eu tomava purgante e remédio pra verme de seis em seis meses e óleo de rícino”, diz.

“Meu pai sempre nos dizia que que nós éramos de uma família que aturava (vivia) muito. Nenza tu és uma filha de benção”, dizia o pai, que viveu 101 anos. Hoje o problema de saúde de irmã Nenza é a baixa visão. Diz que dorme bem, acorda sempre às cinco da matina. Sua grande preocupação é o filho mais velho, que mora em Bom Jesus da Lapa.

“Eu fui muito bem criada seu menino. Eu guardava resguardo”, conta Irmã Nenza. Resguardo é o período, a quarentena que a mulher deve fazer após a gestação.

Irmã Nenza teve 10 filhos, com Zezo, o segundo marido, dos quais cinco estão vivos, três mulheres e dois homens. O mais velho mora em Bom Jesus da Lapa. Os demais residem na mesma rua, em casas separadas.

MAIS DE 500 PARTOS

Irmã Nenza foi parteira. Fez o parto de 500 crianças, como conta, realizados na fazenda de José Augustinho, onde morou, na região do antigo lixão de Itabuna.

Casou-se aos 17 anos, porém a união não deu certo. Desse episódio o que ela traz de lembrança é o vestido branco que usou com o ramo na mão, que pretende repetir em alguma ocasião.

Nenza e os segredos da longevidade: boa alimentação, exercícios e fé || Foto Gilvan Rodrigues/Pimenta

NOVA VIDA, FAMÍLIA E GRATIDÃO

Após a primeira experiência de vida a dois, Nenza uniu-se a Zezo, com quem teve 10 filhos. “Eu sou grata a minha família. Hoje tenho a vista curta e minhas filhas, netos e bisnetos vêm sempre aqui me ajudar a fazer as coisas”.

A mãe de Nenza não teve a longevidade da filha. Viveu só até os 40 anos. “Meu pai consumiu muito minha mãe, bebia muito. Dizia pra minha mãe: Vou pra Rio novo, aí montava na mula ia pra rua do Francês e voltava embriagado”.

Nenza gaba-se por saber escrever, mas revela qual seu orgulho. “Estudei até Nosso Brasil e Carteira do Povo. Aprendi a fazer meu nome direitinho”, relatou. Hoje orgulha-se de ter netos na universidade.

RELIGIÃO

Cuidar da espiritualidade é algo que, para ela, foi fundamental para chegar firme aos 110 anos. Irmã Nenza é membro da Igreja Batista Teosópolis de Itabuna. É da Congregação da IBT do Campo Formoso, próximo onde mora, no Loteamento Dom Paulo, no bairro Jorge Amado.

Nenza atribui um dos segredos da sua longevidade à fé. “Quando me aparece uma dor, eu peço e Deus me cura. Sou crente. No dia (de culto) que não vou à igreja, fico doente. Quando vou, volto curada”, disse. E fala da conversão. “Eu não sabia o que era Deus. Passei para a lei de crente e hoje sei o que é Deus”.

Irmã Nenza disse que tem uma relação forte com a igreja. “Eu amo, gosto da minha igreja. De Dani [a advogada], Geraldo [Meireles, pastor-presidente da IBT], Val. É um povo que eu gosto”. Ela também participa da reunião das mulheres.

Na celebração do aniversário da Teosópolis, no sábado (16), a presença de Irmã Nenza foi festejada. “Quero registrar a presença de Irmã Nenza. Quando nossa igreja foi fundada Irmã Nenza já tinha 42 anos”, saudou o pastor Geraldo Meireles. Irmã Nenza foi aplaudida.

SIMPLICIDADE NO VIVER

Irmã Nenza mora em uma casa simples na Rua Dom Paulo, no bairro Jorge Amado. Relata grande gratidão ao ex-secretário doutor Baldoino Azevedo e ao ex-prefeito Geraldo Simões pela doação da casa onde mora. “Eu falei: Geraldo quem vai ganhar pra Fernando Gomes é você e preciso de uma casa pra morar. Ele ganhou e conseguiu pra mim”, contou.

Ela vive com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) do INSS. “Eu não ganho décimo”, lembra. É assistida pelo Mercado Solidário, programa de fornecimento de alimentos da Igreja Teosópolis.

ANIVERSÁRIO

Como faz todos os anos a igreja celebra o seu aniversário. Irmã Nenza demonstra um grande carinho pelo casal formado pelo pastor Geraldo Meireles e a esposa dele, Valdeci Meireles. Na conversa, pediu para gravar um vídeo e enviar para o pastor. “Val e Geraldo, eu não te vi na inauguração (aniversário) da igreja. Quanta saudade”. Falou de forma eloquente com um gestual interessante que é comum quando se expressa.

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Vovô era dos principais nomes da capoeira itabunense (Foto Webnode).
Vovô era dos principais nomes da capoeira itabunense (Foto Webnode).

Neste sábado (5), amigos de Antônio Neviton dos Santos, “Vovô”, do Grupo Raça, prestam homenagem ao contramestre que faleceu há um ano, vítima de infarto.
A homenagem será na Praça Otávio Mangabeira (Camacã), às 10 horas, em roda de capoeira da qual participarão figuras como os mestres Lampião e Risadinha. Vovô era ligado ao esporte e também participava de projetos sociais no município.

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A TELEVISÃO E SUA LINGUAGEM RASTEIRA

Ousarme Citoaian
Do jeito que a coisa anda, terminaremos nos comunicando por sinais de fumaça. Escrever (ou falar) de acordo com o que a norma preceitua virou coisa arcaica, sem graça e de difícil entendimento. E a mídia (façamos aqui um mea culpa) tem muito a ver com isso, sobretudo a tevê, que defende como princípio uma linguagem cada vez mais rasteira, cooptando, lentamente, a sociedade: os folhetins (a que chamam novela), antes considerados “produto para domésticas analfabetas”, hoje são matéria de teses de doutoramento nas universidades (e quem empregar a frase aspeada será tido como preconceituoso e politicamente incorreto). São ásperos os tempos.

ANTÔNIO MARIA, A FRASE PARA A HISTÓRIA

O processo de erosão intelectual é bem antigo. Sérgio Porto (o Stanislaw Ponte Preta) nos conta esta: Antônio Maria (cronista, compositor, narrador de futebol, roteirista e apresentador de programas de rádio e televisão), foi solicitado por Péricles do Amaral, então diretor da TV Rio, a copidescar uma matéria. A ideia era tornar o texto mais simples, ao alcance do público menos escolarizado. O trabalho do autor de Ninguém me ama não satisfez o chefe, pois este achava que o texto ainda poderia ser mais simples. O bom Maria refez a tarefa, porém, ao entregar a nova adaptação, produziu uma frase para a história: “Pior do que isto eu não sei fazer”.

DE COMO TORNAR PERPÉTUA A IGNORÂNCIA

A tevê, em seu objetivo de atingir as camadas medianas da população, derrapa tanto em linguagem quanto em conteúdo. A linguagem (seja na tevê seja na literatura de ficção, por exemplo) precisa ser simples, sem ser indigente. Nunca é demais repetir que a simplicidade é uma qualidade do estilo. Portanto, ser simples, sem ser rasteiro, não é defeito, é virtude. Já a questão do conteúdo é mais difícil: William Bonner, editor do Jornal Nacional, comparou o telespectador médio a alguém simplório como o personagem Homer Simpson, “incapaz de entender notícias complexas” – daí o JN só divulgar o “simples”. Este, sim, é um argumento destinado a perpetuar a ignorância.

PROVA DE DESRESPEITO AO LEITOR/OUVINTE

Costumo dizer que jornalistas detêm, basicamente, o mesmo saber. Eles se diferenciam na ética, no comportamento moral e na (in) dependência com que atuam – mas se equivalem em domínio da linguagem (ou não são jornalistas, são enganadores). Todos eles sabem o que é sujeito e predicado, estudaram e apreenderam noções de concordância, regência e acentuação (se não estão seguros sobre o emprego do hífen, não os culpemos – afinal de contas, ninguém sabe usar esse sinalzinho nefasto, depois do último Acordo Ortográfico). Por que erram tanto? – perguntaria a leitora ingênua (ainda há leitoras ingênuas?), a quem eu diria: erram por falta de cuidado, desleixo e conseqüente desrespeito ao leitor/ouvinte.

CUIDADO COM O REBANHO BOVINO NAS RUAS

Em dias recuados, na aventura de assistir a um noticiário de tevê, dei de cara com uma reportagem do Extremo Sul da Bahia, alardeando o progresso econômico daquela região. Lá pras tantas, o repórter destacou que, além da agricultura, existe em Teixeira de Freitas um notável crescimento da pecuária. E saiu-me com esta pérola: “Tanto é assim que a cidade já possui o quarto rebanho bovino do estado”. Pálido de espanto, pensei no inferno que seria a cidade conviver com tantas vacas, bois, bezerros e touros nem sempre de bom humor, a atravancar ruas e amedrontar pessoas. Ao que me consta, nem a Índia (onde as vacas, por tradição religiosa, têm sagradas até as fezes e a urina) se viu igual pesadelo.

PARA UM BIFE, 15 MIL LITROS DE BOA ÁGUA

Devidamente traduzida e digerida a notícia, filosofei, a respeito do repórter: tão jovem, bem vestido, mas tão descuidado! Tudo ficaria simples e claro se ele dissesse que “o município” etc. etc., pois é regra conhecida que a pecuária não se pratica na cidade: é lá no campo que ela se exerce, sob protesto dos ambientalistas, que querem os bois extintos (um bovino, até que passe de bezerro a bife acebolado, bebeu milhões de litros de boa água – sendo que o tal bife acebolado “custa” cerca de 15 mil litros – mas esta é outra história). Voltando à pérola, é o que dizíamos na abertura deste tema: o repórter, por certo, está careca de saber que município e cidade são valores bem diferentes. Descuidou-se.

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DE TROPEIRO A ATOR, POETA E COMPOSITOR

Zé do Norte (por extenso, Alfredo Ricardo do Nascimento, em Cajazeiras/PB) trabalhou na enxada sob o sol do sertão nordestino, foi tropeiro e apanhador de algodão. Em 1921, alistado no Exército, foi servir no Rio de Janeiro e, a partir de um convite de Joracy Camargo, embrenhou-se no meio artístico e foi em frente: virou cantor, compositor, poeta, folclorista e ator. Jogava nas onze e chutava com as duas. Trabalhou nas principais emissoras de rádio da época, foi consultor do sotaque nordestino em O Cangaceiro (Lima Barreto) e, graças a esse filme, ficou conhecido mundialmente com Muié Rendera (ou Mulher Rendeira). Fez cerca de cem canções, algumas delas com revisitas modernas de Nana Caymmi, Raul Seixas, Maria Bethânia e Joan Baez. É tido como “descobridor” de Luiz Gonzaga.

CANGACEIRO-POETA OU POETA-CANGACEIRO?

O músico pernambucano (1926-2006) ensinou a arte a Baden Powell, Paulo Moura, Menescal, Sérgio Mendes, Nara Leão, João Donato. Não é pouca coisa. Dele, Vinícius disse (Samba da Bênção): “Moacir Santos/tu que não és um só, és tantos”. Sua estreia em gravação se deu com o álbum Coisas, “um dos melhores discos brasileiros de todos os tempos”, segundo a revista Rolling Stones. São dez faixas – Coisa nº 1, Coisa nº 2, Coisa nº 3 (e por aí vai), mas Coisa nº 1 não é a primeira faixa, é a 8ª, Coisa nº 8 é a 10ª e Coisa nº 5 é a 3ª. Coisa confusa, não? Coisa mais linda é Sônia Braga, que enfeita, acompanhada de figuras carimbadas da Globo em 1980, Coisas do mundo, minha nega, do elegante, fino, inteligente, discreto e terno Paulinho da Viola. Faltou alguma coisa? Então vá: genial.

LAMPIÃO: “TU ME ENSINA A FAZER RENDA”

Volta Seca e Zé do Norte foram contemporâneos (Zé do Norte era dez anos mais velho) e, ao que consta, chegaram a trabalhar juntos como consultores de O Cangaceiro. Mesmo assim, o ex-integrante do bando de Lampião não se mostrou incomodado com a Muié Rendera cantada pelo grupo paulistano Demônios da Garoa (a letra de Zé do Norte, não a dele). E não se pode ignorar a versão também corrente de que o autor não seria nenhum dos dois, mas o mítico Lampião, o Rei do Cangaço. Enfim, a autoria da letra simplória de Mulher Rendeira tem lá seus mistérios, mas a Zé do Norte cabe o mérito da adaptação conhecida por várias gerações de brasileiros, há quase 60 anos. A dupla Marco Pereira (violão) e Gabriel Grossi nos mostram o que a composição tem de melhor, a melodia.
(O.C.)