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Gustavo Haun | g_a_haun@hotmail.com

Ficam evidentes em O Nó o despreparo da Ceplac com a praga (mesmo a VB sendo conhecida nas regiões amazônicas e pela Ceplac deter uma verba superior ao do estado de Alagoas), o descaso dos governos com os produtores e a falta de representação política da região para levar o assunto em nível nacional.

O mundo está sofrendo enormes convulsões em todas as áreas. A todo instante são noticiados levantes, intifadas, revoltas, catástrofes.

Filhos matando os pais e pais matando os filhos já passaram para a ala do bestial cotidiano.

Drogadição, ser humano vivendo em lixões, abortos, penas de morte sumárias (sem julgamentos!), lavagens de dinheiro, falta de fé no próximo e em algo superior. Enfim, essa parece ser a trajetória atual do homem pós-ultramoderno mergulhado em longa crise identitária.

Como se não bastasse, há ainda aqueles que desprezam a História, o outro, desdenham da condição alheia, invejam os que estão em postos de comando e, assim, fazem de tudo para derribá-lo, mesmo que com isso custe a vida de milhões.

É nessa perspectiva que se deve assistir ao incrível documentário O Nó, dirigido, produzido e roteirizado por Dilson Araújo.

O documentário trata da inserção da praga moniliophtora perniciosa, vulgarmente apelidada de vassoura-de-bruxa ou VB, no ano de 1989, em toda a região cacaueira do sul da Bahia.

Através dos meios de comunicação fica-se sabendo que as verbas para a realização do documentário foram conseguidas entre os cacauicultores, entidades e empresas do ramo agropecuário – para denunciar e também servir de prova em peça jurídica -, e, à primeira vista, pode-se ter uma ideia preconcebida de unilateralidade, parcialidade, coorporativismo, ou seja, um filme para defender o lado dos antigos sinhozinhos e coronéis.

Mas não se trata disso. Pensar assim é pensar tacanho em frente aos fatos.

O documentário O Nó desvela uma realidade amplamente comprovada, vivida, sentida. Documentos oficiais perpassam por todo o enredo do filme, aliados aos depoimentos técnicos elucidadores e narrações (embora lentas, baixas e insípidas) que nos fazem ter uma visão mais global, percebendo a hecatombe biológica que aconteceu no sul do estado.

Ficam evidentes em O Nó o despreparo da Ceplac com a praga (mesmo a VB sendo conhecida nas regiões amazônicas e pela Ceplac deter uma verba superior ao do estado de Alagoas), o descaso dos governos com os produtores e a falta de representação política da região para levar o assunto em nível nacional.

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Ricardo Ribeiro | ricardo.ribeiro10@gmail.com

É impossível assistir ao filme sem ficar permanentemente com um nó na garganta e um embrulho no estômago, além do sentimento de impotência diante da crueldade.

A dispersão da praga da vassoura-de-bruxa na região cacaueira não foi algo natural e isso ficou totalmente comprovado em inquérito conduzido pela Polícia Federal há alguns anos. As investigações não conseguiram apontar os autores, mas concluíram que a forma como a doença se instalou denuncia um “modus operandi” todo especial, um plano macabro e destruidor, um ato humano deliberado, como sugere o excelente e fundamentado documentário produzido por Dilson Araújo.

O filme traz uma série de depoimentos e documentos oficiais, além de histórias de perdas financeiras, familiares e humanas ocorridas nessas terras a partir do fim dos anos 80 do século passado. Foi o fim de uma era, e é impossível traduzir em palavras a tragédia que se deu nessa região, onde mais de 250 mil trabalhadores perderam seus empregos nas fazendas de cacau e o êxodo para as cidades chegou a 800 mil pessoas.

Pesquisadores ouvidos no documentário atestam que o inchaço das favelas e todos os problemas sociais que vieram a reboque, como a falta de infraestrutura e a violência, têm relação direta com a bruxa que assombrou a região. Suas consequências foram também ambientais, com a destruição do sistema da cabruca em 600 mil hectares de fazendas. Muitas áreas onde a Mata Atlântica permanecia intacta, em uma convivência produtiva e ecológica de mais de dois séculos, foram transformadas em pastagens e a madeira nativa foi alimentar as serrarias.

Tragédia. Crime. Holocausto. Genocídio. Qual a palavra certa para descrever o que se deu nessa região? O Nó apresenta várias, sem deixar de mostrar que os cacauicultores foram vítimas duas vezes. Uma quando a vassoura se instalou, com galhos amarrados diligentemente por mãos assassinas; a outra quando a Ceplac recomendou providências equivocadas, que levaram os produtores a assumir dívidas que lhes atormentam até hoje. Os bancos exigem que eles paguem pelo que não surtiu efeito e o governo não assume o ônus pela falha.

É impossível assistir ao filme sem ficar permanentemente com um nó na garganta e um embrulho no estômago, além do sentimento de impotência diante da crueldade. São histórias destruídas, vidas destroçadas, uma cultura secular que deixou de existir por obra e graça de alguma ideia psicótica. De quem? A polícia diz que não sabe.

Não por acaso, O Nó é narrado quase num sussurro, por uma voz que parece ser de alguém que fala em meio a um velório. O tom é triste, o filme fala de morte.

Ricardo Ribeiro é editor do Cenabahiana.