Tempo de leitura: 2 minutos

Durval Filho - diretor da Biblioteca Afrânio Peixoto - Foto Walmir Rosário (1)Durval Pereira da França Filho

 

Fugiu para São Paulo e lá conquistou a liberdade, aos 17 anos. Em 1848, assentou praça no Exército, depois se tornou tipógrafo e escrivão da Secretaria de Polícia, de onde foi demitido por integrar o Partido Libertador.

 

No momento em que se comemora o dia da consciência negra, 22 de novembro, vale uma justa homenagem a um dos maiores mensageiros do abolicionismo do Brasil, Luiz Gama, um Negro baiano que, segundo as palavras de Rui Barbosa, foi “um coração de anjo,… um espírito genial, uma torrente de eloquência, um coração adamantino, personagem de granito, aureolado de luz”.

Nasceu em Salvador, no dia 21 de junho de 1830, filho da africana liberta Luiza Mahim e de um português que, por motivos óbvios, o filho não quis identificar. Nasceu de ventre livre, mas o pai, um fidalgo empobrecido pelo jogo, de péssimo caráter, o vendeu como escravo, quando ele tinha apenas dez anos de idade.

Luiza Mahim era uma pagã de formação islâmica, que nunca aceitou a doutrina cristã. Vivia como quitandeira, e foi presa várias vezes suspeita de envolvimento em movimentos insurrecionais, como a Revolta dos Malês de 1835. Em 1837 foi para o Rio de Janeiro e nunca mais voltou à Bahia, embora o filho a tivesse procurado, sem resultado.

Luiz Gama foi levado para o Rio de Janeiro, onde foi escravo de um português de sobrenome Vieira, comerciante, por cuja família foi bem tratado. Contudo, apesar do carinho e dos cuidados que recebia, foi entregue a Antônio Pereira Cardoso, um negociante e contrabandista que, posteriormente, foi preso por haver deixado alguns escravos morrerem de fome em cárcere privado, e suicidou-se. Depois disso, ninguém queria comprar Luiz Gama, porque era baiano e os escravos baianos não tinham boa fama. Mesmo assim, aprendeu a ler e escrever, a trabalhar como copeiro, sapateiro e a costurar roupas.

Fugiu para São Paulo e lá conquistou a liberdade, aos 17 anos. Em 1848, assentou praça no Exército, depois se tornou tipógrafo e escrivão da Secretaria de Polícia, de onde foi demitido por integrar o Partido Libertador. Dedicou-se ao jornalismo e, impedido de matricular-se na Faculdade de Direito, provisionou-se como advogado, tornando-se defensor da causa dos escravos e conseguindo a libertação de mais de 500 deles.

Ganhou fama e notoriedade. Foi um dos fundadores do Centro Abolicionista e do Partido Republicano de São Paulo e filiou-se também à maçonaria. Era um dos oradores do Clube Radical Paulistano. Através de sua produção poética, satirizou de forma violenta as pessoas da Corte. Recebeu o apelido de Bode, por causa de sua cor e do cavanhaque que usava. Mas na memória do povo brasileiro e, em especial do baiano, um nome se coloca em realce nessa galeria de guerreiros em favor da liberdade, da integração e da reabilitação do negro e contra a opressão – Luiz Gonzaga Pinto da Gama.

Faleceu em São Paulo, de diabetes, no dia 24 de agosto de 1882.

Durval Pereira da França Filho tem formação em História e é membro da Academia de Letras e Artes de Canavieiras (ALAC).

Tempo de leitura: 2 minutos

Eduardo Estevam

 

Enquanto Nabuco preconizava mudanças dentro da ordem, dentro do espaço jurídico e político formal, Luiz Gama, apresentava uma postura mais radical.

 

Vários intelectuais desenvolveram um projeto político para o Brasil no século XIX, em meio às lutas e disputas políticas pela afirmação e estabilização do Estado-nação, cada um alinhando suas práticas sociais as suas concepções políticas e ideológicas. Dois intelectuais entrecruzaram-se em virtude do processo abolicionista. São eles: Joaquim Nabuco (1849-1910) e Luiz Gama (1830-1882).

O primeiro, branco, pernambucano, filho de uma família letrada e escravocrata, historiador, jurista, fez carreira política nacional (deputado) e internacional (diplomata), abolicionista, republicano e defensor de um projeto de Brasil democrático. O segundo, negro, baiano, filho de escrava e escravizado até os 17 anos, advogado, jornalista, editor (fundou em 1864 o primeiro jornal caricaturado, o Diabo Coxo), poeta, orador, abolicionista, republicano e defensor de um projeto de Brasil democrático e pluriétnico.

Nabuco desenvolveu um pensamento crítico com bastante rigor político sobre o problema da escravidão. Conjecturava uma sociedade democrática republicana que “integrasse” o negro ao universo da diversidade existente, ou seja, no mundo dos brancos. Seu projeto de modernização do sistema político e social consistia numa integração étnica hierarquizada e subalterna, onde os valores da cultura branca estariam a preponderar. Nabuco, teorizou a escravidão, jamais sobre o sujeito negro.

A escravidão foi seu objeto de análise e a base para construção de todo o seu edifício teórico-crítico. Em sua campanha abolicionista, discursou veementemente sobre os malefícios e os problemas (vícios) morais e sociais oriundos da escravidão, mas sem jamais ter discursado para negros ou diante de um público negro. Para Nabuco, arregimentar negros e insulfra-los diretamente para uma campanha anti-escravidão era perigoso, pois poderia provocar uma haitinização, ou seja, uma revolução negra.

Luiz Gama desenvolveu seu pensamento por meio da poesia satírica, textos jornalísticos e discursos político (oratória). A produção cultural de Gama situa-se num espaço construído pela diáspora e na contracultura da modernidade. Gama pretendia afirmar a contribuição africana no Brasil, justamente no momento da consolidação da identidade da nação brasileira. Sua posição era de que existia uma africanidade dentro do modelo de brasilidade construído socialmente.

Enquanto Nabuco preconizava mudanças dentro da ordem, dentro do espaço jurídico e político formal, Luiz Gama, apresentava uma postura mais radical: “o escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa”. O projeto de Gama para o Brasil era a construção de uma nação heterogênea em que os grupos étnicos estivessem numa condição relacional e sem privilégios.

A historiografia notabilizou e cristalizou Joaquim Nabuco, canonizando-o e ao mesmo tempo silenciando e subalternizando a produção social de Luiz Gama. Com a emergência dos estudos culturais com foco numa história vista de baixo, nas margens da cultura ou nas histórias diaspóricas jamais documentadas, redimensiona-se o lugar social da produção de Luiz Gama, consequentemente desestabiliza-se os vultos da intelectualidade brasileira.

Eduardo Estevam faz Pós-Graduação (doutorado) em História Social pela PUC-SP.

Artigo publicado originalmente no blog Tempo Presente