Notícia da viagem de Nininho para teste no Fluminense, em 1958
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O menino de Macuco, iniciado no Pindorama Futebol Clube, depois no Brasil Esporte Clube, o BEC, venceu no futebol e até hoje é reconhecido como bom exemplo por onde passou.

 

Walmir Rosário

Campeão pela Seleção de Itabuna no primeiro Intermunicipal vencido, Nininho, o Sputnik, sentiu necessidade de mostrar seu futebol em outras terras, se apresentar no Maracanã, o santuário do futebol. E aqui pra nós, qual jogador de futebol que nunca sonhou atuar no Gigante do Maracanã? Nem tinha medo com o tradicional friozinho na barriga no jogo de estreia. Era o começo de uma carreira, quase sempre bem-sucedida.

E José Maria Santos, o menino de Macuco, hoje Buerarema, só pensava nisso. Tanto foi assim que dispensou as honrarias dos cartolas, comerciantes e torcedores de Itabuna para aventurar a carreira no Rio de Janeiro. Quem sabe poderia aparecer no Canal 100, em todos os cinemas do Brasil, jogando por um grande clube do Rio de Janeiro ou São Paulo. A mudança valeria a pena e ele estava disposto a correr o risco.

Artilheiro com 11 gols marcados em sete jogos da Seleção de Itabuna campeã. Eleito em 1958 o atleta mais eficiente e disciplinado de Itabuna, Nininho ganhou uma passagem de ida e volta, além da hospedagem para 15 dias em hotel no Rio de Janeiro. Viajou acompanhado do colega Hildebrando, que ia visitar dona Guiomar, esposa de Didi do Botafogo, que é da região cacaueira. Nininho foi apresentado aos dois e se tornaram grandes amigos.

Finalmente, o craque Sputnik se foi. No Rio, fez teste no Fluminense, time em que jogava o conterrâneo Léo Briglia, e treinou muito bem. Aprovado, o técnico Pirilo queria inscrevê-lo como juvenil, mas não foi possível, pois já completara 20 anos. Como não tinha vaga no aspirante, completo com jogadores subidos dos juniores, nem mesmo a intervenção de Léo Briglia resolveu. A escolinha do Flu era uma fábrica de craques, o que sempre impedia o aproveitamento de novos valores. E o Sputnik era um deles.

Se não deu certo no Fluminense, ainda em 1958 Nininho decidiu dar uma passada no Botafogo para se submeter aos testes. Enquanto fazia o famoso vestibular no Glorioso, um treinador do Guarani de Divinópolis gostou de sua atuação e quis saber qual era situação do atleta. Informado que era livre e estava passando por testes, convidou o Sputnik para ir disputar o Campeonato pelo Guarani. Aceitou, de pronto.

Em janeiro de 1959, volta ao Rio de Janeiro para se submeter a novos testes no Botafogo, onde pretendia jogar ao lado do time dos grandes craques. Nesse período, foi levado para o Canto do Rio, em Niterói, e daí para o América, no qual se sagrou campeão carioca em 1960. Nesse ano, mesmo na reserva, foi o artilheiro dos aspirantes. Nessa época já tinha incorporado novo nome: Zé Maria.

Nininho (Zé Maria) no América campeão carioca de 1960

Emprestado ao Bonsucesso Futebol Clube para fazer uma excursão no exterior, atuou no Chile e Peru. Nessa viagem jogou o que sabia nos 15 jogos realizados, uma campanha invicta. No último jogo, contra o Sporting Cristal, do Peru, que já era campeão peruano antecipado, faltando três rodadas para o fim do certame, marcou o gol mais bonito de sua vida. Para ele foi a consagração como jogador profissional.

Em 1962 volta a São Paulo, desta vez para jogar na Prudentina. No ano seguinte, 1963, Sputnik, ou Zé Maria, joga um belo campeonato. Àquela época, a Prudentina era um time cheio de bons jogadores e ele consegue se destacar, embora a equipe tenha ido mal. Resultado: no final do ano todos os atletas foram dispensados. Nininho chegou a ser cotado para ir para o Peru, onde jogaria no Sporting Cristal, mas como não se concretizou, ele continua no Brasil e passa a jogar pelo Nacional.

Depois disso foi trabalhar na Rede Ferroviária Federal e continuou jogando por dois anos, e encerrou a carreira em 1967. Anos depois o craque volta para Itabuna. Deixa a Rede Ferroviária, um emprego federal e se instala em Itabuna. Convidado por Ramiro Aquino, José Adervan e João Xavier para supervisionar o Itabuna Esporte Clube, cumpriu a missão de fortalecer o profissionalismo no futebol itabunense.

Nininho preferia ser treinador, mas foi convencido a atuar na supervisão. E fez um excelente trabalho, dando uma nova cara à equipe profissional, àquela época ainda tratada com muito amadorismo no sul da Bahia. O Itabuna chega ao final do campeonato em uma boa colocação, resultado do trabalho implantado por ele e o treinador Roberto Pinto, mudando as características do futebol por aqui praticado.

Nessa época, Itabuna reunia bons jogadores, muitos deles valores regionais. Um em especial, vindo de Itarantim para fazer teste no Itabuna como quarto zagueiro. Era Zezito Carvalho. Assim que viram a baixa estatura dele, Nininho, Roberto Pinto e João Xavier sugeriram que fosse testado na lateral direita. Deu certo e o Zezito Carvalho passou a se chamar Tarantini, nome dado em homenagem ao jogador argentino e que fazia referência à sua cidade, Itarantim.

Nininho também fez um excelente trabalho com a juventude itabunense, quando convidado pelo amigo João Xavier, à época vice-prefeito e secretário de Esporte de Itabuna. A missão era implantar as escolinhas de futebol projetadas pela Prefeitura. E execução deu excelentes resultados, retirando meninos da rua para proporcioná-los uma vida melhor com a prática de esportes, notadamente o futebol.

O menino de Macuco, iniciado no Pindorama Futebol Clube, depois no Brasil Esporte Clube, o BEC, venceu no futebol e até hoje é reconhecido como bom exemplo por onde passou.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Antônio Lopes e algumas de suas obras || Fotomontagem Walmir Rosário
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Procurou se livrar dele, afinal estava em Paris, o melhor lugar do mundo, depois de Buerarema. Na manhã seguinte, ao dar pela falta do cartão de crédito, percebeu ter sido vítima de um legítimo vigarista parisiense. Fazer o quê?

 

Walmir Rosário 

O prezado e estimado leitor conhece Buerarema desde quando? Se a resposta do distinto for de uns tempos pra cá, passo a ter dó e piedade dele, pois na verdade, pouco ou quase nada viu do seu povo e de sua história. E bote História (com H maiúsculo) nisso, daquelas de cair o queixo, acontecidas desde o tempo que a aconchegante Macuco (seu nome enquanto distrito de Itabuna) reunia os melhores personagens num só local.

Pois fiquem os senhores sabendo que aquele pedacinho de terra cercada de matas e cacaueiros por todos os lados, entrecortados por pequenos riachos e rios caudalosos em busca da praia de Ilhéus têm muito a ser contado. Ponha sua cabeça pra pensar naquele amontoado de gente, vinda de todos os cantos do mundo, e que acabou formando um arruamento, vila e depois cidade, com essa gente mandando neles mesmos.

Estás curioso! Pois não perdes por esperar! Basta sentar com uns cinco livros de autoria do professor, jornalista e escritor Antônio Lopes, um pernambucano que se fez macuquense e bueraremense por obra e graça de sua mais legítima vontade. Pense numa viagem (há quem chame de imersão) voltando no tempo e conhecendo histórias, estórias e causas cometidos pelos seus personagens, inclusive o próprio.

Mas agora vamos nos ater aos dois últimos livros publicados, do contrário vamos perder muito tempo nessa leitura e passar dos “entretantos aos finalmentes”. Em “A Bela Assustada”, uma antologia pessoal, alguns textos inéditos, Antônio Lopes não se conteve e apresenta Manuel Vitorino, Zé Mijão, Mundinho Cangalha, João Baié, Léo Briglia, Dr. Elias, o padre Granja, o pastor Freitas, Manuel Lins, Clarindo Corno Preto, Zeca de Agripino, Vilson Cordier e muitos outros brilhantes personagens.

E o menino trazido de Triunfo, no Pernambuco, pelo seu irmão mais velho, João Lopes, estudou o primário e o ginásio, fez jornalismo estudantil e formou seu caráter em Buerarema. Mais tarde, foi estudar em Ilhéus, trabalhar em Itabuna, até chegar a São Paulo escrevendo para a Última Hora, do lendário Samuel Wainer. Foi seguir o caminho e aportou na Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras da Bahia.

Não sei se essas incursões mundo afora fixaram na memória do autor os causos vividos em tempos idos. O que sei mesmo é que são contados com simplicidade e o humor daquela gente e daquela época. Quem melhor narraria – a posteriori – um jogo do Brasil Esporte Clube, o BEC, do que o sapateiro Zé Vitorino? Que os senhores saibam o delírio da plateia com seus lances, tornando Galvão Bueno um simples fichinha. E nem tínhamos TV.

A Buerarema dos cines Cabral e Maracanã, à época em que não sofriam a concorrência das redes de televisão e era ponto de fixo para a troca de gibis e o encontro de namorados trocarem juras de amor, enquanto bandidos e mocinhos de digladiavam na tela. Uma boa pedida são os banhos no Poço da Pedra, onde o autor aprendeu a nadar, boiar e distribuir cangapés e quase se afogar.

Da minha lembrança não sai o causo de Agripino Vieira, fazendeiro de 15 mil arrobas de cacau, cliente assíduo do Bar Pingo de Ouro, que deu um drible no médico Dr. Elias, após o conhecido esculápio proibir suas incursões aos bares. Sem qualquer peso na consciência chegou na Farmácia Maria e decretou ao balconista Afonso que lhe desse o um vidro de Biotônico Fontoura, o maior que tivesse na referida botica.

Em A Vida Refletida, Antônio Lopes conta que na sua adolescência quem não tinha habilidade para coisa nenhuma ia para a Marinha. Mas ele quis fazer diferente, por não levar jeito. Não estudou medicina, engenharia ou direito, mas trabalhou em rádio, televisão, assessoria, escritório, deu aulas, vendeu remédios. Profissões essas que lhe garantiram o uísque de cada dia. E as histórias, acrescento eu.

Em Um Tabaréu em Paris (pgs. 101/103), o autor conta que se encontrava na cidade luz quando um cara branco, vestido à classe média, lhe dá um encontrão. Desculpou-se (todo cheio de “pardon”, monsiseur), e continuou puxando conversa. Procurou se livrar dele, afinal estava em Paris, o melhor lugar do mundo, depois de Buerarema. Na manhã seguinte, ao dar pela falta do cartão de crédito, percebeu ter sido vítima de um legítimo vigarista parisiense. Fazer o quê?

Sobre o livro de Lopes, Joaci Góes escreveu: “Antônio Lopes é um autodidata que atingiu elevado patamar como humanista, polindo seu crescimento com as aulas que deu de português, matemática, história e redação, sem falar em suas experiências como animador de comícios e redator de discursos políticos, de festas carnavalescas, comentarista de futebol, vendedor, gestor de recursos humanos, fez tudo isso para sobreviver e ter as condições mínimas de se dedicar à leitura dos grandes autores, na geografia do tempo, experiências que contribuíram para torná-lo um dos mais refinados escritores brasileiros da atualidade”.

E prossegue Joaci…“Provavelmente, se Antônio Lopes tivesse produzido sua surpreendente obra de Paris, Londres, Roma ou New York, não faltasse quem dissesse que só a partir de domicílios tão cosmopolitas seria possível produzir literatura de conteúdo e forma tão marcadamente universais”.

A vida refletida/Antônio Lopes – Ilhéus, Ba: Editus, 2019.

A bela assustada : antologia pessoal + inéditos/ Antônio Lopes. – Itabuna, BA : A5 Editora, 2021.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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O MAR BRAVIO É O MEU RIO MULTIPLICADO

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br
Quando menino em Buerarema, eu não sabia o que era o mar. Aliás, nenhum de nós sabia. Orlandino, o mais velho da turma, gabava-se de já ter visto o mar, em Ilhéus, mas a gente não acreditava – ele, diziam os mais velhos, era mentiroso e fumador de maconha. Mas sabíamos, talvez do livro de Geografia de Gaspar de Freitas, que o mar era feito de água – a maior parte daquelas três quartas partes de que se formava o planeta, segundo a professora Aflaudísia. Na minha imaginação, multiplicado o rio Macuco, obtinha-se o mar bravio, sem tirar nem pôr… Mas eu queria mesmo era ver o bichão bem de perto, frente a frente, meu olho no olhão dele.

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O sono perdido entre o mar e a vizinha

1Serra do Jequitibá

Orlandino dissera que o mar era salgado, mas isso era mentira: pelos meus cálculos, todo o sal das vendas de Gringo e Zé Bazuza não daria para salgar o Poço da Pedra, quanto mais o marzão de Ilhéus. Eu andava com insônia (não só por culpa do mar, mas também de uma vizinha – e o nome dela eu não digo nem sob tortura). Da existência e tamanho desmesurado do mar eu já sabia, pois o vira, meio encoberto e misterioso, lá do alto da Serra do Jequitibá. Foi onde nasceu a árvore símbolo  de minha terra, que lhe dá poesia e proteção (o jequitibá primeiro morreu de velho, mas há um filho que lhe herdou a responsabilidade de guardião de Buerarema.
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Feiro do chocolate Paris 2010Quis ser um pássaro e voar até o oceano

Fizemos muito piquenique (o pastor Freitas preferia “convescote”) ao pé da árvore generosa, depois de caminhar da cidade à serra. De lá tínhamos uma mal definida vista de Ilhéus, com as águas de tanta insônia. Minha intenção nunca confessada era ser um pássaro, bater as asas na Serra do Jequitibá e voar, voar, voar toda a distância entre a serra e o oceano – Marcelo Ganem, menestrel da minha terra, disse isto em verso e música. Cheguei, em sonho desvairado, a pensar que, por magia só cabível em mente infantil, tal poderia acontecer. Mas não precisou. Certo dia, não sei a troco de quê (talvez devido à boa sorte, que sempre me segue)…
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Tonto de emoção, provei o mar salgado
… Fui dar com os costados em Ilhéus, fiquei frente a frente com o mar imenso, tendo, afinal, aquele despropósito de água ao alcance dos dedos. Lembro-me agora daquele menino Diego (de Eduardo Galeano, em O Livros dos abraços) que, trêmulo de emoção frente à grandeza do oceano, pediu ao pai: “Me ajuda a olhar”. Não digo que fiz o mesmo, porque sou um triste menino de verdade, não um inteligente ser de ficção. Apenas, emocionado, levei à boca um pouco daquela grandeza. Provei-o. Era salgado o mar, e muito. O gosto era minha única interrogação, pois o existir a Serra do Jequitibá já me confirmara. Foi bom saber que meu amigo Orlandino não mentia nem puxava. Quer dizer: só um pouquinho de cada coisa.
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SEM RIO OU SÃO PAULO, SÓ RESTA O NADA

5Antônio Jr.Ninguém é profeta em sua terra (equivale a santo de casa não faz milagre). Em matéria de arte, não se chega ao êxito se não romper as fronteiras do próprio quintal. Veja-se apenas na região cacaueira da Bahia: Adonias Filho, Jorge Amado, Hélio Pólvora, Marcos Santarrita, Telmo Padilha, Cyro de Mattos – todos que tiveram maior ou menor notoriedade foram buscá-la no Rio de Janeiro. É no Rio (e, nos últimos tempos, também num lugar chamado São Paulo) que as coisas acontecem; fora desse eixo, é o nada. Exemplos, em contrário (os que nunca saíram daqui): Ruy Póvoas, Jorge Araujo, Euclides Neto, Antônio Nahud Jr., Janete Badaró. Dirão que a música baiana, feita em Salvador, ganha o Brasil e o mundo – mas isto é exceção.

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Na Bahia, os caminhos são obstruídos

Afora minha humilde opinião de que ivetinhas, harmonias, claudinhas, chicletes e danielas ficariam melhor no anonimato, a exceção confirma a regra: Caymmi, João Gilberto, Gal, Gil, Nana, Caetano e Bethânia foram vencer no Rio (e João Ubaldo também, se falamos em literatura). A reflexão me vem a propósito de O desterro dos mortos (Via Litterarum), belo livro de Aleilton Fonseca. Contista excepcional, comparável aos grandes do Brasil, ele não ocupa o espaço nacional merecido – e eu atribuo isto ao fato de (nascido em Firmino Alves) morar em Salvador. Mesmo recebendo incentivadoras menções na Europa, notadamente na França, o autor ainda não foi “descoberto” pelo sul maravilha, o que lhe obstrui os caminhos.
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VÍDEO PROVA QUE O IMPOSSÍVEL ACONTECE

7Billie HolidayOs tenoristas Coleman Hawkins, Ben Webster e “Pres” Lester Young, mais Gerry Mulligan (sax barítono), Roy Eldridge (trompete), Milt Hinton (baixo) e a voz mágica de Billie Holiday juntos – seria um delírio difícil de imaginar até como delírio. Pois, creiam, o encontro aconteceu, em 1957, numa apresentação ao vivo, da qual destacamos Fine and mellow, uma composição da própria Billie. E ainda teve Mal Waldron (piano), Doc Cheatham (trompete), Vic Dickenson (trombone), Danny Barker (guitarra) e Osie Johnson (bateria). O vídeo nos dá, mais de meio século depois, a emoção desse momento raro do jazz (Billie morreria em 1959).
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“Pres”, o favorito de Billie Holiday

Ela canta os primeiros versos do tema, para a entrada de Webster e, em seguida, Lester Young. Billie, em close, tem os olhos brilhantes e segue o solo, balançando a cabeça, como em aprovação ao sopro suave de Young, seu saxofonista favorito – foi ela quem o apelidou de “Pres” (President). Após a segunda intervenção de Lady Day, vem o “choro” do trombone de Vic Dickenson e o som particularíssimo de Gerry Mulligan, o único branquelo do grupo. Mais Billie (“O amor vai fazer você beber e jogar” – Love will make you drink and gamble), para o solo do mestre Coleman Hawkins, meu saxofonista preferido, seguido de Roy Eldridge. Sublime.

(O.C.)