Fernanda Montenegro e Maria Bethânia
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“Maria Bethânia e Fernanda Montenegro são das letras, exalam para a sociedade brasileira empoderamento e valorizam ainda mais os campos artísticos, entrelaçando-os”.

 

 

Efson Lima || efsonlima@gmail.com

A inscrição de Fernanda Montenegro para compor o quadro da Academia Brasileira de Letras tem gerado um debate interessante na sociedade brasileira. A pergunta “quem é das letras?” surge repentinamente. Não obstante, o tema adquiriu maior relevância em terras baianas com a escolha de Maria Bethânia, na segunda-feira última (11), para compor a Academia de Letras da Bahia, cuja instituição já ultrapassou o centenário.

Na semana passada, uma figura pública baiana, em diálogo comigo, informava que havia recusado o convite para pertencer a uma determinada Academia de Letras, na Bahia. A pessoa não se sentia à vontade, pois, mesmo com publicações em periódicos, não se encaixava no conceito das artes e das letras. Refutei, pois o currículo da pessoa a credencia para as mais diferentes funções. Além de inteligente, uma figura humana dedicada ao que faz e exemplar gestora.

De fato, a polêmica surge se nos mantivermos presos ao conceito estrito de “letras”, mas não é o que preconizam os objetivos e as finalidades dessas casas literárias. O termo deve ser compreendido no sentido amplo. Turva-se também, pois muitos veem o termo “arte” como sendo inerente apenas às atividades artísticas. Em uma sociedade em que se debate os conceitos de “criatividade” e “inovação” tardiamente, a confusão se justifica, mas não permite a nossa caminhada enquanto estratégia de desenvolvimento.

Surgem também outras polêmicas necessárias no caso da eleição de Fernanda Montenegro para a Academia Brasileira de Letras, pois a consideram uma mulher branca e de classe média alta. Recuperam rapidamente a figura de Conceição Evaristo, uma mulher destacada na literatura, mas, segundo alguns, foi defenestrada no processo eleitoral por razões raciais entre outras querelas. Considero uma injustiça à autora pois, esquecem de destacar o currículo do concorrente: Cacá Diegues. Não avançarei nessa polêmica, quase todas as críticas levantadas são válidas, mas não podemos analisar somente a fotografia do momento sem considerar a série histórica de fotografias e o processo histórico de quem é fotografado e de quem fotografa. De fato, o tecido social brasileiro ainda não está representado em diversos espaços.

Retomemos ao debate de quem são das letras. Como já esboçado, o termo “letras” deve ser compreendido de forma elástica. Não pode ser visto tão somente por quem escreve, pelo contrário, precisa ir em direção à oralidade. Não somente por aquele que faz e/ou estuda literatura, mas também por aquele que está a esboçar as diversas literaturas e diversos fazeres.

A práxis é uma arte constante. Bob Dylan ao ganhar o Prêmio Nobel, em 2017, provocou reflexões no planeta. As letras de suas canções justificavam a premiação na área da literatura segundo os julgadores. À guisa de curiosidade, o primeiro Curso de Letras no Brasil foi ofertado a partir de 1933, na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Sedes Sapientiae, que, posteriormente, em 1946, foi transformada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Portanto, a institucionalização do termo enquanto formação ocorre bem depois da fundação da Casa de Machado de Assis em 1897.

A Academia de Letras da Bahia assegura no seu artigo primeiro que “tem por objetivos o cultivo da língua e da literatura nacionais, a preservação da memória cultural baiana e o amparo e estímulo às manifestações da mesma natureza, inclusive nas áreas das ciências e das artes”. A Academia Brasileira de Letras estabelece que tem por finalidade promover “a cultura da língua e da literatura nacional” Portanto, essas instituições preconizam os saberes culturais, os valores humanísticos e a ciência encartada nas diversas áreas dos saberes.

Não me resta dúvida de que Maria Bethânia e Fernanda Montenegro são das letras, exalam para a sociedade brasileira empoderamento e valorizam ainda mais os campos artísticos, entrelaçando-os. As suas presenças físicas nessas instituições demonstram um louvor à interdisciplinaridade, cuja prática parece ser tão cara ao cotidiano brasileiro. Elas são guaxe de uma nova esperança. São poíesis para nosso tempo a despertar boa imaginação e bons sentimentos, sem prejuízo da práxis.

Efson Lima é advogado, professor, escritor e doutor em Direito pela UFBA.

Maria Bethânia é eleita nova imortal da ABL || Foto Jorge Bispo/Divulgação
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A cantora Maria Bethânia foi eleita na segunda-feira (11) a nova imortal da Academia de Letras da Bahia (ALB). Bethânia irá ocupar a Cadeira 18, que pertencia ao historiador, ensaísta e professor Waldir Freitas Oliveira, que faleceu no dia 17 de junho deste ano, aos 92 anos.

A artista será a 5ª titular da cadeira, e terá como patrono o advogado Zacarias de Góes e Vasconcelos.

A ALB utilizou a justificativa de que a cantora é uma defensora das letras, além de divulgar obras de nomes como Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Sophia de Mello, Breyner Andresen, Guimarães Rosa, para dar a artista o espaço, já que ela não possui produção literária.

Bethânia recebeu durante a cerimonia o título de Doutora Honoris Causa, por sua contribuição a música brasileira, da Universidade Federal da Bahia. Com informações do Bahia Notícias.

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Jorginho soube viver e interpretar a sociedade e suas angústias em tempos sombrios e duvidosos. Fez parte de uma massa, aquele “massa dos homens normais”.  Teve sensibilidade e sofrer ao falar da massa, “a massa que falo é a que passa fome, mãe…”. Deixa uma obra imortal. Faz parte de uma daqueles baianos humanos imortais. Luto e saudade.

André Curvello

Alguém escreveu que o céu de Santo Amaro da Purificação tinha uma estrela a mais hoje. Recebi tantas mensagens, li tantos textos que peço desculpas pela preguiça de não procurar o autor. Mas, tenho que discordar em parte, pois não foi apenas o céu da terra de Caetano que ganhou mais uma estrela; foi o céu da Bahia e do Brasil.

A chegada de Jorge Portugal é certeza de festa entre as estrelas no céu brasileiro. A mim, só resta agradecer a Deus a oportunidade de ter conhecido e convivido com uma bela figura humana: gente na máxima expressão da palavra.

São várias recordações recheadas de carinho e admiração que vão desde a um encontro fortuito em pleno centro antigo de Roma a várias reuniões na Secretaria de Comunicação do Estado muitos anos depois. Mas, permita-me, poeta, dizer que o mais fantástico momento foi nos bastidores do ensaio de Maria Bethânia, numa quinta-feira, véspera da inauguração da nova Concha Acústica. E você disse pra rainha: “Vai, agora é com você. Estamos realizando um sonho”. E Bethânia te respondeu: “A inauguração não é hoje. O sonho só será realizado amanhã”.

De tantas pessoas que vibraram, não me lembro de uma vibrar tanto com a nova Concha quanto Jorge Portugal. Um entusiasta da cultura, das aulas de Português, um amante de fazer amigos. Um poeta, um sonhador, um ser humano da democracia e da liberdade. Um daqueles caras especiais que sentem “a dor do menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar… é a dor de nem poder chorar”.

Jorginho soube viver e interpretar a sociedade e suas angústias em tempos sombrios e duvidosos. Fez parte de uma massa, aquele “massa dos homens normais”.  Teve sensibilidade e sofrer ao falar da massa, “a massa que falo é a que passa fome, mãe…”. Deixa uma obra imortal. Faz parte de uma daqueles baianos humanos imortais. Luto e saudade.

André Curvello é secretário estadual de Comunicação e amigo de Jorge da Massa, da Bahia e do Mundo.

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Vander Lee havia gravado trabalho para comemorar 20 anos de carreira.
Vander Lee havia gravado trabalho para comemorar 20 anos de carreira.

Autor de sucessos como Onde Deus possa me ouvir, Românticos e Esperando aviões, o cantor Vander Lee morreu nesta sexta (5), em Belo Horizonte (MG), vítima de infarto.

Vander Lee faleceu por volta das 8 horas, no Hospital Madre Teresa, na capital mineira, onde havia passado por cirurgia depois de sofrer um infarto. De acordo com boletim médico, o cantor e compositor sofreu paradas cardíacas depois da cirurgia e não reagiu às tentativas de reanimação.

O músico mineiro teve várias de suas canções regravadas por monstros da MPB, dentre eles Gal Costa, Maria Bethânia e Fagner.

Confira, abaixo, interpretação de Lee para música de sua própria autoria, Esperando aviões.

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Mangeuira foi campeã com enredo que presta homenagem a Bethânia (Foto AgênciaBrasil).
Mangeuira foi campeã com enredo que presta homenagem a Bethânia (Foto Agência Brasil).

Da Agência Brasil

A Estação Primeira de Mangueira acaba de ser anunciada como a campeã do Grupo Especial do Rio de Janeiro em 2016, com 269,8 pontos. Com o enredo “Maria Bethânia- a menina dos olhos de Oyá”, a escola homenageou a cantora Maria Bethânia na segunda-feira (8) no sambódromo da Sapucaí. Este é o 18° título da escola, que ganhou pela última vez em 2002.

A escola Unidos da Tijuca ficou em segundo lugar.

O anúncio das notas das escolas em nove quesitos foi feito esta tarde na Praça da Apoteose, na seguinte ordem: samba-enredo, enredo, comissão de frente, fantasia, mestre-sala e porta-bandeira, harmonia, evolução, bateria e alegorias e adereços.

As doze escolas que desfilaram pelo Grupo Especial no Rio de Janeiro foram: Estácio de Sá, Mangueira, Mocidade, Vila Isabel, Salgueiro, Grande Rio, São Clemente, Portela, Beija-Flor, União da Ilha, Imperatriz e Unidos da Tijuca.

A pior colocada do Grupo Especial foi a Estácio de Sá e será rebaixada.

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Ídolos da música brasileira, como Bethânia, foram homenageados (Foto Agência Brasil).
Ídolos da música brasileira, como Bethânia, foram homenageados (Foto Agência Brasil).
As duas últimas escolas de samba do Rio de Janeiro que passaram no Sambódramo da Marquês de Sapucaí, na madrugada desta terça-feira, 9, apresentaram enredos em homenagem a ídolos da música brasileira.

A Imperatriz Leopoldinense levou para a avenida a dupla sertaneja Zezé Di Camargo e Luciano. Os dois estavam no último carro, que fazia referência à música “É o Amor”, sucesso que marcou a trajetória dos irmãos.

Na frente da alegoria estava seu Francisco, pai da dupla, que incentivou a carreira deles. Os filhos vieram na parte mais alta do carro. Zezé, de verde, e Luciano, de branco, as cores da escola da zona norte do Rio.

Eles não foram os únicos artistas no desfile. A cantora e compositora Paula Fernandes se apresentou no tripé Abelha-Rainha, simbolizando a polinização das abelhas entre girassóis de campos goianos. O ator Ângelo Antônio e a atriz Dira Paes, que representaram o seu Francisco e dona Helena, mãe da dupla, no filme “Os Dois Filhos de Francisco”, vieram fazendo encenações de um casal em uma casa simples do interior.

O encerramento da noite ficou por conta da Mangueira, em um desfile que emocionou o público. A homenageada foi a cantora Maria Bethânia, pelos 50 anos de carreira. O enredo “Maria Bethânia – a menina dos olhos de Oyá” exibiu uma Mangueira diferente dos últimos anos.

“Tinha pouco ferro, não tinha muito esplendor. Acho que foi um desfile com visual moderno. Tem um visual diferente, mais leve. Para a Mangueira foi diferente e fico feliz deles terem gostado para caramba”, disse o carnavalesco Leandro Vieira, na dispersão da Marquês de Sapucaí, que durante o desfile comentou que o dengo da baiana estava “dando certíssimo”. O dengo da baiana é uma parte da letra do samba-enredo.

O ministro da Cultura, Juca Ferreira, que é mangueirense, entrou na avenida à frente da escola. Ele disse que o enredo da Mangueira permitiu ainda um apoio à negação à intolerância religiosa. Juca Ferreira destacou também que a carreira de Bethânia é marcada pela valorização da música brasileira e resgate da cultura popular. “Bethânia é uma das grandes artistas do Brasil e seu canto está muito vinculado à cultura popular brasileira. O resgate, a defesa e o canto. Ela expressa o que de há de melhor no Brasil em termos culturais”, disse. (Da Agência Brasil)

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Em 2010, Dona Canô e Lula conversam acompanhados do governador Wagner e a primeira-dama, Fátima Mendonça (Foto Manu Dias).
Em julho de2011, Dona Canô e Lula conversam acompanhados do governador Wagner e a primeira-dama, Fátima Mendonça (Foto Manu Dias).

Dona Canô, matriarca da família Velloso, morreu aos 105 anos nesta terça-feira, 25, em sua residência na cidade de Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano. Dona Canô passou a noite de Natal ao lado dos filhos, netos e bisnetos. Segundo informações iniciais, ela teria passado mal na madrugada desta terça. Logo depois, teria morrido cercada pela família.

Canô será velada primeiro em uma cerimônia apenas para a família, em sua casa em Santo Amaro, e depois em cerimônia aberta ao público, às 18 horas, no memorial Caetano Veloso, também na cidade. Segundo informações da assessoria de imprensa de Caetano Velloso, a matriarca será enterrada às 10 horas desta quarta-feira, 26.

Dona Canô teve oito filhos, entre eles os cantores Caetano Veloso e Maria Bethânia. Em outubro de 2011, ela perdeu a filha adotiva Eunice Veloso, aos 83 anos, que morreu com insuficiência respiratória.

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CAYMMI E A ESCOLHA DO VERBO ACONTECER

Ousarme Citoaian

Falamos aqui do verbo acontecer e seu bom uso, exemplificando com o clássico de Caymmi, Não tem solução (“Aconteceu um novo amor/ que não devia acontecer…”). Como conversa puxa conversa, chegamos hoje a outras acontescências (o termo foi inventado por Vilma Guimarães Rosa, que tem pedigree suficiente para tanto): o verbo está bem distribuído na MPB, pois só o mesmo Caymmi o empregou com certa prodigalidade em composições além da citada.  “Acontece que eu sou baiano,/ acontece que ela não é/ minha Nossa Senhora,/ meu Senhor São José”, diz ele em Acontece que eu sou baiano/1943.

EM CARTOLA, NINHO VAZIO, CORAÇÃO FRIO

Numa de suas melhores canções românticas, o cantor do mar da Bahia é didático sobre o sentido que defendemos para o verbo acontecer: “O amor acontece na vida/ estavas desprevenida/ e por acaso eu também” (Nem eu/1949). Perceba-se que o acontece é algo surpreendente, não está planejado, atinge os amantes distraídos. Cartola não deixa por menos: “Acontece que o meu coração ficou frio/porque nosso ninho de amor está vazio” – trazendo o mesmo sentido do não planejado: de repente (não mais que de repente), a ave bateu asas, ganhou o espaço, deixou vazio o primitivo ninho. Acontece.

O AMOR NOS IMPÕE URGÊNCIA E SURPRESA

Depois de Caymmi e Cartola, chega a vez de Abel Silva (com João Bosco), em Quando o amor acontece/1976: “O amor quando acontece/ a gente logo esquece/que sofreu um dia”.Vinícius disse que a mulher amada não vem; surge. Então é isso. Mesmo se estamos à espera, o ser amado acontece, emerge, sempre nos pega desprevenidos, nos impõe urgência e surpresa, taquicardia e respiração entrecortada. Os meninos Kim, César e Júlio, do ex-gospel Catedral atestam (Quando o amor acontece): “Quando o amor acontece/ é difícil dizer não”. Tudo muito longe da pobreza do acontece das colunas sociais e dos convites mal redigidos.

JORGE AMADO E SUA “SINFONIA INACABADA”

Bóris, o Vermelho é talvez o livro não publicado que mais teve espaços na mídia. Jorge Amado não lhe pôs o ponto final (e determinou que seus trabalhos não concluídos jamais venham a público). Bóris, de nome russo, é um hippie de Itapuã, de cabeça oca, interessado somente em surfe e erva. O sobrenome Vermelho se impôs devido a seu cabelo sarará. É na ditadura militar e um cara chamado Bóris, o Vermelho não fica impune, segue o figurino: prisão, tortura e morte (talvez por ser “morredor”). Apesar da cobrança dos rodapés dos jornais, o livro cedeu espaço para Tocaia grande, O sumiço da santa e outras obras, permanecendo como uma espécie de sinfonia inacabada do filho de Ferradas.

LIVRO QUE ESTAVA “EM TODOS OS JORNAIS”

Certa vez, numa coletiva em Ilhéus, Jorge Amado (foto) foi “alugado” por uma repórter, que lhe fez várias perguntas mais ou menos ociosas, às quais o escritor respondia pacientemente. Mas tudo tem limite. Lá pras tantas, quando ela perguntou se ele estava trabalhando “em algum livro, atualmente”, o autor de Terras do sem fim quase saiu do sério. Respirou fundo, virou-se para o poeta Telmo Padilha, que o acompanhava naquela aventura, e soltou, entre dentes: “Telmo, assim eu não aguento”. Mas agüentou. Repregou o sorriso no rosto, chamou a repórter de “minha filha” e lhe explicou, com certo enfado, que tecia um romance (era Bóris, o Vermelho), que estava “em todos os jornais”.

GREEN, TRANQUILO: “LEIA MEUS LIVROS”

Mas nem todo mundo tem a bonomia de Jorge Amado. Em 1958, o escritor Graham Greene (foto) esteve no Brasil e, ainda no aeroporto Tom Jobim (então chamado Galeão), deu uma exclusiva ao irrequieto repórter Severino de Albuquerque, dos Diários Associados. Ou melhor, quase deu, pois só houve uma pergunta e uma resposta. Severino: Mr. Greene, quais são os livros que o senhor escreveu? Mr. Greene (com tranquilo ar britânico, mesmo sem cachimbo): Meu filho, volte para casa, leia meus livros e só depois venha me entrevistar. A historinha eu tirei do delicioso Nonadas – O livro das bobagens (Flávio Moreira da Costa – Francisco Alves/2000), ótima leitura para pessoas de bom ou de mau humor .

ANTIGA LIÇÃO QUE MUITOS NÃO APRENDERAM

Há quem ache que Greene (1904-1991), autor de clássicos lidos em todo o planeta (por exemplo, O poder e a glória, Nosso homem em Havana), foi muito duro com o repórter. Eu, não (até porque ele respondeu em tom educado). A mais primária das lições que um entrevistador aprende é que ele precisa conhecer o básico sobre o entrevistado. Repórter que pergunta a um escritor (músico, pintor, ator e outros) o que ele fez, conforme já vi em nossa mídia, revela-se, além de ignorante do assunto, despreparado profissional e grosseiro com a pessoa entrevistada. O autor de O americano tranquilo deixou uma lição que não deve ser desdenhada pelas novas gerações de comunicadores.

ATRAPALHAÇÃO AO REDOR DE POLICHINELO

Em edição recente, conhecido jornal diário de Itabuna, referindo-se a uma investigação conduzida pelo Ministério Público Estadual, afirma: “Ninguém toma conhecimento do que irá acontecer com os vereadores que tiveram participação na malandragem da Câmara”. E conclui, para minha mais absoluta palidez de espanto: “É um segredo polichinelo (sic), guardado a sete chaves”. Data vênia, creio que foi confundido o significado dessa expressão popular e antiga, velha de muitos séculos, quando ainda estava em moda a Commedia dell´Arte, talvez mãe e pai do teatro de rua.

AFINAL, O QUE É “SEGREDO DE POLICHINELO”?

Segredo de Polichinelo (assim, com preposição e P grande!) significa, ao contrário do publicado, alguma coisa que é considerada segredo, mas que todos já sabem, isto é, aquilo que alguém trata confidencialmente, mas que deixou de ser segredo, é algo de conhecimento público. A referência é ao personagem Polichinelo (na ilustração), da modalidade teatral européia (italiana, mormente) Commedia dell´Arte (com início lá pelo século XVI). Elementos mais conhecidos desse gênero são Colombina, Pierrô e Arlequim, um triângulo amoroso do Carnaval, na já longínqua era pré-trio elétrico.

PIERRÔ CHORA PELO AMOR DE COLOMBINA

Esses elementos ítalo-franceses estão incorporados à nossa cultura, via MPB: “Pierrô, Pierrô/ teu destino, tão lindo/ é sofrer, é chorar toda a vida…” (Pierrot, Joubert de Carvalho-Paschoal Carlos Magno/1932); “Um Pierrô apaixonado/ que vivia só cantando/ por causa de uma Colombina/ acabou chorando, acabou chorando” (Noel Rosa-Heitor dos Prazeres/1936); “Colombina eu amei/ mas você não quis/ eu fui para você/ um Pierrô feliz” (Colombina, Armando Sá-Miguel Brito/1956); “Arlequim está chorando/ pelo amor de Colombina/ no meio da multidão” (Máscara negra, Zé Kéti/1967).

POLICHINELO PARECE RIR DOS APAIXONADOS

Polichinelo é uma espécie de palhaço, que parece se divertir com a confusão de sentimentos que vê a seu redor: Pierrô ama Colombina (foto), que ama Arlequim, que ama todas as belas damas do salão. Na irônica canção de Noel e Heitor, o triângulo amoroso da Commedia dell´Arte aterrissa no Carnaval do Rio de Janeiro e, por extensão, na cultura brasileira. Clique e (re) veja a leitura da dupla, na voz de Betânia.
(O.C)
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A MÍDIA EMPOBRECEU A LINGUAGEM

Ousarme Citoaian

É incrível como a imprensa (seguida pelos outros meios de divulgação) abriga e cria novos termos ociosos, que nenhuma falta fazem à boa linguagem. Nos últimos anos, eles (os veículos de comunicação) deram guarida a muitos verbos que só empobrecem a língua portuguesa. “Torna-se incompatível sua atuação [do senador Gim Argello] como relator do orçamento”, pontuou o deputado federal Roberto Freire – é o que diz um jornal de Itabuna, repetindo algum congênere da chamada grande imprensa. Pontuou? Por que “pontuou”? Só mesmo a falta de imaginação para justificar tamanha bobagem.

PREOCUPAÇÕES COM A ESCRITA “BONITINHA”

O Aurélio (que costuma ser generoso com certas invenções gramaticais) não reconhece em “pontuar” o sentido dado na frase. O Michaelis também não, nem tampouco o Priberam (de Portugal). Não fui além, por não ter tempo a perder: “pontuar” significa colocar sinais ortográficos e quase nada mais (o termo é usado também em música, segundo o Aurélio). Logo, seu emprego no caso citado apenas denota a intenção de escrever “diferente”, “bonitinho”, mas sem compromisso com a linguagem de boa qualidade. O tal deputado não “pontuou” nada, apenas falou, disse, opinou ou coisa que o valha.

A SOFISTICAÇÃO NOS CONDUZ À INDIGÊNCIA

O ABC do Jornalismo ensina que a linguagem desse meio precisa ser direta, objetiva, clara, as palavras escolhidas com rigor técnico, porém simples, próximas da linguagem cotidiana, mas fiéis à norma culta. Ao tentar sofisticar-se, o texto jornalístico, ao contrário de atingir esse objetivo equivocado, cai na indigência e depõe contra quem o produziu. Entende-se que simplicidade (também concisão, objetividade, elegância e clareza) é meta a ser perseguida, não evitada pelo redator. A discussão sobre o paupérrimo “pontuar” nos tomou o tempo da apreciação de outros verbos. Fica para depois.

JOVENS E ANTIGAS TARDES DE AUTÓGRAFOS

Espero que minhas gentis leitoras (e leitores!) jamais tenham vivido a experiência de uma tarde de autógrafos, do lado de quem assina o livro.  O que digo? Não tarde, mas noite, pois já não se autografa à luz do sol, que esta é usada para atividades menos “poéticas”, como o ganho honesto do pão diário – solidificando a idéia já antiga de que essas filigranas intelectuais são coisas de desocupados. Entre parênteses, lembrar que o pai do poeta Telmo Padilha costumava dizer ao autor de Anjo apunhalado que literatura não é coisa de gente séria, melhor seria “trabalhar”. Acordemos, então, que são noites (e não tardes) de autógrafos. E que mais parecem de torturas.

ATÉ AMIGOS SE TRANSFORMAM EM ESTRANHOS

Um autografador (penso que o termo foi inventado agora) é um ser absolutamente solitário em meio à festa de lançamento, sentado à mesa, constrangido com a fila que se faz à sua frente, não raro com um sorriso descorado dirigido a cada possível (futuro) leitor. Estes, os leitores, parecem guardar entre eles uma característica que os identifica: são torturadores, embora utilizem métodos diferentes. Uns brincam com o autor, evitando dizer o nome, ou levá-lo escrito num papelzinho, o que é a prática mais comum. “Ele me conhece demais!” – dizem à pessoa encarregada de fazer esta anotação importante, e a convencem de que são mesmo velhos amigos do pobre escritor.

ALBERT EINSTEIN E A FILHA DESCONHECIDA

E são. O problema é que este disso já não tem mais notícia, tão apavorado se sente, a ponto de olhar antigos companheiros fazendo aquela cara de que “eu o conheço de algum lugar” – mas o nome, que é bom, cadê? Conta-se que Einstein (aquele mesmo!) estava numa tarde de autógrafos, quando chegou a vez, na fila, de uma simpática mocinha, com o livro para ser autografado. O cientista a reconheceu (de alguma forma), coçou a cabeleira, mas não conseguiu dali tirar o nome daquela pessoa, que lhe parecia muito familiar. Envergonhado, com um sorriso sem graça, lhe diz: Desculpe. Não me lembro do seu nome… E ela: Bobagem, papai. Escreva apenas “para minha filha…”.

USE O DICIONÁRIO E DURMA TRANQUILAMENTE

No começo do mês, chamamos a atenção para a armadilha em que caíra a Direc-06 (Ilhéus), ao confeccionar um cartaz eivado de boas intenções, mas com um chute nas chamadas partes pudendas da gramática portuguesa: “Bem Vindos”, em vez de “Bem-Vindos”. Erro crasso, grosseiro, palmar? Nem tanto, nem tanto, pois é difícil encontrar neste vasto país alguém que saiba, de verdade, usar o hífen. “Hífen não é sinal, é castigo de deuses mal-humorados”, costumo dizer, com o dicionário em punho. E acabo de revelar meu segredo: contra hífen, dicionário é o melhor remédio. Vá lá e fique livre de perder o sono após escrever um texto.

DIREC-6 AGE COM DISCRIÇÃO E HUMILDADE

Isto é para dizer que a Direc-06 retirou o cartaz logo após nosso comentário e, com igual discrição, o recolocou esta semana, corrigido. Esta coluna rejeita sentir-se responsável pela mudança, porém não resiste em festejar a humildade com que o agente público recebeu nossa crítica, e a agilidade com que reconheceu o equívoco e tratou de repará-lo. O escritor sergipano Gilberto Amado (que vem a ser irmão do “itabunense” Gileno e tio do “ilheense” Jorge) fez uma frase que me guiou pela vida inteira (mesmo antes de conhecê-la): “Sem dicionário, não posso escrever”. Habituar-se a, frente à dúvida, levá-la ao dicionário me parece um conselho sensato.

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COLUNA É REPRODUZIDA NO MP CIDADANIA

A partir da semana passada, o Universo Paralelo passou ser reproduzido no site MP Cidadania, do Ministério Público Estadual, por iniciativa do promotor Clodoaldo Anunciação (foto). Após entendimentos com o Pimenta, o MP passa a utilizar, no todo ou em parte, a seu exclusivo critério, e sem custos, o material aqui publicado. O promotor faz doutorado em Direito Internacional na Sorbonne, em Paris (de onde nos segue) e neste momento se encontra em Itabuna, de férias, em visita a familiares, colegas e amigos. “Sou leitor assíduo da coluna e não escondo minha admiração pelo trabalho do seu autor”, afirmou Clodoaldo Anunciação. Merci.

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BETHÂNIA DESCONSTRUIU ORESTES BARBOSA

Sílvio Caldas, que fez a melodia de Chão de estrelas para uma letra de Orestes Barbosa, não acreditava nessa canção, por ter os versos todos em decassílabos. Enganou-se. Chão de estrelas transformou-se numa espécie de hino da MPB e ainda teve um verso eleito por Manuel Bandeira como o mais belo da poesia brasileira: “Tu pisavas nos astros, distraída…”. Maria Betânia não decorou a letra corretamente e mudou para estranhas onze sílabas um dos versos, o sétimo: “Meu barracão no morro do Salgueiro” ficou “Meu barracão no morro do Salgueiro”. Crime inafiançável contra a métrica .

NOEL E A (INOCENTE) SALADA PRONOMINAL

A mesma Betânia gravou em 1965 uma seleção de Noel Rosa (deixando Araci de Almeida enciumada), quando deu umas cacetadas no Poeta da Vila: o verso (Último desejo) “Nunca mais quero o seu beijo” foi transformado em “Nunca mais quero o teu beijo”. E antes que sobre mim caiam de pau os linguistas permissivos, lembro que Noel era letrista do modelo clássico, que nunca poria no mesmo samburá os pronomes você e teu: “Perto de você me calo/ Tudo penso, nada falo… Nunca mais quero o seu beijo…”. Os professores antigos, formais, identificavam essa mistura de você e teu como “salada pronominal”.

ATENTADO CONTRA O ARTISTA E A HISTÓRIA

Em outra faixa, Betânia investe contra Feitio de oração: “Por isso agora/ Lá na Penha vou mandar” foi alterado para “lá pra Penha…”;  “E quem suportar uma paixão/ Sentirá que o samba então/ Nasce do coração transformou-se em “Nasce no coração”. E nem me venham dizer que essas alterações não agridem o sentido do texto. Embora isto seja verdadeiro, a obra literária, para o bem ou para o mal, há de ter preservada na forma como foi concebida. Mudá-la, à revelia do autor, é uma intervenção abusiva e autoritária, um atentado indefensável contra a arte, o artista e a história. Isto se não for  apenas burrice.

EMÍLIO SANTIAGO E AS ROSAS QUEIXOSAS

Sendo a gravação de música um trabalho coletivo, fica difícil entender que não surja nem uma só pessoa na equipe para dizer “alto lá!” e evitar as pedras comumente atiradas contra os letristas. Demos aqui, por motivos óbvios, só uma pequena amostra. E mesmo com as limitações de espaço, vai mais uma: Emílio Santiago, ao gravar As rosas não falam (Cartola) comete um erro de palmatória: onde estava “Queixo-me às rosas” ele leu “Queixam-me as rosas”. Pedrada tamanho família. A lição vem de Ângela Maria, uma das maiores da MPB: ao cantar, costumava ter ao alcance da mão uma “pesca” da letra.

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NOEL ROSA, REPÓRTER DO SEU TEMPO

Dizer que Noel foi “repórter do seu tempo” é, embora lugar-comum, verdade. Nosso último vídeo da série de quatro com que marcamos o centenário do Poeta da Vila é Onde está a honestidade? (melodia de Francisco Alves), aqui na voz de Ivan Lins. Uma “reportagem” atual, 77 anos depois.

(O.C.)

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ARMANDO E O CUIDADO COM AS PALAVRAS

Ousarme Citoaian

O caso eu conto como o caso me foi contado: perguntaram a Armando Oliveira (foto), que ganhara várias vezes consecutivas o troféu Bola de Ouro como melhor cronista esportivo, se ele era melhor do que os outros colegas. A provocação não tirou do sério o elegante jornalista, que nunca pisava na bola. “Não é que eu seja melhor do que ninguém. É que sou muito cuidadoso com o que digo”, respondeu – deixando uma lição para todos nós profissionais do ramo. Em termos de qualidade do texto não me parece que o “saber” diferencie os jornalistas, pois todos conhecem as mesmas regras de estilística; o que os diferencia é o cuidado com o que fazem.

ESTULTICE LEONINA QUE A TODOS DRIBLOU

Leio em edição recente do bom caderno Esporte Clube (A Tarde), no alto da página, um título absolutamente inusitado: “Por renda três vezes maior, Leão luta pela sua salvação”. Depois de nada entender, pus-me a cismar sobre o que levaria um profissional a escrever tamanha estultice, como tamanha estultice logrou driblar o editor da página e chegar às bancas e se quem produziu tamanha estultice sabe que produziu tamanha estultice. Só encontro resposta para esta última: sabe, sim. Escreveu dessa forma por não ter captado a lição de Armando (atenção: entendi que o Leão do título infeliz é o infeliz Vitória).

POR AQUI, NÃO GANHOU NEM NOME EM BECO

Armando Oliveira nasceu em Água Preta/Uruçuca e fez carreira em Ilhéus (Banco do Brasil e Rádio Cultura), transferindo-se já maduro para a Rádio Sociedade da Bahia, na capital. Cobriu cinco Copas do Mundo como comentarista e recebeu oito vezes o Bola de Ouro. Camaçari batizou de Armando Oliveira seu estádio, os melhores de cada temporada do futebol baiano recebem o troféu Armando Oliveira e a sala de imprensa do Carnaval de Salvador, montada em 2005 pela prefeitura, chama-se Sala de Imprensa Armando Oliveira. Ali em Ilhéus ele não é nem nome de beco, e em Uruçuca é um desconhecido ilustre. Coisas nossas, como diria Noel.

UM ANIMAL EM EXTINÇÃO CHAMADO LEITOR

O escritor Flávio Moreira da Costa dá a receita em Modelo para morrer (Record/1999), com o personagem Wallace Jones, que ensina a regra de ouro do ofício de escrever: “envolver e não chatear esse animal desconhecido e em extinção chamado leitor”. Detalhista, Jones, autor de livros policiais, acrescenta que “é importante pegar o leitor pelo colarinho logo de início e levá-lo a acompanhar o livro até o final”. Quem encontra um leitor encontra um tesouro, disso sei eu. Mas como pegá-lo pelo colarinho e levá-lo ao final do texto é que é o “x” do problema” (outra referência proposital a Noel centenário). Na escrita também parece viger o preceito bíblico de que muitos são chamados e poucos escolhidos, ou, como diria o mano Cae: quem lê tanta notícia?

JUAZEIROS VERDES NA PLANÍCIE VERMELHA

O texto frouxo, cheio de circunlóquios, evasivas, negaças, lugares-comuns e obviedades serve apenas a leitores ociosos, quando os aeroportos estão em crise. Econômico, direto, despojado, Graciliano Ramos começa Vidas secas assim: “Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos”. Pronto. Pegou o leitor. Outros exemplos: “A síndica cheirava muitíssimo bem. Foi a primeira coisa que percebi ao entrar no edifício” (Flávio Moreira da Costa, obra citada); “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo” (Gabriel García Márquez, Cem anos de solidão).

BURRINHO PEDRÊS VINDO DE NÃO SEI ONDE

“Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando legítima defesa – e qual defesa seria mais legítima? – logrei ser absolvido por cinco votos contra dois, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris” (Campos de Carvalho, A lua vem da Ásia); Guimarães Rosa, abrindo Grande sertão: veredas: “Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja”; outra, de O burrinho pedrês: “Era um burrinho pedrês, miúdo e resignado, vindo de Passa-Tempo, Conceição do Serro, ou não sei onde no sertão”; e mais uma, da novela Duelo: “Turíbio Todo, nascido à beira do Borrachudo, era seleiro de profissão, tinha pelos compridos nas narinas, e chorava sem fazer caretas; palavra por palavra: papudo, vagabundo, vingativo e mau”.

O LEITOR NÃO TEM PIEDADE DO MAU TEXTO

Não resisto a mais referências, colhidas ao acaso: “Os primeiros dragões que apareceram na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes” (Murilo Rubião, Os dragões); ou Ruy Castro, em Tempestade de ritmos: “Agora que Miles Davis está morto, quem reclamará seu corpo? “Ainda me lembro daquele amanhecer em que meu pai me levou pela primeira vez para visitar o Cemitério dos Livros Esquecidos” (Carlos Ruiz Zafón, A sombra do vento). Para encerrar a pequena mostra, Monteiro Lobato, em O colocador de pronomes: “Aldrovando Cantagalo veio ao mundo em virtude dum erro de gramática”. Está certo Wallace Jones: se as frases iniciais não segurarem o animal em extinção chamado leitor, o texto será abandonado, sem piedade.

DIPLOMA, MELINDRES, MÁGOAS E RANCORES

Sinto que uma discussão estéril e rasteira tenha nascido de um comentário desta coluna (na semana passada), a propósito da atividade jornalística no Sul da Bahia. Não tratamos dessa cretina dicotomia entre ter ou não ter diploma (ser contra o diploma de qualquer curso é uma estupidez a cujo luxo não nos damos): deploramos que a Fenaj casse a pedradas os profissionais não diplomados, quando estes exercem honestamente (nem sempre, é verdade!) sua atividade e que os veículos abriguem “colunistas” (bissextos ou não) a quem não remuneram – sugerindo que eles recebem “por fora”, numa moeda podre, não publicável. Não é nossa intenção servir de canal para suspeitos melindres, mágoas adormecidas e rancores mal resolvidos.

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NOEL É VÍTIMA DE CANTORES DESLEIXADOS

Fizemos referência a erros da cantora Elizeth Cardoso na interpretação de Três apitos, e parece chegado o tempo de retomar o assunto, para que não fiquemos no campo da difamação. Antes, é conveniente dizer que erros em letras da MPB não são tema para uma notinha nesta coluna, mas motivo para livro, e livro grande, alentado, livrão (ou livralhão, como preferem os eruditos lusitanos). São muitos os exemplos, em várias épocas, com os mais diversos letristas. Por ser Noel um dos autores que mais “visitei”, o aponto como a maior vítima desse desleixo dos intérpretes. Mas vamos, por enquanto, à acusação contra a extraordinária Elizeth, o que faço sem nenhum prazer.

MESMO COM OS ERROS, UM MOMENTO ÚNICO

O poeta escreveu “Mas você anda/ sem dúvida bem zangada/ ou está interessada/ em fingir que não me vê” e Elizeth leu “… sem dúvidas bem zangada/ E está interessada…”; mais adiante, um erro na rima famosa: “Mas você não sabe/ que enquanto você faz pano/ faço junto do piano/ estes versos pra você” foi gravado como “Mas só não sabe/ que enquanto você faz pano/ Faço junto de um piano/ esses versos pra você”; para encerrar, “Nos meus olhos você lê/ como eu sofro cruelmente” saiu “Nos meus olhos você vê/ que eu sofro cruelmente”. Apesar das derrapagens (lembrar que era um show ao vivo) esta gravação de Três apitos, com Elizeth e Jacob (ao bandolim), é um momento apoteótico da MPB.

DE COMO ARACI DE ALMEIDA PISOU NA BOLA

Ao que me consta, Noel não ouviu Último desejo em disco: ele morreu em maio de 1937 e Araci de Almeida só fez a gravação em junho. Mas isso é da minha memória, informação sujeita àquelas já famosas chuvas e trovoadas desta coluna, não tive como conferir. “Araci de Almeida é, na minha opinião, a pessoa que interpreta com exatidão o que eu produzo”, disse Noel  em 1936,  numa entrevista. Gosto de pensar que ele nunca ouviu o erro de Araci, que passou a ser repetido por futuros intérpretes: o poeta escreveu “Às pessoas que eu detesto/ diga sempre que eu não presto/ e que meu lar é o botequim” e Araci, cabeça de vento, gravou “… e que o meu lar é um botequim”.

NOEL MORREU INOCENTE DO ERRO FAMOSO

Olívia Byington fez em 1997 um CD antológico, A dama do Encantado, reeditando gravações de Araci, com muito Noel, é óbvio (das vinte faixas, dez são dele). Preocupada em ser fiel ao texto, Olívia chama a atenção para o famigerado erro e explica, didaticamente, a distância entre o botequim (conforme escreveu Noel) e um botequim (como Araci tornou “oficial”): se eu digo que minha casa é o botequim, digo que “moro” no bar; se falo que minha casa é um botequim, estou dizendo que minha casa é uma zona… Ainda bem que Noel, também cantor, morreu sem saber o que sua cantora preferida aprontou. Voltaremos ao tema. Por enquanto, ouçamos Maria Betânia, com Feitio de oração (com erros, é claro).

(O.C.)

Tempo de leitura: 3 minutos

Osias Ernesto Lopes
É sempre bom ouvir e falar de música, notadamente da música popular brasileira. E aqui o faço apenas enquanto ouvinte e amante desta arte que tanto bem faz à alma, e especificamente para dizer de sua importância, da verdadeira trilha sonora que é formada ao longo de nossa vida. Inegavelmente que muitos dos momentos vividos, seja de felicidade, de tristeza, de festejos, têm quase sempre uma música especial, como que a emoldurá-los. E o que dizer dos namoros, dos amores, sem uma música que os adorne?
Minha geração foi privilegiada musicalmente, sem dúvida. Vivemos os tempos da Jovem Guarda, do Tropicalismo, vimos o rock and roll, ou rock n’roll, se solidificar e ser exaltado pelo imorredouro baiano Raul Seixas, assistíamos a alegria contagiante de Jair Rodrigues, e o samba de Martinho da Vila ecoar. Era um tempo em que todas as músicas de um LP (Long Play) faziam sucesso!
Foi uma juventude embalada por canções entoadas pelo “rei” Roberto Carlos e sua turma da Jovem Guarda. Quem nasceu na década de 1950 que nunca cantarolou alguma música romântica de Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, Agnaldo Timóteo, The Fevers, Renato  Seus Blue Caps, Elis Regina, Chico Buarque de Holanda, Gil, Caetano, Gal e Bethânia, etc.?
São artistas que, além de também produzirem músicas que embalavam nossos sonhos juvenis, ajudavam a aprimorar a formação de nossos pensamentos político-sociais e sedimentar o senso crítico. Eram obras que, digamos assim, se completavam e formavam um ambiente deveras lúdico, romântico, alegre e inteligente.
Lógico que esses são apenas alguns poucos nomes do enorme elenco que nos fins dos anos 1960, nos anos 1970 e até meados dos anos 1980, habitavam magistralmente a chamada MPB. A relação de nomes é demasiadamente vasta. Não cabe aqui (literalmente, inclusive) relacioná-los.
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