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DE LIVROS, EMPRÉSTIMOS E APROPRIAÇÕES

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

1 LivrosÉ curioso o comportamento das pessoas a respeito de livros. Não falo de lê-los, mas de tê-los. Conheço um professor, culto e gentil, íntimo de preciosismos como grego e latim, de quem tomar um livro emprestado torna-se quase uma violência. Apegado à sua biblioteca, em lhe sendo possível negar, não deixa jamais que lhe saia de sob as vistas uma unidade sequer, com receio de que ela não volte mais ao aconchego do lar. A justificá-lo ficam na outra ponta os leitores que não devolvem livros emprestados. Eduardo Anunciação (que Deus o acolha!) era do tipo: livro que a suas mãos chegasse mudava de dono, pois o bom Eduardo sofria de amnésia quanto a este assunto. Mas essa categoria é variada.

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Em nova casa, protegido contra traças
Dois exemplos: jornalista e escritor (dois títulos publicados), Daniel Thame gosta muito de livros, comprados ou não. Mas a quem lhe quiser emprestar algum eu sugiro ser generoso e o fazer com dedicatória, isto é, não emprestar, doar. Tenha a certeza de que o livro que outrora lhe pertenceu será lido e cuidado, mas não retornará, pois é pra frente que se anda. Por fim, o mais, digamos assim, sofisticado desse grupo, o professor de Direito e ex-roqueiro Adylson Machado: não devolve livro e ainda disserta sobre os motivos de não fazê-lo. Dá ao volume lugar de destaque em sua larga estante, espana-o, protege-o contra traças e outros malefícios, e questiona: “O primitivo dono faria tanto?”
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Não faltam bibliotecas, mas leitores
Não tenho ciúmes dos meus livros. Poderia emprestá-los todos, se encontrasse quem os lesse e os devolvesse intactos (para servir a outros leitores). Mas não quero doá-los a bibliotecas que vivem às moscas. O brasileiro acostumou-se a dizer que nos faltam bibliotecas públicas, o que é uma questão de senso comum: aprende-se a repetir isso, sem atentar para o fato constrangedor de que as bibliotecas existentes (poucas, é verdade, muito poucas, se nos comparamos com a mal falada Argentina) são ociosas. Voltando ao tema central, atribui-se a Bernard Shaw (ou seria Oscar Wilde?) esta frase: “Idiota é o homem que empresta um livro; mais idiota é o homem que o devolve”.
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ENTRE PARÊNTESES

4 AlugaHá tempos, esta coluna lamentou que certos redatores tenham posto a prêmio a cabeça do “se”: já não grafam “aluga-se”, mas “aluga” (e, em igual desvario, “vende”, em vez de “vende-se”, e “inicia”, em lugar de “inicia-se”. Seria, imagino, a Lei do Menor Esforço, aquela que festeja a preguiça e agride a boa linguagem. Pois lhes digo que acabo de surpreender um “se” inteiramente fora do lugar: entrou em moda, ficou bonitinho dizer coisas como “ele quer se aparecer”.  Seja gentil com a língua portuguesa, não empregando tão despautério. Há verbos que nasceram pronominais e pronominais vão morrer. Não é o caso de aparecer, sabidamente inimigo do “se”.

O MICROCONTO, DE HEMINGWAY A TREVISAN

5 Dalton TrevisanA literatura brasileira registra, ao lado do romance, do conto/novela e da crônica, um segmento ainda um tanto enjeitado, o microconto. Mesmo não sendo novo (Hemingway já o praticou), ele não é aceito como gênero literário. O paranaense e mal-humorado Dalton Trevisan é um dos expoentes do que os americanos chamam microfiction (no Brasil há quem chame isso de microrrelato). Se acaso o microconto é uma competição para ver quem o faz menor, Trevisan está longe de ser o campeão, mas está no jogo: ele começou com o “conto curto” (40 linhas, 150 palavras) e fica cada vez mais econômico. Falemos de dois autores notáveis desse modelo, que parece irmão do haicai.
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A tragédia em apenas sete palavras

Augusto Monterroso (1921-2003), premiado escritor guatemalteco é autor de um miniconto famoso, com apenas trinta e sete letras e sete palavras (O dinossauro): “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”. Antes dele, o americano Ernest Hemingway (1899-1961) gastou também sete termos, mas apenas vinte e seis caracteres, para fazer sua, digamos, narrativa: “Vende-se: sapatos de bebê, sem uso”. O dinossauro integra antologias em vários países, com muitos estudos de suas faces literária e política; o texto de Hemingway “fala” de uma tragédia familiar, uma criança que não chegou a nascer, ou que logo morreu. O trágico não é explícito, mas sugerido.

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Célio Nunes: drama em poucas palavras

Célio Nunes (1938-2009), contista sergipano de fortes ligações com Itabuna, teve lançado postumamente em 2001 seu livro Microcontos, com 62 narrativas curtas. Experimentado – publicou o primeiro livro em 1963, o último em 2005 – Célio não adentra os caminhos de Hemingway e Monterroso: é econômico em suas histórias, a maioria com menos de 200 palavras, mas a todas dota de princípio, meio e fim – conforme o modelo clássico, com finais, quase sempre, surpreendentes. Os personagens, conforme faz notar o poeta itabunense Plínio de Aguiar, na apresentação, “transitam por histórias marcadas pela dramaticidade da sobrevivência, por histórias que não raro terminam no pênalti da tragédia humana”.

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MANSO, SERENO, TRANQUILO, VOZ AFINADA

8 Paulinho da Viola“Solidão é lava/ que cobre tudo (…)/ Solidão, palavra/ cavada no coração/ resignado e mudo…”. São versos de um artista reconhecido na MPB, sambista, chorão, cantor de voz pequena, porém afinada e segura – Paulinho da Viola. Homem manso, tranquilo, sereno, ele abriu um caminho pessoal na selva que é o meio artístico, impôs uma marca, criou um estilo de compor e de cantar. De 1968 (Paulino da Viola, Odeon) até nossos dias, são, pelo menos, oito discos fundamentais, entre eles (já disse ser o meu preferido) Bebadosamba (1996), o único de inéditos que ele gravou até hoje, parece-me. No vídeo, o grande Paulinho coadjuva Marisa Monte em Dança da solidão (do LP do mesmo nome, Odeon/1972).
(O.C.)
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FORMIGAS EXPLORADAS E MENTIRAS A ESMO

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br
Não tenho o hábito de encher a caixa de e-mails de ninguém com campanhas contra o excesso de trabalho das formigas, bandeira disso e daquilo, argumentos em defesa de grupos políticos ou religiosos. O que não quer dizer que a minha não sofra tal pressão, embora eu descarte a maioria dessas mensagens, tão logo lhes identifico a fonte do conteúdo: Instituto Milenium, determinados colunistas ou artistas globais a serviço de ideologias que combato. Sem contar que há muita mentira em trânsito, quem duvidar se lembre da última eleição presidencial, quando as tentativas de desqualificar uma candidata não respeitaram limites morais. Mas recebi há dias uma informação que me parece verdadeira e digna de atenção: é sobre sacolas plásticas.

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2Sacolas plásticas“No mar, tanta tormenta e tanto dano”
De acordo com a National Geographic, aquelas “inocentes” sacolas plásticas são uma verdadeira praga a se multiplicar, pois elas não podem ser (como as garrafas pet) recicladas, tendo sempre seu estoque renovado. Quer dizer, são recicláveis, mas isso não é economicamente viável: uma tonelada de sacolas recicladas custa mais de 100 vezes o valor da mesma quantidade de sacolas novas. Elas chegam ao mar (4 milhões de quilos por ano!), aos rios e às matas. Nas nossas ruas, impedem o escoamento da água. Engolidas como se fossem comida, matam cerca de 200 tipos de vida marinha (baleias, focas, peixes, tartarugas), com risco de voltar ao nosso prato, já em forma de polímero tóxico de petróleo.
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Sabe alguém onde posso comprar um aió?
A China, Bangladesh, Israel, Rwanda, parte da Índia, Quênia, Tanzânia, Singapura,Taiwan são lugares onde as sacolas plásticas foram abolidas ou estão em vias de sê-lo. São Francisco (aquela onde I left my heart!) foi a primeira cidade americana a proibir as sacolas, o que depois se estendeu a Oakland (também na Califórnia) e Boston. No Brasil, houve uma tentativa em São Paulo, mas frustrou-se, em nome do “direito costumeiro do consumidor”. Por aqui, talvez as sacolas tenham mais defensores do que acusadores, o que lhes garante vida longa. Eu, convencido, já estou à procura de um bocapiu ou, talvez – pois tenho sob controle meu consumismo – um aió. Saberia a gentil leitora onde posso adquirir um bom e honesto… aió?
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“ASSEMBLEIA CAUDEJANTE E RUMINATIVA”

4João Guimarães RosaNa novela “Minha gente”, Guimarães Rosa (foto), do fundamental Sagarana/1946, chama a atenção este diálogo, entre um homem da cidade e José Malvino, trabalhador rural, que é “um camarada analfabeto mas, no seu tempo e para seu gasto, pensa esperto”. Diante de “uma assembleia, caudejante e ruminativa, de bois e vacas”, sobre que pairam interesseiros carcarás, “com elegância decadente e complicada pintura de roupagens”, o cara da cidade resolve pôr à prova a sagacidade do caipira: “– O que você acha de mais bonito neles? – pergunta. José Malvino ensaia um sorriso sem graça, pensando que querem fazê-lo de bobo, mas responde, dentro de seu entendimento das coisas”.
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5CarcaráGente talentosa, de sangue envenenado
“– Se o senhor doutor está achando alguma boniteza nesses pássaros, eu cá é que não vou dizer que eles são feios… Mas, pra mim, seu doutor não leve a mal, pra mim, coisa que não presta não pode ter nenhuma beleza”. Gosto dessa passagem, por achá-la ilustrativa do pensamento idealista, a compreensão de que o belo é bom, o feio é mau. Mesmo “vacinado”, já me deixei levar por essa filosofia atravessada, confundindo talento e competência com moral e ética. Intelectuais não são, necessariamente, boa gente; são, às vezes, gente talentosa, de sangue envenenado. O cinema já foi assim, formado por vilão feio e mocinho bonito. Muitas vezes, as aparências enganam, na tela e na vida.
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Almas secas, sofridas e atormentadas
Carlos Lacerda era ótimo exemplo da combinação de talento com ruindade. Certa vez, falando do ditador Castelo Branco, que lhe contrariara o plano de ser presidente da República, disse (citação de memória, sujeita a chuvas e trovoadas): “ – Vocês acham que ele é feio por fora? Pois eu lhes afirmo que ele é mais feio ainda por dentro. Eu vi!…” Era só uma grande “tirada” retórica, mas bem que seria interessante sabermos o que vai no íntimo das pessoas, olhá-las por dentro e ver que, em muitos casos, o corpo bonito é apenas abrigo de uma alma seca, sofrida e atormentada, se não morta e esquecida entre nós. Como um livro de bela capa, mas de asqueroso conteúdo…
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ELIS, A QUE CANTAVA SAMBA… “ASSIM”

Creio que a crítica dedicou pouco espaço e tempo à especial técnica de Elis Regina como cantora de samba, talvez porque ela mesma não gostasse de rótulos limitantes. É seu lado menos visível. Sem preocupações de disputar com as “donas” desse segmento (Clara Nunes, Beth Carvalho, Alcione), Elis encontrou uma forma própria de expressão, com um cantar suave, suingado, envolvente, a caminho do jazz. Ela gravou o LP Samba eu canto assim (1965), mas, nessa linha, eu acho ainda melhor a seleção A arte maior de Elis Regina, de 1983. Lá estão, pelo menos, três sambas maravilhosamente vividos: Triste, Folhas secas e Alô, alô, taí, Carmem Miranda.
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A marca Elis Regina em tudo que tocava
Seja tema contemporâneo, como Triste (Tom Jobim), enredo (Alô, alô…/Império Serrano, 1972) clássicos – É com esse que eu vou (Pedro Caetano/1948) e Saudosa maloca (Adoniran Barbosa/1955) – a tudo a cantora dava seu toque pessoal, tudo submetia à marca Elis Regina. O livro Guerreira da utopia, de Wagner Fernandes, sobre Clara Nunes, causou mal-estar entre Alcione e Beth Carvalho (Beth questionou o repertório de Clara, Alcione disse que a mineira era tão “inatacável” quanto a própria Beth). Elis ficou fora da “briga”, por motivos óbvios. Aqui, a temos ao vivo, no saudoso Ensaio da TV Cultura/1973, com César Camargo Mariano ao piano: É com esse que eu vou.

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(O.C.)
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LUIZ GONZAGA FAZIA ACORDES, NÃO VERSOS

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br
1Asa BrancaFindo 2012, quando foi comemorado o centenário de Luiz Gonzaga, saltou-me aos olhos certo equívoco, perpetrado pela mídia. No afã de prestigiar o Rei, salientaram-lhe qualidades que ele nunca teve. Numa muito criativa matéria de tevê (creio que na Globo) esmiuçou-se a asa branca (uma espécie de pomba, em extinção) e que deu título à música famosa. Lá pras tantas, a repórter danou-se a louvar a “literatura” de Luiz Gonzaga, os “poderosos versos” sobre o sertão, o nordestino, o vaqueiro, a seca e por aí vai, esbanjando um desconhecimento que não se permite a nenhum profissional do gênero: para ser grande (e por ser grande), o Rei nunca se apropriou da qualidade de seus letristas. Ele não fazia “literatura”, fazia acordes.

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Os grandes letristas quase esquecidos

“Era excelente musicista”, atesta o respeitável especialista em Direito Municipal (e ex-roqueiro de igual respeito) Adylson Machado. As comemorações deixaram Humberto Teixeira em quase completo esquecimento, o que me pareceu grande injustiça com quem escreveu um monte de “clássicos” cantados pelo Rei. Cito de memória (além de Asa branca) várias outras, algumas delas obras-primas do gênero, no meu modesto entender: Juazeiro, Qui nem jiló, Estrada de Canindé, Paraíba, Assum preto, Respeita Januário, Mangaratiba, No meu pé de serra, Lorota boa… De Zé Dantas falei em outras colunas: Vozes da seca, A volta da asa branca, Letra i, Riacho do Navio, Cintura fina, Paulo Afonso. A ignorância vigente na mídia é de espantar.
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SEM MISÉRIA, NÃO HÁ JAZZ “DE VERDADE”

3Doris DayPromessa é dívida. Voltamos aos best-sellers do jazz, em que seus integrantes, tal qual os escritores, são acusados de vender muito e… ganhar dinheiro. As listas que todos conhecem são integradas por meia dúzia de grandes artistas negros, mas não incluem Nat King Cole, Frank Sinatra, Doris Day, Fred Astaire. Óbvio: além de serem quase todos brancos, esses venderam muito e, consequentemente, fizeram “concessões”, ficando marcados como “comerciais”.  O senso comum diz que lhes falta desgraça e miséria suficientes para sentir o blues na própria pele – sem o que não se canta o jazz autêntico. Quem é jazzman (ou jazzwoman) de verdade morre com o estômago pregado às costas, mas concessões ao mercado, jamais.

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“Num quarto sujo, cheio de percevejos”

Este raciocínio, segundo Ruy Castro (no livro Tempestade de ritmos), foi montado pelos franceses, lá pelos anos trinta/quarenta, e de forma eficiente, “porque até hoje há quem acredite nele”. A teoria tenta preservar o músico de jazz como o tipo “bom selvagem” de Rousseau: negro, pobre, injustiçado, escravo do jazz, do álcool e da heroína, mas firme e incorruptível. Diante das “concessões” que levam à boa vida, escolhe vegetar num quarto sujo, cheio de percevejos (vide os filmes ´Round midnight e Bird, já referidos nesta coluna). “Duke Ellington, a caminho do seu alfaiate, tremia de medo dessa teoria”, ironiza Ruy Castro. Confesso que esse tipo me fascina – creio que fui formado nessa escola romântica.
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5Cole EspanholNo fim, boleros derramados, em espanhol

Para ficar apenas num nome (que o espaço é tão pequeno para tanto amor), citemos o velho Nathaniel Adams Coles (1919-1965): pianista, tornou clássica a formação piano-guitarra-baixo, era cultuado pelo seu trio de jazz “autêntico”. Foi assim até resolver cantar canções “comerciais”, quando passou a ser execrado pela crítica. Esta jamais o perdoou por gravar e vender Mona Lisa, Unforgettable, Blue Gardenia e (aí nem eu aguentei!) uma enxurrada de boleros derramados, em espanhol. De ternos bem cortados, e dono de muitos dólares, Nat King Cole era discriminado no bairro rico onde residia. A gorda conta bancária não foi bastante para ofuscar o racismo, contra o qual ele era combatente.
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(ENTRE PARÊNTESES)

Quase destruída física e moralmente, Itabuna aguarda ansiosa as ações do seu novo Messias. Nunca se viu um prefeito com tantas sugestões de nomes. Seu sobrenome é Renascer, mas ele poderia, sem desdouro, chamar-se Reconstruir, Reformar, Refazer, Remontar, Recuperar, tais são as expectativas criadas. É aceitável também, Salvador da Pátria, Fada Madrinha, Salvação da Lavoura, Houdini, Magoo e, se queremos algo mais abrangente, Panaceia. Mas que não seja o Mágico de Oz, pois de impostores já andamos cheios. A frase batida (do filme O fabuloso destino de Amélie Poulain) cabe aqui: “São tempos difíceis para os sonhadores”.
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EU VOLTAREI TÃO LOGO A NOITE ACABE

“Meu amor, eu não esqueço,/ não se esqueça, por favor,/ que eu voltarei depressa,/ tão logo a noite acabe,/ tão logo esse tempo passe,/para beijar você” – são versos de Para um amor no Recife, de Paulinho da Viola. A música foi feita para Dedé (Maria José Aureliano), uma professora pernambucana que hospedou Paulinho no Recife em 1971, quando ele foi lá apresentar-se durante três dias e ficou (graças à acolhida calorosa) quase um mês. No fim, Dedé chamava o cantor de filho (para isso, pedira e obtivera “autorização” da verdadeira mãe dele, no Rio). Mas Para um amor…, um grito contra a ditadura militar, esconde outra história menos “família”, menos lírica, menos divulgada.
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Feridas abertas e sangue derramado

Em A vida quer é coragem (do jornalista Ricardo Amaral), biografia da presidenta Dilma, surge a uruguaia Maria Cristina no capítulo intitulado “Tão logo a noite acabe”. Amaral conta que Cristina ligou-se à guerrilha no Brasil, devido à paixão que tinha pelo militante Tarzan de Castro, do PCdoB, preso em 1969, e amigo do ex-marido de Dilma, Carlos Araújo. As duas dividiram a mesma cela, em São Paulo, por oito meses. Quando a uruguaia, levada para as sessões de tortura, retornava, Dilma tratava das dores e lhe chamava a atenção para a letra de Paulinho, como uma espécie de bálsamo, ao cantar “Fechar a ferida e estancar o sangue”. Sentiam-se menos sós e desamparadas: lá fora, uma voz lírica dizia que a iniquidade não era eterna.

(O.C.)

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ANALFABETOS COM DIPLOMA E ANEL NO DEDO

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

Vão pensar que brinco em serviço, se lhes repetir o que li: segundo o Indicador do Alfabetismo Funcional (Inaf), 65% dos brasileiros que concluíram o curso médio não são plenamente alfabetizados. Isto quer dizer: têm dificuldades para entender, interpretar, analisar, avaliar conteúdos, relacionar as partes do texto e distinguir fato de opinião. Se os gentis leitores e leitoras ficaram abalados, sentem-se, pois o pior está por vir: diz o Inaf que 38% das brasileiras e brasileiros de nível universitário encontram-se na mesma situação, ou seja, possuem nível insuficiente em leitura e escrita. Estes seriam os analfabetos de terno, gravata, diploma e anelão no dedo.

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Boçalidades exuberantes e barulhentas

E como fica a tese da classe média dita “formadora de opinião”, em defesa da leitura que liberta, transforma, constrói? É pregar no deserto, discursar para ouvidos moucos, mostrar imagem a cegos. Somos uma nação de analfabetos funcionais tácitos e hereditários, alguns desses (devido à sua alta titularidade sem conteúdo) autoconsiderados sumidades, quando não passam de boçalidades exuberantes e barulhentas. Recentemente, uma desembargadora do Rio, no texto de sua sentença, recomendou aos advogados da causa examinada “adquirir livros de português de modo a evitar expressões que podem ser consideradas como injuriosas ao vernáculo”.

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Atentado contra a língua portuguesa

E ela cita exemplos que atestam serem completamente ignorantes em ortografia os nobres causídicos que apresentaram as contrarrazões do processo: em fasse (no lugar de “em face”), aciste (“assiste”), cliteriosamente (“criteriosamente”), doutros julgadores (“doutos”), estranhesa (“estranheza”), discusão” (“discussão”), inedoneos (“inidôneos”). Fico sabendo de uma curiosidade: “o advogado que atenta contra o vernáculo comete infração disciplinar”, de acordo com a Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia). Logo, este caso sugere a ideia de que os advogados dessa causa deveriam ser processados por tentativa de homicídio. A vítima? A idosa, inculta, porém bela língua portuguesa.

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AS GRANDES HISTÓRIAS DE ANTÔNIO JÚNIOR

Antônio Nahud Júnior, depois de publicar, pelo menos, oito títulos (em gêneros variados), está de livro novo na praça, ainda quente do prelo: Pequenas histórias do delírio peculiar humano. São contos da mais diversa feitura, alguns ditos minimalistas, outros extensos, uns na primeira pessoa, outros tendo o autor como narrador “distante” – mas, em conjunto, todos formando uma celebração da maturidade do artista. E mais não digo para evitar a ociosidade da chuva no molhado, pois Pequenas histórias… é apresentado por Jorge Araújo e Ruy Póvoas, ainda com luxuosas orelhas lavradas por uma especialista em Coelho Neto, a pesquisadora Danielle Crepaldi, da Unicamp.

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O lado penumbroso do ser humano

Para Jorge Araújo, Pequenas histórias…“é livro inquieto e inquietante, que convida ao debate e à inteligência não conformados ainda à inércia do pensar de calças curtas”. E destaca o conto “Sem notícias de Deus” como “soberbo, antológico e definitivo”. Danielle Crepaldi percebe a erudição do autor, salientando que Poe, Miller e Ibsen “ecoam nessas histórias”, também destacando “Sem notícias…”, em que “a crítica social singelamente brota da aridez da fome e do clima nordestino”. Ruy Póvoas afirma que Nahud Júnior tem personagens “em crise de delírio”, que mostram “o lado sombrio do ser humano, sua rede de trevas, que a maioria teima em negar ou ignorar”.

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ALITA PRESTA HOMENAGEM A JORGE AMADO

A Academia de Letras de Itabuna (Alita), presta homenagem a Jorge Amado, com o projeto “A Alita vai à escola”, de 27 de agosto a 5 de setembro. Dia 27 – 19 horas: Cyro de Mattos, com o tema Jorge Amado em Itabuna (auditório da FTC); Dia 28 – 9 horas: Margarida Fahel, com Jorge Amado: um humanista nas terras do cacau (Colégio Militar); 29 – 9 horas: Antônio Lopes, com Jorge Amado: o pão e a liberdade (Campus 2 da Unime); 30 – 9 horas: Gustavo Veloso e Ceres Marylise, com exibição de documentário sobre Jorge Amado, seguido de atividades interativas (Escola Lourival Oliveira – Ferradas); Dia 5/9: Ruy Póvoas, com o tema Jorge Amado: ficcionista, ogã e obá.

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ENFIM, CORONEL RECEBE TÍTULO MERECIDO

A Justiça demorou mas reconheceu, agora em agosto, que o coronel da reserva do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra (sem foto, para a coluna não cheirar mal), chefe dos serviços de repressão a presos políticos em São Paulo (1970-1974), merece o título que com tanta determinação perseguiu: “Torturador”. Ele é tido como símbolo dos agentes da ditadura militar (1964-1985) que, em nome do Estado, sequestraram, torturaram, estupraram, mataram e ocultaram corpos de presos políticos e “inimigos” do regime. Estima-se que 17 pessoas foram assassinadas na “gestão” de Ustra (que usava o codinome de Doutor Tibiriçá e raramente sujava as mãos: apenas dava ordens e supervisionava o “serviço”).

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Dante aprendido no pau-de-arara

Não se sabe (nem interessa saber) se Ustra, um bandido vestido de verde-oliva, lia os clássicos. Mas seus presos tomaram conhecimento, pelo modo mais doloroso, do Inferno de Dante: a quem entrasse naquelas masmorras modernas a lógica perversa mandava, como noCanto III de A divina comédia, renunciar a qualquer esperança de rever o céu. Na minha tradução (de Fábio Alberti, para a Abril Cultural) está, à página 18, uma indagação apropriada ao caso: “Que dor tão cruel se apodera deles e os faz gritar, urrar tão fortemente?” O Doi-Codi de São Paulo, era um inferno; o coronel Ustra, o capeta-chefe.

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SEM TREJEITOS, CHICO CANTA A MULHER-MULHER

Sem aqueles trejeitos homossexuais (que transmitem ridícula caricatura da mulher) Chico Buarque tem um lado lucidamente feminino, isto é, político: não canta a mulher “gostosa”, objeto de desejo sexual, nem tão pouco a mulher-musa, deusa no alto do panteon. Seu discurso é o da dor, da discriminação, do “veneno” e da grandeza dessa costela tirada de um ser já também esfacelado chamado homem. Sua visão, prenhe de poesia e beleza, não é sobre a mulher, mas da mulher. São tantas as canções (Atrás da porta, Olhos nos olhos, O meu amor, Teresinha, Folhetim), mas me detenho numa que ele fez especialmente para Nara Leão: Com açúcar, com afeto.

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“Quando a noite, enfim, lhe cansa…”

O malandro sai de casa em busca de dinheiro para sustentar sua Amélia, mas ela sabe que até a oficina “há um bar em cada esquina” – e ele vai beber, cantar, discutir futebol e olhar as pernas das moças – “coisas de homem”. Isto tudo é dito com rimas magníficas, um ótimo trocadilho (“alegre, ma non tropo”) e um fecho de ouro: finda a farra, o cara (que saiu “com seu terno mais bonito”) retorna “maltrapilho e maltratado” feito um gato após orgia no telhado. Ela tenta zangar-se, mas qual! “Ainda vou esquentar seu prato/dou beijo em seu retrato/e abro os meus braços pra você” – que mulher! A cantora erra a letra (onde estava“há” ela canta “existe”, quebrando o verso), mas não reclamo. Nara Leão tem direito.

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Como se fosse uma conversa de botequim

E antes que vocês queiram ver/ouviresta injustamente pouco executada canção de Chico, um aviso a quem interessar possa: a partir da próxima terça-feira, pretendo responder aos comentários que necessitem de resposta. Nada de chat – ou coisa igualmente chata (ops!): só esclarecer pontos de vista e retribuir a gentileza dos que gastam tempo e tutano opinando sobre esta coluna (alguma coisa como uma inocente conversa de botequim, com permissão de Noel). E com vocês, Nara Leão!

O.C.

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As origens da MPB, os principais compositores e intérpretes de 1890 a 1990, década a década, de Chiquinha Gonzaga a Marisa Monte, de Catulo da Paixão Cearense a Zezé Di Camargo e Luciano. Relançado semana passada, MPB – A História de Um Século (Editora Funarte, R$ 70,00) é um livrão de 528 páginas que serve de referência a quem quer entender os rumos dessa trajetória, e acompanhá-la em fotos.

São 400 imagens de artistas de “importância decisiva”, entre amarelados registros de Patápio Silva, Ernesto Nazareth, Heitor dos Prazeres e Pixinguinha, imagens icônicas das gerações bossa nova (Tom, Vinicius, Menescal, Bôscoli, Carlos Lyra e companhia, Sérgio Mendes e o Brasil-66 posando com Nixon em Washington), da música de protesto, festivais, jovem guarda, até chegar aos anos 90 do pagode e do sertanejo pop.

A publicação culmina na “nova MPB” que também estourou ali: Marisa, Cássia Eller, Chico César, Zélia Duncan, alguns “modismos” passageiros e fenômenos femininos que se perpetuaram (Ivete, Ana Carolina).

Já a novíssima MPB não entrou. “O espírito do livro foi se ater ao século 20, que foi o consolidador e definidor da MPB. O século 21 está começando ainda, não dá para se ter uma apreciação crítico-histórica”, diz Ricardo Cravo Albin, pesquisador aplicado e diretor do Museu da Imagem e do Som entre 1965 e 1971. Seus textos aparecem no livro também em inglês, francês e espanhol. Do Estadão.

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TODOS NÓS CONHECEMOS HOMENS NO ESTOJO

Ousarme Citoaian
O leitor Mohammad Padilha referiu-se aqui aos contos de humor de Tchekhov (foto), o que me motivou a uma releitura, mesmo dinâmica, de O homem no estojo (que tenho) e Um negócio fracassado (da coletânea de humor), captado no PC. O primeiro fala de um professor de grego que se agasalha, a qualquer tempo, com sobretudo de lã, galochas e guarda-chuva. Quando sobe numa carruagem, levanta a capota imediatamente e, ao dormir, mesmo em noites quentes, fica sob os cobertores, os ouvidos tapados com algodão. O presente o apavora, enquanto ao passado faz louvações exageradas, sempre a combater qualquer ideia nova. É o homem no estojo, tipo que todos nós conhecemos. Por essas e outras, Tchekhov é universal.

“DON JUAN” TUDO PERDE POR FALAR DEMAIS

Um negócio fracassado nos dá um Tchekhov picaresco (lado que, penso, é pouco analisado em sua obra), num texto que nos prende logo de saída: “Estou com uma terrível vontade de chorar! – começa o narrador, passando a contar como lhe escapou das mãos, num casamento, uma pequena fortuna.“Ela é jovem, linda, vai receber de dote 30 mil rublos, tem alguma cultura, e a mim, autor, ama como uma gata”, festeja o Don Juan, por antecipação. Veste-se, perfuma-se, penteia-se, impressiona  a incauta. Mas quando já tinha como seus os  30 mil rubros (mais a linda moça que os acompanharia), mete-se a falar e tudo põe a perder. É de fazer chorar. Tem bom gosto, esse Mohammad com sobrenome de grande poeta.

O CONTO LIBERTO LEVITA FEITO ASA-DELTA

Diz o crítico Hélio Pólvora, em Itinerários do conto (Editus-Uesc/2002), que Tchekhov “libertou o conto de um pesado arcabouço clássico, enchendo-o de oxigênio puro e fazendo-o levitar como asa-delta”. Itinerários… deve ser adotado como livro de cabeceira pelos que se propõem a apreender os mecanismos do conto e/ou ter uma visão dos nomes capitais da literatura mundial: lá estão (fora Tchekhov) de Maupassant a Poe, de Machado de Assis a Mark Twain, de Sartre a Adonias Filho, Marquês de Sade, Eduardo Portela, Proust, Ricardo Ramos, Ariano Suassuna, Joyce, Álvaro Lins, Jorge Amado – mais de 250 autores. Curiosamente, Tchekhov é o campeão de citações de todo o livro, com 22 referências.

SAUDADES DAS COORDENADAS ASSINDÉTICAS

Na escola, em tempos idos, todos nos sentíamos mais ou menos molestados (olha a aliteração aí, gente!) com a insistência dos professores em nos enfiar análise sintática cabeça adentro. Ah, as orações… coordenadas e subordinadas, sindéticas e assindéticas, partidas e sem sujeito, adjetivas, adverbiais, reduzidas, substantivas e outras – parece mesmo um exagero. Programa para quem almeja a especialização, privilégio de poucos.  Mas tenho como indispensável apreender o sentido de sujeito, predicado e objeto (mais uma pitada de regência e concordância). Com isso, já se pode fazer muito jornalismo e até um pouco de literatura, sim senhor.

MONSTRENGO QUE AGRIDE OLHOS E OUVIDOS

A reflexão me surge quando leio, em importante jornal de Salvador, este título, totalmente (ou deveria dizer “sintaticamente”) equivocado: Julgamento de padres pedófilos finaliza dia 22. Gramáticos encontrariam nesta construção material suficiente para uma conferência magna. Mesmo quem não tem engenho e arte para dissecar o monstrengo, nota que sua desnecessária complexidade agride nossos olhos e ouvidos: “Julgamento de padres pedófilos”, ao mesmo tempo, finaliza e é finalizado, pois é resposta às perguntas “quem finaliza?” (sujeito) e “o que finaliza?” (objeto). Dessa mistura incomum saiu um resultado, no mínimo, insalubre.

JULGAMENTO NÃO FINALIZA, É FINALIZADO

Melhor para todos é escancarar o sujeito, tirá-lo da sombra. Com “Tribunal finaliza julgamento de padres…” estaria tudo resolvido. Colho na grande mídia (para não fatigar os leitores) apenas cinco abonos da construção que defendo neste caso: 1) Supremo finaliza julgamento sobre Raposa Serra do Sol; 2) Elenco do Flamengo finaliza atividade física; 3) Petrobras finaliza plano de investimento; 4) MEC finaliza plano de educação com meta de 7% do PIB; 5) Supremo finaliza julgamento de Battisti. “Julgamento” não finaliza, é finalizado; sofre a ação, não a pratica; não é elemento principal, mas acessório; logo, não é sujeito, é complemento.

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MPB NUM NOME SÓ: ANTÔNIO CARLOS JOBIM

Ari Vasconcelos, no Panorama da Música Popular Brasileira, diz que se tivesse espaço para apenas um nome que representasse a MPB escreveria “Pixinguinha”. Pode ser, pode ser. Músicos fazem música, letristas fazem letras, políticos fazem discurso. É a lei natural das coisas. Da mesma forma, bananeira não dá laranja e coqueiro não dá caju – segundo Braguinha, na marcha Bananeira não dá laranja/1953. Como as demais regras, esta comporta exceções, e uma das mais notáveis é Tom Jobim. O maestro, à primeira vista exclusivamente músico, era também um letrista excepcional. Enfim, resta dizer que Panorama… foi publicado em 1964 – e Tom ainda faria, pelo menos, dez clássicos.

BAIANA COM CESTO DE FRUTAS NA CABEÇA

Tom é um dos pais da Bossa Nova. E esta abriu as portas do mundo para a MPB, livrando-nos daquele estereótipo ridículo criado para Carmem Miranda (a baiana que usava na cabeça algo parecido com um cesto de frutas tropicais). E influenciou o jazz, para sempre. É lembrar que Tom Jobim foi gravado por Ella Fitzgerald, Stan Getz, Anita O´Day, Sarah Vaughan, Joe Henderson, Miles Davis, Chet Baker – para citar apenas algumas feras desse gênero. E gravou com Frank Sinatra, o que não é pouco. Lobão disse, dentre outras do seu latifúndio de polêmicas, que a Bossa Nova é uma linguagem morta. Ofensa das pequenas, para quem já condenara as vozes que “crucificam os torturadores que arrancaram umas unhazinhas”.

ROCK BRASILEIRO É APENAS CONTRAFAÇÃO

Não tenho simpatia pelo rock, filho bastardo do jazz. E falo do rock norte-americano, pois rock brasileiro não passa de contrafação – no sentido anotado no Michaelis: “Imitação fraudulenta de um produto industrial ou de uma obra de arte”. Ainda assim, gosto de uma coisa ou outra de Raul Seixas, do pioneirismo do Camisa de Vênus, de Tia Rita Lee e do Skank (penso que Chico Amaral é muito bom letrista). E porque falávamos de Tom Jobim, vamos a uma de suas melodias mais importantes, O amor em paz. Para ela, Vinícius escreveu “O amor é a coisa mais triste, quando se desfaz”. E não é mesmo? Aqui, com o pungente sax tenor de Joe Henderson, com músicos brasileiros.

(O.C.)

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Dono de um dos melhores repertórios da atual MPB, o cantor e compositor Zeca Baleiro é a principal atração da noite deste sábado (30) na Concha Acústica de Ilhéus, a partir das 22 horas.
A noite também terá shows de Zabumbahia e da sensação do instrumental baiano, a banda Marambaia. O show é promovido pela M21 Eventos e tem apoio do PIMENTA. E aqui, Zeca Baleiro aparece cantando Quase Nada.

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JÁ MUITO ALÉM DO CABO DA BOA ESPERANÇA

Ousarme Citoaian
Foi com Emílio de Menezes que aprendi a beber uísque com água de coco. “Como?” – gritariam horrorizados puristas, para os quais uísque não se mistura – e, no seu espanto, me levantariam a bola para um mau trocadilho: eu não como, bebo. Mais: se o poeta morreu em 1918, este humilde e hebdomático colunista, para gabar-se de com ele ter bebericado, precisaria carregar no costado, pelo menos, 100 anos – e ter começado a beber ainda usando fraldas. Convenhamos que já estou meio para a idade provecta, mais pra lá do que pra cá, dobrado o Cabo da Boa Esperança e ofensas semelhantes, mas não tanto que ultrapasse uma centena de verões ardentes.  Meu convívio com o poeta não se deu em boteco, mas em livro.

EMÍLIO, QUEM DIRIA, NÃO É MAIS AQUELE


Trata-se de Emílio de Menezes, o último boêmio, de Raimundo de Menezes, bebido (ops!) na adolescência, e que agora recuperei num sebo. Réu, confesso: precoce, lia, bebia uísque e fumava (de fumar, logo me cansei, pois odeio vícios pequenos). Pois saibam todos que o velho e bom Emílio (a voz poética mais destrutiva que já se ouviu neste País) está também num livro psicografado por Chico Xavier (Parnaso de além túmulo) e, crenças à parte, não gostei de vê-lo “recuperado”, como ali se mostra em dois sonetos. Num deles, confessa: “Sou o Emílio, distante da garrafa,/ mas que não se entristece nem se abafa,/ longe das anedotas indecentes”. Não é Emílio, é anti-Emílio. 

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OPINIÃO DE LINGUISTA “PESA” EM DECISÃO

A variedade de entendimentos é um dos muitos encantos do Direito e, por extensão, da democracia e da vida. Um juiz de Niterói (poderia ser qualquer outro cidadão) recorreu à Justiça, exigindo ser tratado por “senhor”, pois se sentira ofendido ao ser chamado de “vocêpelo síndico do edifício onde mora. Pleiteava que também suas visitas recebessem do mesmo síndico o tratamento de “senhor”, “senhora”, “doutor”, “doutora” e por aí vai – e ainda pedia que, em caso contrário, fosse o “infrator” levado a pagar multa não inferior a 100 salários mínimos, por danos morais. No tribunal, o julgador negou-lhe a pretensão, com base em parecer da linguista Eliana Pitombo Teixeira.

DOUTOR É TÍTULO, NÃO FORMA TRATAMENTO

Segundo a professora, “você” é tratamento formal – por ser variante (contração) da alocução respeitosa “Vossa Mercê”. Para o magistrado sentenciante, “´Doutor´ não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um doutoramento”. Estou perfeitamente de acordo quanto à segunda justificativa. Da primeira, data vênia, discordo frontalmente: “você”, embora vindo de uma expressão formal, é, na linguagem de todos os quadrantes do Brasil (exceto, talvez, alguns locais da região Sul), tratamento íntimo. Nenhuma pessoa medianamente educada usa “você” com pessoa idosa, autoridade ou desconhecido.

COMO REGRA, “VOCÊ” É TRATAMENTO ÍNTIMO

Não opino se há direito ou apenas pose na “exigência” do cidadão em não querer ser tratado por “você”. Apenas digo que “você”, em não sendo, por si só, forma ofensiva de abordagem, não é formal, como diz a ilustre professora, opinando a distância do falar brasileiro. Mas ela tem seguidores, obviamente: o ótimo apresentador Jô Soares costuma tratar todos seus convidados por “você” – e há quem ache isto normal (ele, por exemplo, acha). Assustou-me ver, por exemplo, Fernando Henrique Cardoso e D. Evaristo Arns (para citar apenas duas figuras que devem receber trato formal) serem chamados de “você”. No meu entender, cometeu-se, nestes dois casos, uma descortesia. Ou mais.

“JUSTIÇA, PARA SER BOA, COMEÇA EM CASA”

Não resisto a esticar o assunto e fazer um comentário em torno da palavra “doutor”, de sentido hoje já desvirtuado (para não dizer desmoralizado) entre nós. Aqui, a tese aprovada por banca especializada não está entre as formas mais comuns de chegar ao título: mais fácil é obter uma licenciatura qualquer ou, na falta desta, vestir-se de branco. Bem fez famoso bacharel em Direito, de Itabuna, que, tão logo recebeu o diploma, reuniu a família e fez seu primeiro grande discurso: “A justiça, para ser boa, começa em casa; portanto, a partir de hoje, quero ser chamado de doutor”. Assim foi feito e assim é até hoje, “doutor pra lá, doutor pra cá”, com (quase) todos felizes.

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NOEL, UMA IMENSA PRODUÇÃO EM OITO ANOS

Vinícius de Morais, que praticamente abandonou a carreira de poeta “sério” para se dedicar a um gênero então considerado menor, a MPB, foi letrista dos mais profícuos. Penso que, em termos de produtividade, ele só tem rival em Noel Rosa, que fez mais de 200 composições – sem contar muitas que vendeu e foram assinadas por outros compositores. Vinícius ultrapassou a marca de 300. Não faltará fã de Noel a fazer as contas e concluir que o Poeta da Vila, que viveu 27 anos (1910-1937) realizou toda sua carreira musical em curtíssimo período (de 1929 a 1937). Já Vinícius (1913-1980) produziu durante 22 anos, a partir de 1958.

VINÍCIUS FOI BARROCO, NOEL FOI CAIPIRA

Visto assim, Noel foi mais produtivo. Porém a ideia não é comparar os dois autores e levantar polêmica, mas mostrar alguns pontos curiosos. Além desse da alta produção, os dois começaram com gêneros que logo abandonaram: Noel estreou com a embolada Minha viola, cuja letra hoje parece fora do padrão noelino: “Minha viola tá chorando com razão,/com saudade da marvada que roubou meu coração”. Vinícius começou em tom barroco, com Serenata do adeus. Refere-se à mulher como “estrela a refulgir” e cria estes versos: “Crava as garras em peito em dor/ e esvai em sangue todo o amor,/ toda desilusão”. Cândido das Neves assinaria.

EM VINÍCIUS, ATÉ CÂNCER ERA INSPIRAÇÃO

Noel subiu o nível dos seus versos, assumindo-se como poeta urbano “culto”, Vinícius abandonou a escola antiga, integrou-se à Bossa Nova, popularizou-se, sem fazer concessões à vulgaridade. Como costuma acontecer, o espaço se finda, e tanto ainda resta a dizer. Há tempo para citar Chico Buarque (foto), para quem Vinícius fazia letra de música com “qualquer coisa”. Certa noite, numa clínica para se tratar do excesso de uísque, o Poetinha ouviu que no quarto vizinho um homem com câncer estava em estado terminal – e alguém, logicamente, chorava seu desenlace iminente: Vinícius fez e mandou pra Baden pôr a melodia em Pra que chorar (aqui, com Zeca Pagodinho).
 

 O.C.

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A cantora Nana Caymmi é uma das atrações do Festival do Chocolate da Bahia, neste sábado (9), a partir das 21h, no centro de convenções de Ilhéus. O festival é organizado pela M21 Eventos e tem apoio do PIMENTA. O evento vai até amanhã e reúne mais de 50 expositores e também reserva espaço ao público infantil com o Planeta Chocolate. Confira um pouco de Nana Caymmi, aqui interpretando Não se esqueça de mim.

Confira programação do Festival do Chocolate

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A programação da XIV Regata Salvador Ilhéus, que acontece de 18 a 20 de fevereiro, está mesmo incrementada este ano. Na terra da Gabriela, destino final dos velejadores, haverá exibição dos barcos e do vice-campeão mundial de jet ski, Bruno Jacob. Segundo os organizadores, a ideia é fazer com que o grande público possa curtir o espetáculo proporcionado pelo esporte náutico.

Mas o show não fica apenas no mar. No dia 19, tem música de qualidade com Maria Gadu e Jau na Concha Acústica. Os ingressos, a R$ 30,00, já estão à venda no Stand do Karioca e Encantur.

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Era 1963, na Rua 48, Nova Iorque. Numa reunião de trabalho entre João Gilberto, Stan Getz e Tom Jobim, João, que estava com o mau humor em dia, fala, em português: “Tom, diga a esse gringo que ele é muito burro”. Tom, em inglês: “Stan, João está dizendo que o sonho dele sempre foi gravar com você”. Stan Getz, sentindo cheiro de sujeira: “Pelo tom de voz, não parece que é isto que ele está dizendo”. Apesar do clima belicoso nas gravações (veja a cara de João, na foto), o resultado é um dos melhores discos do século XX: o LP Getz/Gilberto ganhou dois Grammy, deixando para trás ninguém menos do que os Beatles (A hard day´s night).

Confira essa e muito mais no UNIVERSO PARALELO, de Ousarme Citoaian.

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HAVERIA SOLIDARIEDADE NO PALEOLÍTICO

Ousarme Citoaian

A literatura, em seus diferentes formatos, é uma das mais antigas manifestações do homem. Gosto de pensar que, mesmo em tempos imemoriais, quando começa a se comunicar, ao perceber-se apreendendo o ambiente, aquele ser ainda meio curvado registrou sentimentos de crítica aos costumes, contou bravatas sobre suas caçadas (os caçadores já eram exagerados no paleolítico?) e, principalmente (esta é minha grande esperança nunca perdida), deu sinais de solidariedade com seus semelhantes. Talvez, num dia ruim do seu vizinho, esse meu irmão antigo tenha lhe oferecido um pedaço de caça para o jantar. E que os historiadores, antropólogos, sociólogos e pessimistas em geral não desfaçam minha ilusão.

A POESIA SE FAZ PRESENTE NO INFORTÚNIO

Na tevê, numa matéria sobre enchente em Santana do Mundaú/AL, uma menina de sete anos, olhos tristes mas sem lágrimas, registra, com tocante poesia, a desgraça que a acometeu: “A casa caiu. A alegria toda foi embora”. Nenhuma queixa, só a mera constatação de que a cheia lhe tirou, com o abrigo, a alegria, que por certo não era muita. Essa menina que perdeu tudo e ainda resiste em chorar me desperta para a inutilidade do que faço, um trabalho que se mostra incapaz de atenuar tristezas. Um pedreiro sabe, no fim da jornada, quantos metros de parede ergueu; quem escreve, nunca sabe se produziu uma frase sequer que valha alguma coisa – creio que Graham Greene disse isto, com outras palavras.

FAMOSA FRASE RUIM DE UM BOM AUTOR

A solidariedade no sofrimento talvez seja a mais importante característica do ser humano. Pedras e árvores não se comovem, nenhuma notícia ruim as faz chorar, pois entre as criaturas do planeta só o homem é capaz de sofrer com a desdita do outro. A má frase do bom autor (mineiro, por sinal) Otto Lara Resende (“O mineiro só é solidário no câncer”) reflete apenas um instante de humor azedo: ao que me consta, a maioria dos brasileiros é capaz de gestos da mais cabal, definitiva e piegas emoção. Essa menina de olhar triste, por exemplo, tem, com minhas lágrimas, minha solidariedade. Isto não vai aliviar sua dor, mas me deixa a quase certeza de que sou algo mais do que uma árvore ou uma pedra.

A PARTE DO HINO QUE NOS TIRARAM

Recebi (e li) interessante informação sobre o Hino Nacional Brasileiro, demonstrando quão pouco ainda conheço da minha pátria. Fico sabendo que o hino, cuja letra é considerada difícil, a ponto de muita gente errar ao cantá-lo (incluindo a cantora Vanusa e o ex-presidente FHC), já foi pior – isto é, maior: lá pelo ano de 1831, a introdução (hoje apenas instrumental) também tinha versos – e versos que, certamente, deixariam em má situação os nossos descuidados cantores, sejam oficiais, oficiosos, amadores ou profissionais: “Espera o Brasil que todos cumprais com o vosso dever”, o verso inicial, nos dá uma ideia do que vem a seguir.

GRAVADO A BURIL NOS PÁTRIOS ANAIS

Essa parte da letra foi retirada, ao que tudo indica, devido à dificuldade que se tinha para cantá-la. Em nossos dias, quando a linguagem tende a sepultar rapidamente qualquer termo menos corriqueiro, seria temeroso manter na letra da introdução do hino coisas como “Gravai com buril nos pátrios anais do vosso poder” – isto no caso de que essa intervenção a buril nos nossos pátrios anais não viesse a despertar risinhos à socapa, suficientes para tirar a austeridade de qualquer cerimônia. Mesmo que não saibamos os motivos reais da supressão, ela parece justificada para nossos tempos, costumes e  ouvidos.

“AVANTE, BRASILEIROS, SEMPRE AVANTE”

Para atender aos mais curiosos, aqui está a parte da letra que foi retirada: “Espera o Brasil que todos cumprais com o vosso dever/ Eia! Avante, brasileiros, sempre avante!/ Gravai com buril nos pátrios anais o vosso poder/ Eia! Avante, brasileiros, sempre avante!/ Servi o Brasil sem esmorecer, com ânimo audaz/ Cumpri o dever na guerra e na paz/ À sombra da lei, à brisa gentil/ O lábaro erguei do belo Brasil/ Eia, sus, oh sus!”. Claro que o autor desta parte (certo Américo de Moura, de Pindamonhangaba/SP) não quis antecipar nenhum elogio ou censura ao nosso sistema de saúde pública: sus é uma interjeição, significando “avante”, “para cima” – qualquer coisa assim. No vídeo, o introdução cantada.

NO BRASIL, UMA COLEÇÃO DE EXÓTICOS

A questão dos nomes estranhos registrados no Brasil entrou na coluna e parece não querer mais sair. Esse tema que muito me encanta foi tratado há tempos pelo autor de um de meus livros de cabeceira, O coronel e o lobisomem/1964. Refiro-me a José Cândido de Carvalho (foto), criador de nomes exóticos (no que se aproxima de Guimarães Rosa), e que se valeu da lista de segurados do INPS (espécie de SUS daquela época) para demonstrar que a realidade surpreende mais do que a ficção. Nomes que constam de listas públicas farão o leitor menos informado pensar que são invenções para divertir as pessoas com o ridículo alheio. Veja abaixo algumas curiosidades.

QUANDO O RIDÍCULO É LEVADO AO EXTREMO

Jotacá Dois Mil e Um, Juana Mula, Jovelina Ó Rosa Cheirosa, Lança Perfume Rodometálico de Andrade, Leda Prazeres Amante, Magnésia Bisurada do Patrocínio, Manganês Manganésfero Nacional, Manuel Sola de Sá Pato, Maria da Segunda Distração, Maria Passa Cantando, Maria Privada de Jesus, Naída Navinda Navolta Pereira, Napoleão Sem Medo e Sem Mácula, Necrotério Pereira da Silva, Oceano Atlântico Linhares, Otávio Bundasseca, Pacífico Armando Guerra, Padre Filho do Espírito Santo Amém, Pália Pélia Pólia Púlia dos Guimarães Peixoto, Pedrinha Bonitinha da Silva, Percilina Pretextata Predileta Protestante,Voltaire Rebelado de França.

OS NOMES QUE SÃO NÚMEROS EM FRANCÊS

Por falar em França, em Mossoró/RN, o farmacêutico Jerônimo Rosado se cansou de procurar nomes para seus muitos filhos e, a partir do sexto, passou a numerá-los, primeiro em português, depois em francês. A prole ficou famosa: existe uma cidade chamada Dix-Sept Rosado (homenagem ao décimo sétimo filho de seu Jerônimo), que foi prefeito de Mossoró e governador do estado. Outros irmãos muito conhecidos foram Dix-Huit Rosado (ex-prefeito), Vingt Rosado (ex-deputado federal) e Ving-Un Rosado (foto) que escreveu vários livros e editou outros 3 mil títulos históricos, a “Coleção Mossoroense”. A lista de seu Jerônimo já chegou a Dix-Sept Rosado Sobrinho e Vingt-Un Rosado Neto.

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A PORTUGUESA QUE ENTROU PARA A MPB

São tantos os grandes compositores românticos do Brasil que citá-los seria tarefa impossível. E a arte que, como a vida, nos espreita em cada esquina, traria ainda uma surpresa à lista, com a inclusão de uma autora portuguesa, quem diria. Pois lhes digo e provo que a rapariga, levada pelo braço por um tal Raimundo Fagner Cândido Lopes (foto), empurrou a porta, arrastou a cadeira e aboletou-se ao lado de Vinícius, Noel, Orestes Barbosa, Chico Buarque, Antônio Maria, Dolores Duran e outros bambambãs, sem pedir licença. Nem precisava, pois seu soneto “Fanatismo” tem lugar reservado em qualquer roda de bambas. Ah, sim, o nome da cachopa: Florbela Espanca.

UM SONETO QUE EMOCIONOU GERAÇÕES

No primeiro quarteto, “Minh´alma, de sonhar-te, anda perdida/ Meus olhos andam cegos de te ver”, uma declaração de arrepiar qualquer ser humano. Depois, um fecho de ouro: “Ah! Podem voar mundos, morrer astros,/ Que tu és como Deus: princípio e fim”. Publicado em 1923, “Fanatismo” ganhou a eternidade das grandes obras: emocionou muitas gerações e vai emocionar outras tantas, pois nos seus 87 anos está ainda quente, como se fora feito na tarde de ontem. No Brasil, foi popularizado por Fagner, que tomou Florbela (foto) como parceira e a levou aos mais diversos palcos. Um trabalho meritório, mesmo que muitos ouvintes não façam diferença entre cantores e autores.
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

POETA “ALMA IRMÃ GÊMEA DA MINHA”

A escritora portuguesa Natália Correia, ao comentar Diário do último ano, só publicado em 1981, bate sem dó nem piedade, quase colocando Florbela Espanca na lista de poetas menores: fala em “coquetismo patético” e em “poesia maquilhada com langores de estrela de cinema mudo, carregada de pó de arroz”. Também se disse que ela era “uma escrava de harém”, uma poeta “de lábios literariamente manchados” e outras expressões igualmente denunciadoras de como a crítica parecia mais interessada na autora do que na sua produção literária. Mas Fernando Pessoa (na caricatura) a chamou de “alma irmã gêmea da minha” – e isto parece compensatório de todos os preconceitos.

O PRECONCEITO E A MORTE AOS 36 ANOS

Se a sociedade brasileira no século XXI ainda é preconceituosa, conservadora e moralista, imagine-se como Portugal dos anos vinte do século passado olharia para uma rapariga ousada como Florbela Espanca. Certamente como um ser fora do lugar, dizendo coisas que não deviam ser ditas, escancarando desejos e vontades que a moral vigente mandava calar. Mulher de vida conturbada e curta (suicidou-se no dia do 36º aniversário, em 8 de dezembro de 1930), Florbela teve pequena parte do público a cobri-la de elogios, enquanto a outra a envolvia em opróbrios. Mas assegurou seu lugar na história da poesia. No vídeo, a versão cantada de “Fanatismo”, com Fagner.

(O.C.)
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INTELECTUAIS SÃO SENSÍVEIS A ELOGIOS

Ousarme Citoaian

Algum escritor (ou, para ser justo na provocação, algum profissional) é insensível ao elogio? Provavelmente não, mas alguns disfarçam bem essa humana fraqueza. Parece que tudo se resolve se tratarmos o assunto com certa dignidade, sem entregar o jogo, desfazendo-se em felicidade a propósito de qualquer referência encomiástica, feito donzela pudica que se ruboriza diante de um galanteio oblíquo. Quando Machado de Assis disse, a propósito da Academia, “Esta é a glória que fica, eleva, honra e consola”, denotou certo pendor para a vaidade. Mas, anos antes, ele foi mais específico: “Amo elogios. Eles fazem bem à alma e ao corpo”.

“UM ELOGIOZINHO, PELO AMOR DE DEUS”

Na crônica “Tudo são vaidades” Fernando Sabino fala de um intelectual que vivia de chapéu na mão, dizendo: “Um elogiozinho, pelo amor de Deus…”. Seria Jorge de Lima (foto) e a história foi uma maldade criada pelo genial Nelson Rodrigues: numa cafeteria, o poeta viu Clarice Lispector, aproximou-se dela e se apresentou: “Sou o poeta Jorge de Lima”, ficando à espera de algum elogio, que não veio. Clarice não tugiu nem mugiu e o escritor alagoano afastou-se tristonho, cabisbaixo, à beira da depressão. Dê-se à estória o desconto de ser da lavra de Nelson Rodrigues, um autor que se valia, como poucos, do exagero.

MÁRIO E AS SUAS “VAIDADES JUSTIFICÁVEIS”

Se o taciturno e contido Machado amava o elogio, Mário de Andrade (foto) não lhe ficou atrás, ao dizer que “são justificáveis certas vaidades, quando nascidas de um sadio desejo de ver o valor de sua obra reconhecido e aclamado”. No popular, circunlóquios à parte, vaidoso. Conta-se que Cyro dos Anjos, a exemplo do autor de Dom Casmurro, preferiu ser direto. Quando lhe perguntaram por que entrou para a ABL, respondeu: “Vaidade”. Se não estou enganado, é Marques Rebelo (citado por Hélio Pólvora) quem tem a receita para suprir a necessidade de elogios: “A única crítica que realmente interessa é a dos amigos”.

PONTO COMUM ENTRE FUTEBOL E NOVELA

Um jogo de futebol tem sua duração dividida em duas frações de 45 minutos, chamadas de primeiro e segundo tempos. Qualquer brasileiro sabe disso, pois futebol é o esporte nacional, de sorte que todos nós conhecemos um pouco dele, nem que seja por osmose. É como novela da Globo: somos tão bombardeados pela mídia que não há como não ter informações sobre o gênero, por mais que se o deteste. Voltando ao esporte bretão: na tevê, fico sabendo que o árbitro deu, na partida a que assisto, “três minutos de acréscimo”, e que “o jogo vai até os 48 minutos”. É mais uma bobagem dita por um comunicador e repetida por outros: a lei do futebol estabelece duas etapas de 45 minutos, num total de 90. Nada mais.

DESCONTO E ACRÉSCIMO SÃO INIMIGOS

O árbitro não acrescenta nada aos tempos definidos pela Fifa. Ele desconta o tempo em que o jogo, por qualquer motivo, esteve interrompido (substituições, atendimento médico, fenômenos meteorológicos, troca de sopapos, falta de bola, algum engraçadinho que invadiu o campo, e por aí vai). O árbitro (preferível a juiz!) controla com um cronômetro o tempo jogado, com outro as interrupções – que são os descontos do período de 45 minutos. Se o jogo foi parado durante cinco minutos, por hipótese, ele precisa dar esses cinco minutos de desconto, para atender à exigência legal. Se ele não der esse desconto das paralisações o tempo de 45 terá sido reduzido a 40, com flagrante trauma às normas da Fifa.

RIQUEZA QUE VEM DAS ARQUIBANCADAS

Nossa tese é de que as redações precisam ler mais e repetir menos, tendo zelo com a linguagem, não só no esporte. A renovação da língua não deve ser feita com invenções elitistas e agressivas, mas de forma natural, aquela que nasce nas ruas e, para o caso, nas arquibancadas. O português absorveu expressões que enriqueceram a linguagem do futebol: chapéu, meia-lua, comer a bola, freguês, chega-pra-lá, passeio, chocolate, cama-de-gato, ladrão (aquele que “rouba” a bola), bola quadrada, bola comprida e outras de agradável sabor brasileiro. Mas desconto e acréscimo são termos antagônicos – e se o árbitro acrescentar será demitido por justa causa: o jogo só tem 90 minutos – é a Fifa quem o diz.

NOME PRÓPRIO IMPOSTO PELO CARTÓRIO

Dia desses falávamos aqui de nomes próprios e as barbaridades que com eles são feitas nos cartórios brasileiros (brasileiros, sim, pois em Portugal não tem disso não – lá, ao que me consta, se observa a norma da língua!). Pois lembrei-me de uma prova de que, além de anotar nomes de grafias esdrúxulas (muitas vezes por sugestão dos pais), o cartório também impõe nomes, de acordo com o gosto do escrivão. Esta aconteceu em São Paulo, nos anos cinqüenta e está narrada em livro de grande êxito de vendas.

SEBASTIANA NÃO É NOME DE GENTE FINA

Ao procurar registrar a filha, a mãe disse o nome: Sebastiana (um bom nome português, com origem em São Sebastião). A escrivã foi direta: “Com este nome eu não registro, pois todo nortista que chega aqui quer botar o nome de Sebastião ou Sebastiana. Povo sem criatividade!” O argumento da mãe (“é um nome bonito”) não convenceu a escrivã: “Pode ser bonito, lá pras suas bandas” (…), mas que em SP ela teria que botar um nome de gente fina, “gente classificada”. E decidiu que a menina se chamaria Ruth.

E ASSIM TIANA FOI “PROMOVIDA” A RUTH

O episódio está bem contado no livro A história de Lula, o filho do Brasil (da jornalista Denise Paraná), mostrando como a irmã mais nova do futuro presidente da República (de nome Sebastiana e apelido Tiana), passou a se chamar Ruth (assim com TH, coisa fina, de gente classificada). O melhor dessa página de autoritarismo e desrespeito aos pobres Denise Paraná deixa por último: quando dona Lindu, a mãe de Lula e Tiana, perguntou o  nome da escrivã, esta respondeu: Ruth. Mulher classificada, já se vê.

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HAVIA UMA LUA BRANCA NAS PEDRAS NEGRAS

Havia céu e sol na correnteza,
Brilhinhos chuviscando a natureza.
Nos peraus e pedras negras havia
Uma lua, branca ave sem ser fria.

Não havia dúvida nem certeza
Apenas rioflor, risos de pureza.
Certamente, canção de noite e dia,
Certamente uma fábula que havia.
E olhos de outras águas, de lei renhida,
Rosto de sofrido sol, de sombria
Lua, decididamente haveria

Vendo vidrinho sem antiga dança,
Prata da noite em superfície mansa
Reinventando o mistério da vida.

SE “ELA” FALA, EU ME CALO E BATO PALMAS

“Soneto do rio Cachoeira” é de Cyro de Mattos, tirado de Vinte poemas do rio (na foto, a capa do livro em alemão). O tema é recorrente (basta ver o título do livro). “Cyro de Mattos é um dos grandes escritores da minha terra, da minha cidade, Itabuna. Portanto, um irmão das mesmas águas, das mesmas sombras dos cacauais”, assinala Margarida Fahel, dizendo da prosa de Cyro que “muitas de suas palavras falam por mim, falam de mim, também grapiúna”. E acrescenta que ler Cyro de Mattos é “participar da missão de eternizar em cada um a alma de um rio, de uma terra, de uma civilização”, além de “reconhecer um pouco que seja da verdade humana, pungente de dor e de mistérios”.  E quando Margarida Fahel se pronuncia, eu me calo e aplaudo.

ENCANTO ADORMECIDO HÁ MEIO SÉCULO

A marcha-rancho (que já foi conhecida como marcha de rancho) está tão demodé quanto o sapato de duas cores, o vestido tubinho, a calça boca de sino e a coqueluche. Tão surpreendente quanto o espartilho, a bengala, o chapéu palheta, o cabriolé e o fusca de quatro portas. Mas o gênero já teve seus dias de glória – e coleciona clássicos da MPB que embalaram gerações e, supõe-se, embora adormecido, ainda conserva seu encanto. Em épocas diferentes (talvez até os anos sessenta), uma marcha-rancho sempre esteve nas boas bocas do Brasil. Sem ameaçar os grandes hits da hora, mas sempre presente, graças a seu público fiel.
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

PEQUENA RELAÇÃO DE OBRAS-PRIMAS

As pastorinhas/1934 (Noel Rosa-Braguinha); Estrela do mar/1952 (Marino Pinto-Paulo Soledade); Rancho das flores/1961 (Vinícius, sobre tema de J. S. Bach); Estão voltando as flores/1962 (Paulo Soledade); Rancho das namoradas/1962 (Vinícius-Ari Barroso);  Marcha da Quarta-Feira de Cinzas/1963 (Vinícius-Carlos Lyra); Porta-estandarte /1965 (Fernando Lona-Geraldo Vandré) – e  certamente outras grandes que me escapam da memória – são exemplos da importância da marcha-rancho. Vinícius de Morais (foto), mestre no gênero (há três dele na minha relação de sete!), mantinha, como todo intelectual que se preza, permanente diálogo com o passado, e a marcha-rancho era uma de suas pontes.

MUITA POESIA, POUCO RECONHECIMENTO

Biógrafos atribuem ao poeta carioca a afirmação de que a marcha-rancho fazia parte de um tempo em que música de carnaval era poesia.  Alguns deles citam também como do Poetinha uma frase que resume, numa expressão de gíria, o que ele pensava sobre o conteúdo poético desse gênero: “Marcha-Rancho é covardia!” Aqui, para retomar a intimidade com um estilo quase extinto (e aproveitando o gancho da primavera recém-chegada), Estão voltando as flores, de Paulo Soledade – gravada inicialmente por Helena de Lima e Dalva de Oliveira (foto) – em registro moderno da melhor voz masculina surgida na MPB dos últimos 37 anos: Emílio Santiago.

(O.C.)
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Osias Ernesto Lopes
É sempre bom ouvir e falar de música, notadamente da música popular brasileira. E aqui o faço apenas enquanto ouvinte e amante desta arte que tanto bem faz à alma, e especificamente para dizer de sua importância, da verdadeira trilha sonora que é formada ao longo de nossa vida. Inegavelmente que muitos dos momentos vividos, seja de felicidade, de tristeza, de festejos, têm quase sempre uma música especial, como que a emoldurá-los. E o que dizer dos namoros, dos amores, sem uma música que os adorne?
Minha geração foi privilegiada musicalmente, sem dúvida. Vivemos os tempos da Jovem Guarda, do Tropicalismo, vimos o rock and roll, ou rock n’roll, se solidificar e ser exaltado pelo imorredouro baiano Raul Seixas, assistíamos a alegria contagiante de Jair Rodrigues, e o samba de Martinho da Vila ecoar. Era um tempo em que todas as músicas de um LP (Long Play) faziam sucesso!
Foi uma juventude embalada por canções entoadas pelo “rei” Roberto Carlos e sua turma da Jovem Guarda. Quem nasceu na década de 1950 que nunca cantarolou alguma música romântica de Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, Agnaldo Timóteo, The Fevers, Renato  Seus Blue Caps, Elis Regina, Chico Buarque de Holanda, Gil, Caetano, Gal e Bethânia, etc.?
São artistas que, além de também produzirem músicas que embalavam nossos sonhos juvenis, ajudavam a aprimorar a formação de nossos pensamentos político-sociais e sedimentar o senso crítico. Eram obras que, digamos assim, se completavam e formavam um ambiente deveras lúdico, romântico, alegre e inteligente.
Lógico que esses são apenas alguns poucos nomes do enorme elenco que nos fins dos anos 1960, nos anos 1970 e até meados dos anos 1980, habitavam magistralmente a chamada MPB. A relação de nomes é demasiadamente vasta. Não cabe aqui (literalmente, inclusive) relacioná-los.
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