Tempo de leitura: 4 minutos

CÉSAR E UMA CONFUSÃO DE DOIS SÉCULOS

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

Júlio César, aquele mesmo, morreu em 44 a.C., por falta de informação. Sem o Ibope, a Gasparetto Pesquisas ou o Vox Populi, não percebeu que, a exemplo de alguns prefeitos regionais, tinha a popularidade no chão. Enquanto o ditador estava “se achando”, um grupo de senadores tecia seu assassinato, com a ideia geral de que cada um dos ilustres parlamentares desse uma facada no homem, de modo que todos dividissem a culpa pela execução. À frente do complô estavam Marcus Brutus e Decimus Brutus, respectivamente filho (para alguns historiadores, apenas amigo) e companheiro de armas do general romano. E aqui começa uma confusão que já dura mais de dois séculos.

________________

2Júlio CésarUma frase inventada por Shakespeare

Já furado feito um queijo suíço, César vê Brutus (qual deles?) vindo em sua direção, de adaga em riste, e, surpreso, teria decidido deixar uma frase para a história. Pronunciou um Et tu, Brute? (Até tu, Brutus?), segurou na mão de Deus e foi-se. Há controvérsias. Diz-se que a frase foi dita em grego, Kai su, teknon? (Até tu, filho?), enquanto a latina teria sido inventada por Shakespeare, em Júlio César (Ato III, cena 1). Para o cientista político Michael Parenti (O assassinato de Júlio César – Record/2005), é tudo mentira, pois César nunca pensou em  Marcus Brutus como filho: se o general ficou mesmo consternado teria sido com o traiçoeiro Decimus Brutus, companheiro de guerras.

______________

Líder popular hostil aos privilégios

Segundo Parenti (na contramão da história oficial), César foi o último de uma linhagem de reformistas assassinados por conservadores, por abraçar a causa do povo, tido em Roma como uma turba interessada apenas em pão e circo. Por que um seleto grupo de senadores assassinou Júlio César, aristocrata como eles? – inquire o autor. E responde: mataram César porque viam nele um líder popular hostil a seus privilégios de classe. O assassinato teria sido mais um dos atos violentos que marcaram grande parte do século, “manifestação dramática da velha disputa entre conservadores ricos e reformistas apoiados pelo povo”. A morte de César é, vista assim, algo bem contemporâneo.

ENTRE PARÊNTESES, ou

4VelinhaE assim se passaram doze meses…
Parece que foi ontem. Em agosto de 2012, centenário de Jorge Amado, o UNIVERSO PARALELO voltou a “circular” aqui nas asas do Pimenta. Antes, ficáramos no ar durante dois anos, de 2009 a 2011. A coluna, se nos perdoam o que possa parecer cabotinismo, é aquilo que os publicitários chamam de case de sucesso: surpreendeu os leitores, o Pimenta e, sobretudo, a mim surpreendeu-me (adoro esta redundância!). Valho-me do humor e do talento de Aldir Blanc e digo como aquela Miss Suéter: “Dedico esse êxito ao Pimenta/ que tantos sacrifícios fez/ pra que eu chegasse aqui no apogeu/ com o auxílio de vocês”. Obrigado a todos.

AS PIORES VOZES JÁ GRAVADAS EM DISCO

Quem seria o maior vocalista do Brasil? Orlando Silva, Dick Farney, Cauby, Nelson Gonçalves, Agnaldo Timóteo, Sílvio Caldas, Emílio Santiago? E a melhor voz feminina? Elis Regina, Nana Caymmi, Gal Costa, Ângela Maria, Alcione, Marisa Monte, Elizeth Cardoso? Difícil dizer, pois toda opinião de valor porta em si o perigo da injustiça. E como música é arte e técnica, sequer me acho no direito de apontar os melhores, o que poderia ser feito, se muito, por alguém de grande saber musical – área de que, sem demagogia, estou muito distante. Mas abro uma exceção: creio ter, há muito tempo, identificado as duas piores vozes que já ouvi gravadas em disco: Xuxa e Pelé.
________________

Deus perdoa aos bêbados e aos  loucos

5Xuxa-PeléObservem que não falo de amadores, sambistas de mesa de bar, cantores de caraoquê (eu os detesto, mas Deus perdoa aos bêbados e aos loucos!) ou vocalistas de banheiro. Falo de profissionais, de gente que grava música, põe no mercado e ainda encontra colher de chá na mídia. Xuxa é, todos sabem, grande vendedora de discos, com o apoio da Globo/Som Livre; Pelé, em 1969, no auge da fama, teve o desplante de gravar com Elis Regina duas canções da autoria dele. Felizmente, ficou nessas duas, salvo uma ou outra investida pela publicidade. Se a gentil leitora nunca ouviu o disco da dupla Pelé-Elis, aceite meu parabéns.

COMPROMISSO RENOVADO COM A (BOA) MPB

7CanindéCanindé, ou Francisco Canindé Soares, nasceu em Currais Novos/RN, em 1965, e, cerca de 20 anos depois, mudou-se para Jacobina/BA. Cantor da noite, só ficou conhecido do grande público a partir de 2000, quando gravou seu primeiro CD. Vieram outros seis, até o DVD História de amor, em 2010. Já com um quarto de século na estrada (o tempo voa!) ele se mantém compromissado com a boa música brasileira, do forró à balada romântica. Nos últimos tempos, revisitou temas muito conhecidos, a exemplo de Canteiros (Fagner-Cecília Meireles), Tocando em frente (Almir Sáter) e Cidadão (Lúcio Barbosa). Meiga senhorita (Zé Geraldo?) é sua gravação mais ouvida, no momento.
_______________

Sem medo de Belchior nem Elis Regina

Cultor das baladas românticas, o artista norte-rio-grandense-quase-baiano conserva a influência daqueles que se dizem menos cantores do que “cantadores”. Vem da linhagem de Geraldo Azevedo, Xangai, Almir Sater e Elomar, mas com sintaxe própria. De Xangai ele gravou o engraçadíssimo ABC do preguiçoso (que me parece velho tema do folclore, adaptado). De Belchior, no vídeo, uma composição cheia de brasilidade, misturando passado e futuro, clima interiorano, incertezas da juventude e velhas canções da riquíssima pauta nacional. Poucos cantores gravam Belchior – talvez intimidados pelas interpretações de Elis Regina. Canindé tocou em frente, com Tudo outra vez.

O.C.
Tempo de leitura: < 1 minuto

O centro de convenções de Ilhéus ficou lotado para o show da cantora Nana Caymmi nesta noite de sábado (9). Foram quase duas horas de show em que Nana interpretou sucessos consagrados, a exemplo de Resposta ao tempo, Não se esqueça de mim e Sem poupar coração, fechando o penúltimo dia do Festival do Chocolate da Bahia.
Ela ainda nem havia encerrado o show e ausentou-se do palco, tempo necessário para o público pedir bis. E ela voltou para despedir-se cantando mais duas canções, dentre elas Canção da partida (Minha jangada vai sair pro mar), do pai Dorival Caymmi. Abaixo, ouça Resposta ao tempo.

Tempo de leitura: < 1 minuto

A cantora Nana Caymmi é uma das atrações do Festival do Chocolate da Bahia, neste sábado (9), a partir das 21h, no centro de convenções de Ilhéus. O festival é organizado pela M21 Eventos e tem apoio do PIMENTA. O evento vai até amanhã e reúne mais de 50 expositores e também reserva espaço ao público infantil com o Planeta Chocolate. Confira um pouco de Nana Caymmi, aqui interpretando Não se esqueça de mim.

Confira programação do Festival do Chocolate

Tempo de leitura: 6 minutos

NÃO FALTA DEFENSOR PARA A ARTOCARPUS

Ousarme Citoaian
A jaca volta às manchetes, saída de onde menos se esperava, o Fórum Rui Barbosa, de Itabuna. E avisamos a quem interessar possa que se esta construção parece pleonástica, não o é, entretanto, pois há fóruns Rui Barbosa em todas as esquinas da Bahia – e com picilone na grafia, obviamente). Dito o que, vamos à jaca, propriamente dita. Volta e meia, a expressão papa-jaca (que é antônima de papa-caranguejo) ressurge, sempre em tom de ofensa, talvez pelo preconceito existente em torno dessa fruta. Mas a artocarpus integra, se bem me lembro, teve dois importantes defensores públicos (antes de Marival Guedes, há dias, aqui no Pimenta): Euclides Neto e Paulo Kruschewsky, que nos fazem muita falta.

NA JAQUEIRA, A RIMA DE NOBREZA E REALEZA

Euclides (foto), advogado e político engajado no compromisso da ascensão social de sua gente, prefeito de Ipiaú, cassado e preso pela ditadura militar, defendeu jaca e jaqueira – o fruto como alimento, a árvore como matéria de marcenaria, principalmente na fabricação de móveis em que nobreza rima com beleza.  Paulo, para quem a criatividade era uma espécie de segunda natureza, pregou, ao microfone, que jaqueiras fossem plantadas pelo prefeito ao longo das ruas de Itabuna, tornando nossa urbe verde e cheirosa. Antônio Lopes, papa-jaca lá das bandas de Macuco, viu com humor a opinião do ilheense Paulo Kruschewsky e a reproduziu no livro de crônicas Luz sobre a memória (Agora Editoria Gráfica/1999).

“JAQUEIRIZAR” É PRECISO, SEGUNDO PAULO

“Acredita o inventivo Paulo que com esse procedimento inesperado, o prefeito recuperaria a marca ´papa-jaca´, muito cara a todos nós, jogaria um bocado de oxigênio sobre esta paróquia irrespirável, faria as pazes com o Ibama em particular e com os ambientalistas em geral, ofereceria sombra e comida a caminhantes, viajantes e pedintes.”  – diz o cronista, e segue:  “É bem verdade que Paulo não explicou como fazer com as jacas imensas, maduras e cheirosas que vão despencar sobre os carros, quebrar para-brisas e atrair mosquitos, transformando a Cinquentenário num estranho lamaçal e a vida de algumas pessoas num inferno. Mas quem lá se preocupa com esse pequeno custo, diante de tantos benefícios?”

DISTÂNCIA ENTRE HÁBITO E PRECONCEITO

Leitor (a) nos recomenda cuidado quanto ao emprego da expressão língua culta (ou semelhante), que tangencia o preconceito. Nos arquivos implacáveis do Pimenta encontrei, em pouco mais de um ano desta coluna, oito menções: língua culta, linguagem culta, norma culta etc. Não se trata, no caso, de preconceito, mas da forma habitual de dizer as coisas. Em certo momento, escrevi, por minha conta e risco, “cultura livresca”, também sem preconceito contra quem lê. Os linguistas criaram a expressão “norma culta” sem querer humilhar ninguém (veja o incontestável Celso Luft!).  Mas concordo que a expressão dá o que pensar.

CONCEITO DE CULTURA PARA A SÉTIMA SÉRIE

Cultura – se me permitem um pouco de marxismo para crianças inteligentes da 7ª série – é o antagonismo entre o homem e a natureza. Tudo aquilo que acrescentamos ao ambiente é “cultura”. Assim, uma árvore não é elemento cultural (talvez seja agricultural!), mas um banco que é feito dessa árvore, sim. Da mesma forma que um berimbau ou uma palmatória. Aliás, usei muito o exemplo do berimbau, como elemento de cultura: nas casas da dita elite branca ele é pendurado na parede, como uma exótica peça de decoração; já entre pobres e negros tem forte valor histórico e até financeiro. Penso que um colar indígena guarde o mesmo duplo significado.

EIS AQUI O TIPO FACEIRO E DARWINIANO

Foram as práticas, tensões e rupturas com a natureza que formaram esse tipo faceiro e darwiniano que desfila pela ruas e becos, uns engravatados, outros sem camisa, mulheres e homens se rebolando ao som contagiante do arrocha, outros achando que depois de Mozart e Beethoven não se fez música que valesse o preço da pauta em que foi registrada. E há os que (a piada é anciã) consideram Brahms e Chopin apenas mal pronunciados nomes de bebida, sendo Bach o local onde as consomem. É a fauna um tanto patética chamada homo sapiens. O analfabeto tem cultura, sim, mas num sentido em que me é difícil fazer entender por alguns leitores.

O AMOR NÃO NOS AVISA, APENAS ACONTECE

“Aconteceu um novo amor”, cantou Caymmi, em Não tem solução/1952 (com Carlos Guinle), também ouvido com Nana, Betânia, Dick Farney (foto), Zizi Possi e outras vozes. O amor surgiu, emergiu do nada, em momento talvez inoportuno. Aconteceu. Feito uma virose, que pega de surpresa o infeliz portador. “Concurso de professor da rede estadual acontece hoje”, equivoca-se em manchete mais de meio século depois, o maior jornal da Bahia. Só “acontece” o que não está planejado, não se espera, vem atrapalhar nossos planos, como está no velho baiano: “Eu que esperava nunca mais amar/ não sei o que faça com este amor demais”. Grande Dorival.

SÓ “ACONTECE” O QUE NÃO FOI PLANEJADO

Redatores que tratam bem a língua costumam usar o verbo acontecer com o sentido principal registrado pelo dicionário Aurélio (“suceder ou realizar-se inopinadamente”). Machado de Assis, em Várias histórias, abona a definição: “Aconteceume uma aventura extraordinária”. Entre nós, um exemplo simples, porém recidivante, até que as autoridades policiem nossas estradas: ”Grave acidente aconteceu na Ilhéus-Itabuna”. Neste caso, o Caldas Aulete tem entendimento semelhante ao Aurélio – acontecer é “realizar-se algum fato inesperadamente”. Logo, como o concurso estava programado, ele não acontece. Mas “acidentes acontecem”, diz o adágio.

COLUNA SOCIAL COM CRIATIVDADE E GRAÇA

“Estou acontecendo no café soçaite”, brincava Miguel Gustavo, na voz fanhosa de Jorge Veiga (Betânia regravou Café soçaite/1953 no começo dos anos setenta). Era só uma sátira bem-humorada ao colunismo social da época, um tempo em que por lá existiam Ibrahim Sued, Jacintho de Thormes, criatividade e graça. Mais tarde, a indigência vocabular dos redatores fez com que o verbo acontecer fosse utilizado a torto e a direito, nos lugares mais escusos, sem nem sombra do charme que lhe dera o jornalista carioca Maneco Müller, famoso como o colunista mundano Jacintho de Thormes.

JORNALISMO GOSTA DE VERBOS NO PRESENTE

Na acepção que encontramos por aí, o maltratado acontecer se refere a algum evento que “ocorre”, ou que “se realiza”. Há dias, uma instituição cultural distribuiu convite para uma solenidade que acontecerá no dia tal, a horas tantas. Bobagem. Solenidades não acontecem, mas se realizam, ocorrem etc. E no caso da manchete citada lá em cima, como ficamos? Ficamos no bom senso, que recomenda o mais simples: em vez de dizer que  ”… o concurso acontece hoje”, diga-se “… será hoje” ou, como a linguagem jornalística gosta do tempo presente, “… é hoje”. Voltaremos ao tema. Antes, Nana Caymmi e Não tem solução.

(O.C.)
Tempo de leitura: 7 minutos

NUM SÓ DIA, DUAS PEDRADAS NOS JORNAIS

Ousarme Citoaian

No mesmo fim de semana, recebo duas pedradas, vindas de veículos diferentes, mas igualados no mesmo desleixo com a linguagem. Um dos principais diários de Itabuna estampa no alto da página: “Gisnática Laboral em alta no setor empresarial”; e o dito mais importante jornal do Nordeste, de Salvador, saiu-se com esta pérola, também num título: “O medo não é só da mulher. Não tem haver com gênero”. Um caso, além dessa incômoda gisnática, tem o agravante da rima (“laboral-empresarial”), o que já condenaria o título. O outro (pela relevância do jornal) é ainda mais grave.

OS ERROS NOS ESPREITAM TODO O TEMPO

Quem conhece, mesmo sem aprofundar-se, a rotina de uma redação sabe que os erros nos espreitam todo o tempo. Mas há erros e erros (até já abordamos aqui os famosos erros de digitação, outrora chamados erros de imprensa). Escrever gisnática (em vez de ginástica) é erro de digitação, ao levar o “s” para um lugar estranho. É acidente de trabalho que precisa ser atendido pelo próprio redator, o editor ou por um profissional em extinção, chamado revisor). Nada justifica (principalmente em letras grandes) que chutes na canela cheguem às bancas e atinjam leitores incautos.

DIFERENÇA ENTRE ACIDENTE E IGNORÂNCIA

Mais difícil ainda é aceitar como “normal” que um redator (muito provavelmente com formação universitária) grafe tem haver em lugar de tem a ver, pois aqui não se trata de simples derrapagem a que todos temos direito, mas de ignorância crassa de princípios elementares de língua portuguesa. Como disse um cínico, “herrar é umano”, mas se a gente usa mais a borracha do que o lápis, é preciso desconfiar. Não entendo que um grande jornal tenha o direito de cometer erros desse nível. Em qualquer boa escola de segundo grau essa construção receberia um zero bem grande e redondo.

A LEI DE LAVOISIER NO TEXTO LITERÁRIO

O crítico Hélio Pólvora compara a literatura a uma olimpíada, afirmando que “na boa literatura a lanterna de Diógenes passa de mão em mão, como tocha olímpica”. O autor de Itinerários do conto acrescenta que as consequências desse caminhar da tocha “são as aparentes imitações, que, na verdade, aproximam temperamentos, sensibilidades, experiências comuns”. Passando de uns para outros, a arte recebe acréscimos que a engrandecem, de sorte que nada é propriamente novo, mas transformado, uma espécie de Lei de Lavoisier. Por mais criativo que pareça o autor (foi assim que entendi), sempre há alguém que o inspirou e motivou.

O TEXTO RESULTA DE TRABALHO COLETIVO

Para Hélio, nada acontece por acaso em literatura, sendo esta uma obra de arte coletiva. “Para cada grande escritor que surge (…) em língua portuguesa, haverá sempre uma geração ou mais de escritores diversos que prepararam alicerces às suas descobertas”, afirmou o crítico em 1985, em palestra na Universidade Federal da Bahia. Por ser a literatura um trabalho “de equipe”, matéria que se transforma ao longo da existência, ao agregar autores diversos, ela cria dificuldades extras para os não iniciados, como eu. É muitas vezes torna-se difícil separar a homenagem e a deslealdade: citação e pastiche, referência e plágio .

A OLAVO BILAC O QUE É DE OLAVO BILAC

Tenho consciência de que a citação possa, diante de leitores menos atentos, soar como apropriação indébita, mesmo assim a uso. Há pouco, empreguei aqui, sem aspas nem nada, a expressão “nasceu pequeninho, como todo mundo nasceu”, uma referência (tomara que) óbvia a Caymmi; também reproduzi, aspeado, o verso “[Em que Camões] chorou no exílio amargo, o gênio sem ventura e o amor sem brilho”, citação intencional clara do soneto “Língua portuguesa”, de Olavo Bilac. Não me apropriei de produção alheia, apenas considerei que os leitores não exigem bula, e precisam ter sua inteligência respeitada. Mas vou tomar mais cuidado.

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE ANTÔNIO OLINTO

O jornalista João Lins de Albuquerque (foto), ex-chefe da Divisão de Língua Portuguesa da Rádio das Nações Unidas (ONU) em Nova York, tem na praça o livro Antônio Olinto – memórias póstumas de um imortal. É uma entrevista com o mineiro Antônio Olyntho Marques da Rocha (Ubá/MG 1919-Rio/RJ 2009), de quem extraiu histórias magníficas. Intelectual dos mais aparelhados que o Brasil produziu, Olinto (vejam que ele “consertou” o pernóstico Olyntho) brilhou em várias atividades, sobretudo a de professor: latim, português, história da literatura, francês, inglês e história da civilização. Seu livro Jornalismo e Literatura foi adotado em diversos cursos de jornalismo..

NOME QUE DISPENSA APRESENTAÇÕES

Antônio Olinto (foto) é uma das melhores justificativas para o lugar-comum “dispensa apresentações”. Como “apresentar” alguém que foi, com invulgar entusiasmo, professor, jornalista, crítico literário, autor de dicionários e de gramática, ensaísta, autor de literatura infantil, acadêmico (ocupou a Cadeira nº 8 da Academia Brasileira de Letras), contista, romancista, poeta – e ainda encontrou horas vagas para se dedicar às artes plásticas? É melhor não identificá-lo por nenhuma dessas habilidades, pois qualquer delas nos levaria ao pecado da omissão. Chamemo-lo, simplesmente, de Antônio Olinto. Para quem o conhece deve ser suficiente.

MURUCUTUTU, SAFADO, LUPANAR E SAUDADE

Em matéria para O Globo, Olinto perguntou a dez escritores, por telefone, qual era a palavra mais bela da língua portuguesa. Guimarães Rosa escolheu murucututu, segundo ele, uma corujinha amazônica, afirmando que “nenhum país tem uma palavra tão bonita quanto esta, cinco ´us´ numa palavra só”. Jorge Amado (foto), provocador, preferiu safado (de Safo, a poeta grega), mas Roberto Marinho vetou a publicação, o que levou o escritor a escolher outra: lupanar. “Pior ainda!”, lamentou Olinto, pois esta é que não seria publicada mesmo. Ele disse que lupanar é uma palavra bonita, mas que safado era de “um mau gosto atroz”. A vitoriosa no concurso de Globo foi… saudade.

PALAVRAS COM SEDUÇÃO E ENCANTO

Para Antônio Olinto, alegria era a palavra mais bonita da língua portuguesa. Ele conta que, em Londres, viu uma casa em cuja fachada estava escrito: “Alegria”. Sem pensar duas vezes, tocou a campainha, ouvindo de um inglês meio atônito a explicação: “Eu morei no Brasil um bom tempo e achava a palavra alegria tão bonita que, quando voltei, resolvi decorar a entrada da minha casa com ela!”. Eu tenho cá comigo algumas palavras que acho muito bonitas: encanto e sedução, por exemplo. E você, quer entrar no jogo e dizer quais as duas palavras que mais o seduzem ou encantam na língua portuguesa? Parece que cometi um trocadilho…

“FASCINANTE” CANÇÃO QUE VIROU MANIA

Fascinação enraizou-se na MPB a ponto de a gente nem lembrar que ela é francesa. De 1905, a canção só chegou à língua portuguesa em 1943, na versão de Armando Louzada, gravada por Carlos Galhardo. Foi mania nacional, aliás, mundial: teve registros de Dinah Shore, Nat King Cole, Jane Morgan (para o filme Amor na tarde, de 1957), Connie Francis, Dean Martin, Edith Piaf, Pat Boone, Demis Roussous. Entre nós, foi entoada, além de Galhardo, por Nana Caymmi, Agnaldo Rayol, Francisco Petrônio, José Augusto, Agnaldo Timóteo, Jorge Vercillo e até por uma dupla chamada Sandy e Júnior .
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

A GRANDE VOZ DA NOVELA “O CASARÃO”

Em 1976, quando ninguém mais queria saber de Fascinação, a música foi incluída no álbum Falso Brilhante, de Elis Regina, e daquele momento em diante tornou-se um dos temas românticos mais presentes no repertório da cantora – com a luxuosa ajuda das novelas O Casarão/1976 e O profeta/2006, ambas da Globo, de que fazia parte da trilha sonora. Mais tarde, com sua reconhecida criatividade, o SBT também teve Fascinação como tema (e título) de novela, só que na voz de Nana Caymmi. Tem mais: em 2007, com a letra em francês, o tema foi usado em Piaf – um hino ao amor, filme baseado na vida de Edith Piaf.

VERSÃO CORRIGIU FRAQUEZAS LITERÁRIAS

Canção de amor desesperado, bem ao feitio das escolhas de Piaf, a versão brasileira é “leve”, e poeticamente mais consistente, no estilo dos nossos letristas românticos. (curiosidade: nos mais de 30 versos de  Fascination não há esta palavra nem uma vez). As fraquezas literárias saltam logo nos primeiros versos: Je t’ai rencontrée simplement/ Et tu n’as rien fait pour chercher à me plaire (algo como “Eu lhe encontrei simplesmente/ E você nada fez para tentar me agradar”). Louzada corrigiu isto, com o lirismo de “Os sonhos mais lindos sonhei/ De quimeras mil um castelo ergui”. Com (letrista) brasileiro não há quem possa. Clique e veja/ouça.

(O.C.)