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marivalguedes2Marival Guedes | marivalguedes@gmail.com

Roberto Carlos estourou em 65 com Quero que Vá Tudo Pro Inferno. A composição fez tanto sucesso que gerou debates entre músicos e sociólogos, por causa dos rebeldes versos que dão título à canção. “Foi o fenômeno de massa mais intenso da minha geração”, afirma Caetano Veloso.

Roberto se inspirou em Magda Fonseca de Guida, sua namorada que estava nos Estados Unidos, encaminhada pelo pai, para estudar inglês. Na verdade, um pretexto para afastar a filha do cantor.

Dos textos sobre o assunto, o mais completo é o do ótimo livro Roberto em Detalhes, do jornalista e historiador Paulo César de Araújo. A obra foi injustamente proibida pelo artista.

Mas, voltando à composição, a letra agradou e ao mesmo tempo chocou. Segundo o escritor, “Roberto Carlos sofria certa pressão de setores da Igreja, notadamente do arcebispo de São Paulo, dom Agnelo Rossi, no sentido de que ele fizesse uma mensagem para compensar aquela em que mandou tudo pro inferno. Foi então que o artista compôs Eu te darei o céu.”

Além disso, depois de algum tempo, por religiosidade e Transtorno Obsessivo Compulsivo-TOC, Roberto excluiu a música do seu repertório.

Pra não falar a palavra inferno (medo retado) passou a se referir a composição como “aquela música”. E mais, apesar dos vários pedidos, não permitiu que outros artistas gravassem a composição.

Quem também foi pressionado a criar para compensar foi Paulinho da Viola, após compor Sei Lá, Mangueira. O pessoal ficou indignado com o fato de um ilustre compositor da Portela fazer um samba tão bonito em homenagem à outra escola.

Na verdade, Hermínio Bello de Carvalho apresentou a Paulinho uma poesia e pediu ao amigo para musicá-la. O belíssimo samba ficou ainda mais emocionante na voz de Elizeth Cardoso (ouça, abaixo).

Para fazer as pazes, Paulinho da Viola compôs outro clássico. Foi um Rio que passou em minha vida estourou nas emissoras de rádio, no coração e na boca povo.

No filme Meu tempo é hoje, Paulinho fala da emoção de ver este samba cantado pela primeira vez na avenida, antes do desfile, com a multidão acompanhando. Depois, antes mesmo de terminar o desfile, o povo voltou a cantar.

Paulinho estava redimido. Em “alto estilo”.

Marival Guedes é jornalista e escreve crônicas aos domingos no Pimenta.

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marivalguedesMarival Guedes | marivalguedes@gmail.com

 

Mas a história não teve final feliz para Chico. Tal qual a lua fez com Joelma, a filha fez com o pai: Silvia Buarque é flamenguista.

 

 

O maior duelo na música brasileira, pelo que já li e assisti, foi entre Noel Rosa e Wilson Batista. Este último fez um samba enaltecendo a malandragem e Noel fez outro se contrapondo.

A disputa continuou e Wilson Batista baixou o nível do debate compondo Frankstein da Vila. Uma alusão ao queixo de Noel que era pra dentro, resultado de problemas durante parto.

Ao ouvir num rádio Noel brincou imitando um monstro. É o que mostra cena do filme O Poeta da Vila.

No total foram quatro composições de cada um. Se destacaram duas, ambas de Noel, Palpite infeliz e Feitiço da Vila. A segunda até hoje é cantada em shows e boas rodas de samba:Quem nasce lá na Vila/Nem sequer vacila/Em abraçar o samba/Que faz dançar os galhos/Do arvoredo e faz a lua/Nascer mais cedo.”

Já Paulinho da Viola foi vítima da irritação de Benito Di Paula quando compôs Argumento:

“Tá legal eu aceito o argumento/Mas não me altere o samba tanto assim/Olha que a rapaziada tá sentindo a falta/De um cavaco, um pandeiro ou de um tamborim.”

Benito, que cantava samba tocando piano, respondeu com deselegância ao gentil intelectual com a composição Não me importa nada.

“(…) Você está perdido, se perdeu no tempo
Da cabeça aos pés, tá cheio de vento
Faça alguma coisa, deixa a gente em paz
Olha o campo verde, é todo seu, rapaz! (…)”

Depois de algum tempo, Paulinho da Viola surpreendeu ao afirmar que Argumento não foi feita pra Benito e sequer sabia desta história. Em entrevista ao jornal O Samba, ele conta:

“Essa história estava rolando, mas eu não sabia. Até que um dia fui a um programa de televisão, ao vivo, na Bahia, e o apresentador me fez esta pergunta. Eu fiquei assustado. Ele até me mostrou a letra da música que o Benito fez em resposta. Eu disse que não existia essa história, que era mentira”.

Misturando música e futebol, Ciro Monteiro (o sambista da caixa de fósforos) e Chico Buarque protagonizaram boas histórias. O primeiro, flamenguista roxo; e o segundo, apaixonado pelo Fluminense.

Chico havia prometido uma composição para o sambista. Quando nasceu Silvia Buarque, filha dele e Marieta Severo, Ciro mandou uma camisa do Flamengo para a bebê.

Chico aproveitou e pagou o débito compondo Ilmo Sr. Ciro Monteiro ou Receita Para Virar Casaca De Neném. Com criatividade e bom humor, agradece o “presente de grego” e utilizando duplo sentido, diz que pintou a camisa e “nasceu desse jeito uma outra tricolor”.

Amigo Ciro
Muito te admiro
O meu chapéu te tiro
Muito humildemente
Minha petiz
Agradece a camisa
Que lhe deste à guisa
De gentil presente
Mas caro nego
Um pano rubro-negro
É presente de grego
Não de um bom irmão
Nós separados
Nas arquibancadas
Temos sido tão chegados
Na desolação

Amigo velho
Amei o teu conselho
Amei o teu vermelho
Que é de tanto ardor
Mas quis o verde
Que te quero verde
É bom pra quem vai ter
De ser bom sofredor
Pintei de branco o teu preto
Ficando completo
O jogo da cor
Virei-lhe o listrado do peito
E nasceu desse jeito
Uma outra tricolor

Mas a história não teve final feliz para Chico. Tal qual a lua fez com Joelma, a filha fez com o pai: Silvia Buarque é flamenguista.

Marival Guedes é jornalista e escreve crônicas aos domingos no Pimenta.

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Toquinho é uma das grandes atrações do Natal de Conquista (Foto Luiz Tripolli)
Toquinho é uma das grandes atrações do Natal de Conquista (Foto Luiz Tripolli)

Os festejos natalinos em Vitória da Conquista terão mais uma grande atração. No final de semana, o prefeito Guilherme Menezes anunciou que a programação será encerrada por outro nome de peso da MPB, o cantor e compositor Toquinho, no dia 25.
A festa começa em 19 de dezembro e reunirá nomes como Paulinho da Viola, Zeca Baleiro, The Fevers, Yamandu Costa, João Bosco, O Teatro Mágico e Ana Cañas. A festa também abrirá espaço para atrações regionais.
Serão quarenta atrações a cada dia para marcar os 10 anos do Natal da Cidade. Clique no “leia mais”, abaixo, e confira a programação.
Leia Mais

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Natal da Cidade reunirá grandes nomes da MPB (Reprodução Twitter PMVC).
Natal da Cidade reunirá nomes da MPB (Reprodução Twitter PMVC).

Zeca Baleiro, Paulino da Viola, Simone, O Teatro Mágico, The Fevers e João Bosco são algumas das atrações confirmadas para os festejos natalinos de Vitória da Conquista.
Os nomes foram divulgados pelo prefeitura neste final de semana. A programação completa será divulgada na próxima sexta (21). O Natal da Cidade também reúne atrações regionais.
Simone abre a programação no dia 18 de dezembro.  A cada dia, uma ou duas atrações de peso. O dia 22 de dezembro, por exemplo, terá Fafá de Belém e Zeca Baleiro. No dia 23, The Fevers. Paulinho da Viola se apresenta no dia 19. O Teatro Mágico sobe ao palco no dia seguinte. Dia 21 será a vez de João Bosco.

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A CRÔNICA LITERÁRIA ESTÁ (MUITO) VIVA

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br
1.JânioO jornal A Tarde, que abriga de Hélio Pólvora uma saborosa crônica todos os sábados (aos domingos, um artigo), revelou à distinta torcida baiana outro cronista de indiscutível qualidade, também aos sábados, que não perdoo, leio. Chama-se Jânio Ferreira Soares (foto) este artista da palavra, capaz de dar leveza e lirismo aos assuntos mais áridos. O gênero tipicamente brasileiro – que tem em Machado de Assis um mestre consumado – viveu dias gloriosos na segunda metade do século passado, com Fernando Sabino (1923-2004), Rubem Braga (1913-1990) e Paulo Mendes Campos (1922-1991), dentre outros. Em Hélio e Jânio a crônica literária se renova.

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Bom humor e longevidade
“Não sei até que ponto o bom humor das pessoas tem a ver com a sua longevidade, mas tenho pra mim que aqueles que não se levam muito a sério e conseguem rir de si mesmos têm mais chances de receber alguns anos de acréscimo, mesmo depois de esgotado o tempo regulamentar. Agora, aqueles que levam a vida como se ela fosse uma espécie de pós-graduação para algum NBA celestial e agem como se os problemas do mundo dependessem de suas performances de vendedores de Delta Larousse, aí já não sei. Se o juiz for dos meus, é cartão vermelho antes mesmo que a primeira frase de Paulo Coelho saia de suas bocas” (Jânio).
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3.HélioAmigos mudos, fiéis e silenciosos
“Livros esperavam, mudos, na escrivaninha de tampos de prata. Estavam sempre lá, sabiam que cedo ou tarde seriam tomados, abertos, lidos. Os amigos permanentes. Os amigos mudos e fiéis. Sobretudo, os amigos silenciosos. Sempre a mesma mensagem: não mudavam de ideias, com eles não havia jogo duplo. Uns traziam estampas. Outros, sem ilustrações, convocavam mais o imaginário. As palavras do texto formavam desenhos perfeitos na imaginação, a donzela aparecia em retrato luminoso, as descrições da natureza é que mudavam um pouco para receber bosques de cacaueiros, ingazeiras e jindibas” (Hélio, no traço de Ramon Muniz).
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AS LOURAS E A LEI DA OFERTA E PROCURA

“Os homens preferem as louras”, alardeava o filme de Howard Hawkins/1953, com as incendiárias Marilyn Monroe e Jane Russell. Dizem os estudiosos de temas difusos que se trata de fenômeno típico da economia, a lei da oferta e procura: como há poucas louras (cerca de 2% das mulheres do mundo), elas ficaram “valorizadas”. Se acham. E estão aí as morenas comprovando a tese: o número destas que se enlourecem é muito superior ao das louras que escurecem os cabelos (e aqui o maldoso leitor vai querer que eu explique como atestar a “autenticidade” de uma loura – mas eu me recuso, pois esta coluna é mais familiar do que pensão do interior). A julgar pela MPB, que reflete bem a nossa cultura, o brasileiro prefere as morenas.
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Fahel canta a morena do Rio Vermelho
5.Oswaldo FahelDe cara, lembro-me da morena boca de ouro (de Ary Barroso), da morena “desse amigo meu” me dando bola (Luiz Ayrão) e do apelo de Alceu Valença: “Morena tropicana eu quero teu sabor” (e quem não quer!). Paulinho da Viola fala de uma morena faceira (que) mexeu as cadeiras (e) “foi um desacato”, Tom Jobim diz que “a morena vai sambar, seu corpo todo balançar…”, o ilheense Oswaldo Fahel canta a morena bela do Rio vermelho, Caymmi fala de uma Rosa, morena, com andar de moça prosa, Ary encontrou a morena “mais frajola da Bahia” – e Jota Sandoval apela: “Ai, morena, deixa eu gostar de você!…” Falta Noel Rosa, mas, antes, abramos espaço para as louras, que elas merecem.
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Loura é perfume, sonho, poema e flor
Para Hervê Cordovil (cantado pelo inesquecível Dick Farney), uma loura não é pouca coisa: “frasco de perfume, aroma de flor, espuma fervilhante de champanhe, sonho e poema”. Braguinha, animando a festa: “Lourinha, lourinha/ dos olhos claros de cristal/ desta vez em vez da moreninha/ serás a rainha do meu carnaval”. Noel, grande morenófilo, fez Morena sereia (que se senta na areia e “deixa a praia cheia”) e pediu ao sol que não saísse, “pois as morenas vão logo embora”. Depois, comparou: “Esta morena/ cheia de beleza e graça/ é o símbolo da raça/ cor de leite com café./ E esta loura/ nunca foi nem é meu tipo/ perto dela eu me arrepio/ de tão fria que ela é”. Exagerou.

O CHAPÉU DE INFINITO NÚMERO DE PONTAS

7.Chapéu de três pontasÉ provável que a gentil leitora e o amável leitor já tenham cantado, por divertimento ou castigo, “O meu chapéu tem três pontas/ tem três pontas o meu chapéu/ se não tivesse três pontas/ não seria o meu chapéu…”, canção com que eu costumava “ameaçar” minhas filhas: ou se comportar direito ou cantar “o meu chapéu tem n pontas…” A musiquinha recomeça a cada fim da quadra: depois de 475 pontas, meu chapéu passa a 476 pontas e por aí vai, num conjunto infinito. O “castigo” funciona até o dia em que a criança descobre que nossa paciência vai se esgotar antes da dela – e então somos nós a lhe implorar que pare com essa tortura em tom maior. É o feitiço contra o feiticeiro.
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Música é mistério, magia inexplicável

Mas é possível que nem todos saibam que a detestável canção popular origina-se em “Carnaval de Veneza”, mui celebrada peça do genovês Niccolo Paganini (1782-1840). Carnevale di Venezia, Opus 10 (no original, em italiano) é amada principalmente pelos violinistas, que costumam tê-la em seus catálogos de apresentação. Até aí, nada de novo. Novidade para mim foi ver a vetusta Boston Pops Orquestra, com seus solistas a rigor, tendo à frente um dos maiores trompetistas do mundo, a executar, todos cheios de responsabilidade, “O meu chapéu tem três pontas”. Por essas e outras, vejo na música, eu que não sou músico, um quê de milagre, de mistério, de inexplicável magia…

(O.C.)

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NAÇÃO DE BEBEDORES FERIDOS E CHOROSOS

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

1AlencarAtônito, Caboco Alencar, com sua “farmácia” assaltada na calada da noite, teria se perguntado: “Mas, por que eu?”. É duro de aceitar um mundo em que nem o boteco (refúgio de vagabundos e cavalheiros, espaço da solidariedade, do sonho e da poesia) é respeitado. Quando grandes empresas comerciais ou industriais predadoras, molas mestras do enriquecimento nem sempre lícito (muitas vezes movido a sangue dos trabalhadores) são assaltadas é maior nosso nível de compreensão. Assaltar o ABC da Noite é mais do que atentar contra o diminuto patrimônio pessoal do Caboco; é ferir de morte uma imensa nação de bebedores – ato próprio de bandidos sem coração, lirismo ou paladar.

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O mundo fica cada vez mais inabitável
O ABC (justo, D. Ceslau não há de me recomendar à excomunhão por essa verdade nua) é espaço sagrado. Bem que ali, não se pode negar, possam  ter surgido algumas manifestações anticlericais, motivadas por uma dose a mais de batida.  Mas foram apenas engrolados discursos tentativos de consertar o vasto Brasil sem porteira, insuficientes para abalar o teto da Capela Sistina. Constato, com imensa tristeza, que o mundo se faz um lugar cada vez mais inabitável, pois nem líricos e inocentes botecos são dignos do respeito dos assaltantes, que invadiram o templo do ABC como se adentrassem um depósito de rinchona. Bem fez Eduardo Anunciação, que, em protesto antecipado, recusou-se a testemunhar tamanha heresia.
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NÃO QUEREMOS A MENTIRA COMO APANÁGIO

Decidi-me a “responder” (na verdade, ninguém me perguntou nada!) a alguns comentários, o que não fiz. Poderia dizer que foi devido à “roda viva” que tritura os que escrevem com data marcada. Mas não digo, pois tenho sido invadido por completo desapreço à mentira. Expulsemo-la, portanto, do capital dos jornalistas, para integrá-la ao apanágio dos políticos, que de tal valor não podem prescindir. Se não fiz o que me prometi foi por falta de planejamento – e não se pode debitar a culpa ao lixo nas ruas e a outras mazelas pequenas e provincianas. Então, mãos à obra, como disse o prefeito, diante do indefeso cofre municipal.
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4BebadosambaDebatedor culto, coerente e corajoso
Devo informar a Yan Santos, que me propõe discutir a questão “Camilo de Jesus Lima” com o professor Adylson Machado, ser impossível a tarefa. Quando Adylson (ex-roqueiro, professor de Direito e autor de, pelo menos, dois livros) fala, eu silencio. Culto, coerente e corajoso (eis uma inesperada aliteração!), ele está mais para ser ouvido do que contestado. Mas só a sugestão já me eleva, honra e consola. Comunista da Sibéria me emocionou com a citação de Paulinho da Viola (“Se lágrima fosse de pedra eu choraria”). Bebadosamba é um dos meus discos preferidos, que ganhei de uma “amiga secreta” de bom gosto, no Natal de 1996, ainda quentinho.
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Jornalismo genial e ditadura estúpida
5Tarso de CastroPor fim, não gostaria que passasse em branco a dica de leitura de Ricardo Seixas, o livro Memórias do esquecimento, de Flávio Tavares. Também acho pertinente o emprego de protetor auricular durante o Carnaval, mas esta é outra história… A referência me conduziu a dois outros livros de jornalistas: 75 Kg de músculos e fúria (Tarso de Castro – a vida de um dos mais polêmicos jornalistas brasileiros) e O sequestro dos uruguaios (Operação Condor – Uma reportagem dos tempos da ditadura), de Luiz Cláudio Cunha. São dois grandes momentos da vida brasileira: no primeiro, o jornalismo em tempos emoldurados pelo golpe militar; no segundo, a específica estupidez das ditaduras em nuestra America.
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(ENTRE PARÊNTESES)

Nas arquibancadas, assistindo a fumacinhas negras e brancas, torcedores verde-amarelos de eventos vaticanos lamentam o resultado do Habemus papam, como se fosse um jogo em La Bombonera: Argentina 1 x 0 Brasil. “Só nos faltava mesmo um papa argentino!”, lamentou-se um dos meus amigos mais pessimistas. Mas pior seria se pior fosse: dizem que o novo sumo não se chamou Maradona II porque Pelé, ao perceber a tendência, ameaçou fazer haraquiri na Praça de Maio. Entende?

BIBI FERREIRA E SUAS MALAS DE LIVROS

7Jane F.Levando duas malas de livros, Bibi Ferreira embarca para Nova Iorque, quando abril chegar. A artista vai comemorar o aniversário de 90 anos com uma apresentação no Lincoln Center, com ingressos disputadíssimos: a espevitada Jane Fonda (foto), que não é boba, reservou camarote no ano passado. A mala é de obras literárias, filosóficas e algumas partituras, publicações de que Bibi não se separa, textos que ela quer ter ao alcance da mão em qualquer tempo, em qualquer lugar. Uma curiosidade sobre a filha de Procópio Ferreira: estreou no palco com apenas 20 dias de nascida, em 1922, na peça Manhã de sol, no colo da madrinha Abigail Maia, mulher Oduvaldo Viana, padrinho do bebê.
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Matrícula negada em colégio paulista
Com cerca de oito anos, Bibi começa a trabalhar na companhia do pai famoso e aos nove, por ser filha de artistas, tem sua matrícula negada no tradicional Colégio Sion, de São Paulo. Mas Procópio responde à altura: manda a filha para a escola em Londres, onde ela também estuda teatro. Em 1936, outra vez no Brasil, participa de filmes, como atriz e cantora, monta sua própria companhia (por onde passam Cacilda Becker, Maria Della Costa, Sérgio Cardoso e Henriette Morineau) e não para mais: canta, representa, produz. Uma das primeiras mulheres a dirigir teatro no Brasil, fez tevê, mas não  novela. Aqui, um corte de show da Globo, em 1992, comemorativo dos 50 anos da artista.

(O.C.)

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LUIZ GONZAGA FAZIA ACORDES, NÃO VERSOS

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br
1Asa BrancaFindo 2012, quando foi comemorado o centenário de Luiz Gonzaga, saltou-me aos olhos certo equívoco, perpetrado pela mídia. No afã de prestigiar o Rei, salientaram-lhe qualidades que ele nunca teve. Numa muito criativa matéria de tevê (creio que na Globo) esmiuçou-se a asa branca (uma espécie de pomba, em extinção) e que deu título à música famosa. Lá pras tantas, a repórter danou-se a louvar a “literatura” de Luiz Gonzaga, os “poderosos versos” sobre o sertão, o nordestino, o vaqueiro, a seca e por aí vai, esbanjando um desconhecimento que não se permite a nenhum profissional do gênero: para ser grande (e por ser grande), o Rei nunca se apropriou da qualidade de seus letristas. Ele não fazia “literatura”, fazia acordes.

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Os grandes letristas quase esquecidos

“Era excelente musicista”, atesta o respeitável especialista em Direito Municipal (e ex-roqueiro de igual respeito) Adylson Machado. As comemorações deixaram Humberto Teixeira em quase completo esquecimento, o que me pareceu grande injustiça com quem escreveu um monte de “clássicos” cantados pelo Rei. Cito de memória (além de Asa branca) várias outras, algumas delas obras-primas do gênero, no meu modesto entender: Juazeiro, Qui nem jiló, Estrada de Canindé, Paraíba, Assum preto, Respeita Januário, Mangaratiba, No meu pé de serra, Lorota boa… De Zé Dantas falei em outras colunas: Vozes da seca, A volta da asa branca, Letra i, Riacho do Navio, Cintura fina, Paulo Afonso. A ignorância vigente na mídia é de espantar.
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SEM MISÉRIA, NÃO HÁ JAZZ “DE VERDADE”

3Doris DayPromessa é dívida. Voltamos aos best-sellers do jazz, em que seus integrantes, tal qual os escritores, são acusados de vender muito e… ganhar dinheiro. As listas que todos conhecem são integradas por meia dúzia de grandes artistas negros, mas não incluem Nat King Cole, Frank Sinatra, Doris Day, Fred Astaire. Óbvio: além de serem quase todos brancos, esses venderam muito e, consequentemente, fizeram “concessões”, ficando marcados como “comerciais”.  O senso comum diz que lhes falta desgraça e miséria suficientes para sentir o blues na própria pele – sem o que não se canta o jazz autêntico. Quem é jazzman (ou jazzwoman) de verdade morre com o estômago pregado às costas, mas concessões ao mercado, jamais.

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“Num quarto sujo, cheio de percevejos”

Este raciocínio, segundo Ruy Castro (no livro Tempestade de ritmos), foi montado pelos franceses, lá pelos anos trinta/quarenta, e de forma eficiente, “porque até hoje há quem acredite nele”. A teoria tenta preservar o músico de jazz como o tipo “bom selvagem” de Rousseau: negro, pobre, injustiçado, escravo do jazz, do álcool e da heroína, mas firme e incorruptível. Diante das “concessões” que levam à boa vida, escolhe vegetar num quarto sujo, cheio de percevejos (vide os filmes ´Round midnight e Bird, já referidos nesta coluna). “Duke Ellington, a caminho do seu alfaiate, tremia de medo dessa teoria”, ironiza Ruy Castro. Confesso que esse tipo me fascina – creio que fui formado nessa escola romântica.
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5Cole EspanholNo fim, boleros derramados, em espanhol

Para ficar apenas num nome (que o espaço é tão pequeno para tanto amor), citemos o velho Nathaniel Adams Coles (1919-1965): pianista, tornou clássica a formação piano-guitarra-baixo, era cultuado pelo seu trio de jazz “autêntico”. Foi assim até resolver cantar canções “comerciais”, quando passou a ser execrado pela crítica. Esta jamais o perdoou por gravar e vender Mona Lisa, Unforgettable, Blue Gardenia e (aí nem eu aguentei!) uma enxurrada de boleros derramados, em espanhol. De ternos bem cortados, e dono de muitos dólares, Nat King Cole era discriminado no bairro rico onde residia. A gorda conta bancária não foi bastante para ofuscar o racismo, contra o qual ele era combatente.
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(ENTRE PARÊNTESES)

Quase destruída física e moralmente, Itabuna aguarda ansiosa as ações do seu novo Messias. Nunca se viu um prefeito com tantas sugestões de nomes. Seu sobrenome é Renascer, mas ele poderia, sem desdouro, chamar-se Reconstruir, Reformar, Refazer, Remontar, Recuperar, tais são as expectativas criadas. É aceitável também, Salvador da Pátria, Fada Madrinha, Salvação da Lavoura, Houdini, Magoo e, se queremos algo mais abrangente, Panaceia. Mas que não seja o Mágico de Oz, pois de impostores já andamos cheios. A frase batida (do filme O fabuloso destino de Amélie Poulain) cabe aqui: “São tempos difíceis para os sonhadores”.
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EU VOLTAREI TÃO LOGO A NOITE ACABE

“Meu amor, eu não esqueço,/ não se esqueça, por favor,/ que eu voltarei depressa,/ tão logo a noite acabe,/ tão logo esse tempo passe,/para beijar você” – são versos de Para um amor no Recife, de Paulinho da Viola. A música foi feita para Dedé (Maria José Aureliano), uma professora pernambucana que hospedou Paulinho no Recife em 1971, quando ele foi lá apresentar-se durante três dias e ficou (graças à acolhida calorosa) quase um mês. No fim, Dedé chamava o cantor de filho (para isso, pedira e obtivera “autorização” da verdadeira mãe dele, no Rio). Mas Para um amor…, um grito contra a ditadura militar, esconde outra história menos “família”, menos lírica, menos divulgada.
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Feridas abertas e sangue derramado

Em A vida quer é coragem (do jornalista Ricardo Amaral), biografia da presidenta Dilma, surge a uruguaia Maria Cristina no capítulo intitulado “Tão logo a noite acabe”. Amaral conta que Cristina ligou-se à guerrilha no Brasil, devido à paixão que tinha pelo militante Tarzan de Castro, do PCdoB, preso em 1969, e amigo do ex-marido de Dilma, Carlos Araújo. As duas dividiram a mesma cela, em São Paulo, por oito meses. Quando a uruguaia, levada para as sessões de tortura, retornava, Dilma tratava das dores e lhe chamava a atenção para a letra de Paulinho, como uma espécie de bálsamo, ao cantar “Fechar a ferida e estancar o sangue”. Sentiam-se menos sós e desamparadas: lá fora, uma voz lírica dizia que a iniquidade não era eterna.

(O.C.)

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O HOMEM À BEIRA DE LAVAR-SE EM PRANTOS

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

Era 1997, no Jorro. Acordei cedo, hábito que mantenho em qualquer lugar, e, ao batalhar um cafezinho na pousada ainda meio adormecida, me deparo, diante da tevê da recepção, com um sujeito em profunda tristeza, à beira de lavar-se em prantos. “– João Paulo morreu”, me disse, em consternação tamanha que eu logo inferi ser esse João Paulo morto um membro muito querido de sua família. Era-me difícil ser solidário, pois não fazia a menor ideia de quem fosse o ilustre defunto. Mesmo assim, num esforço tremendo, perguntei, com o ar mais hipocritamente compungido que me foi possível: “– É verdade?” Foi como abrir as comportas de um dique de lágrimas.

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Olhos de avermelhados a “rasos d´água”

Os olhos, que estavam avermelhados, tornaram-se “rasos d´água” (esta expressão subliterária vem a calhar), o pranto saiu em esguichos e borbotões, tão injusta e irreparável era a perda de João Paulo. Logo me culpei.  Nunca ia saber que um irresponsável “É verdade?”, emitido na falta absoluta de algo útil a dizer, tivesse o condão de desencadear tanta emoção num homem adulto, de barba na cara (mal feita, aliás, me permiti observar).  Enquanto o sujeito fungava, eu tinha um olho na tevê, e por ela fiquei sabendo que o defunto fresco (com todo respeito!) era a outra metade da dupla “sertaneja” João Paulo e Daniel, que eu, com essa capa de ignorância com que o bom Deus me protege, jamais ouvira.

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O pranto sem lenço e sem ombro amigo

O homem pareceu recuperar um pouco da compostura perdida, enxugou as lágrimas, soltou um gutural “Deus sabe o que faz” e foi às águas quentes da praça. Eu, enquanto bebericava meu café, pensava em como é patético o ser humano, e pouco antevia das surpresas da vida: João Paulo morrera, o volúvel mercado “breganejo” continuaria firme e ainda faria disparar a carreira de Daniel, o grande beneficiado da tragédia. Pior é que, em meu canto e na minha torturante arrogância, fui testemunha do sofrimento daquele fã, sem conseguir ser solidário o suficiente, quem sabe lhe oferecendo, para que pranteasse mais confortavelmente seu artista querido, meu ombro… O que digo? Não exageremos: um lenço, talvez.

LUGAR-COMUM: O BRILHO ANTES DA TRISTEZA

“Expressão surrada feito colchão de hospedaria”. Num conto de Machado de Assis, localizo este ótimo conceito de lugar-comum, grande inimigo da boa linguagem. É curioso que ele nasce de um lance de criatividade do falante/escrevente, brilha, belo e útil por breves tempos – e, depois, transforma-se num estorvo. O lugar-comum nasce condenado ao efêmero, porém almas mais ingênuas do que bondosas parecem querer eternizá-lo. As rosas também carecem de perenidade: hoje são encantadoras, frescas, sedosas, brilhantes; amanhã, murchas, secas, desbotadas, tristes. E se não digo que as pessoas possuem iguais características…

NA TV, ARRANCA-TOCOS E PERNAS-DE-PAU

… é porque não pretendo aspergir melancolia sobre as gentis leitoras. Não digo, mas penso que talvez não passemos todos, ao fim de tudo, de meros e enfatuados lugares-comuns. Numa tarde de sol e bola, já perdida nos escaninhos da memória, um cronista inventivo disse que aquela intrincada partida de futebol se assemelhava a um jogo de xadrez. Bela imagem para um dérbi lhe pareceu a criação, e assim seria se permanecesse naquela época e por lá fosse sepultada. O mal é que locutores mal informados misturam futebol com xadrez a todo tempo, tendo como pano de fundo alguns encontros de arranca-tocos e pernas-de-pau com que a tevê aberta nos brinda duas vezes por semana.

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Mequinho (quase) escalado no Flamengo

Creio ter sido em 1974, num dérbi Vasco e Flamengo, que um repórter de rádio patrocinou este episódio: “É um jogo de xadrez!”, chutou o amante dos lugares-comuns. “Neste caso, Mequinho deveria ser escalado no Flamengo!”– rebateu de primeira o narrador Jorge Cury, em dia de bom humor (Henrique da Costa Mecking, o Mequinho, flamengo, era o terceiro melhor enxadrista do mundo, na época). E foi mesmo um jogo difícil: terminou 0 x 0 – o que deu o título de campeão carioca ao time rubro-negro. Restou dizer que dérbi (derby) é coisa tão arcaica quanto “esporte bretão” (dérbi se ouve ainda no Recife, enquanto “esporte bretão” é usado apenas como gracejo).

PAULINHO DA VIOLA DUAS VEZES EM PAUTA

Por e-mail, me chegam duas sugestões: uma leitora pede a história que contei em outro lugar e tempo, envolvendo Paulinho da Viola; um leitor quer saber mais sobre Ousarme Citoaian, origem, significado, se é pseudônimo ou heterônimo, essa brincadeira que eu imaginava esclarecida. Penso que o pedido vale uma entrevista-montagem ou exercício semelhante. Aos que desconhecem esse recurso jornalístico: é quando o repórter formula as perguntas e dá as respostas, baseado no conhecimento que tem do entrevistado. Paulinho da Viola, que já estava em pauta – entrará outra vez, mais tarde.

OS GENIAIS BRANQUELOS DE DAVE BRUBECK

Todo mundo já ouviu Take five, do saxofonista Paul Desmond, que o quarteto de Dave Brubeck imortalizou, a partir de 1959, com um solo de sax alto do próprio autor. Desmond era um músico de sopro que fumava feito uma chaminé. Morreu de câncer do pulmão, é claro, em 1977. Dez anos antes deixara o grupo de Brubeck, mas este continuou a tocar Take five, tendo como destaque o sax de Bobby Militello. Aqui, a apresentação do quarteto no Festival de Jazz de Montreal de 2009 (com uma referência a Desmond, em1981). Brubeck (piano), Militello (sax), Randy Jones (bateria), Michael Moore (baixo) e Matt Brubeck, filho do chefe (violoncelo), roubam a cena. Nada mau para um grupo de branquelos tocando jazz.

(O.C.)

Tempo de leitura: 6 minutos

A TELEVISÃO E SUA LINGUAGEM RASTEIRA

Ousarme Citoaian
Do jeito que a coisa anda, terminaremos nos comunicando por sinais de fumaça. Escrever (ou falar) de acordo com o que a norma preceitua virou coisa arcaica, sem graça e de difícil entendimento. E a mídia (façamos aqui um mea culpa) tem muito a ver com isso, sobretudo a tevê, que defende como princípio uma linguagem cada vez mais rasteira, cooptando, lentamente, a sociedade: os folhetins (a que chamam novela), antes considerados “produto para domésticas analfabetas”, hoje são matéria de teses de doutoramento nas universidades (e quem empregar a frase aspeada será tido como preconceituoso e politicamente incorreto). São ásperos os tempos.

ANTÔNIO MARIA, A FRASE PARA A HISTÓRIA

O processo de erosão intelectual é bem antigo. Sérgio Porto (o Stanislaw Ponte Preta) nos conta esta: Antônio Maria (cronista, compositor, narrador de futebol, roteirista e apresentador de programas de rádio e televisão), foi solicitado por Péricles do Amaral, então diretor da TV Rio, a copidescar uma matéria. A ideia era tornar o texto mais simples, ao alcance do público menos escolarizado. O trabalho do autor de Ninguém me ama não satisfez o chefe, pois este achava que o texto ainda poderia ser mais simples. O bom Maria refez a tarefa, porém, ao entregar a nova adaptação, produziu uma frase para a história: “Pior do que isto eu não sei fazer”.

DE COMO TORNAR PERPÉTUA A IGNORÂNCIA

A tevê, em seu objetivo de atingir as camadas medianas da população, derrapa tanto em linguagem quanto em conteúdo. A linguagem (seja na tevê seja na literatura de ficção, por exemplo) precisa ser simples, sem ser indigente. Nunca é demais repetir que a simplicidade é uma qualidade do estilo. Portanto, ser simples, sem ser rasteiro, não é defeito, é virtude. Já a questão do conteúdo é mais difícil: William Bonner, editor do Jornal Nacional, comparou o telespectador médio a alguém simplório como o personagem Homer Simpson, “incapaz de entender notícias complexas” – daí o JN só divulgar o “simples”. Este, sim, é um argumento destinado a perpetuar a ignorância.

PROVA DE DESRESPEITO AO LEITOR/OUVINTE

Costumo dizer que jornalistas detêm, basicamente, o mesmo saber. Eles se diferenciam na ética, no comportamento moral e na (in) dependência com que atuam – mas se equivalem em domínio da linguagem (ou não são jornalistas, são enganadores). Todos eles sabem o que é sujeito e predicado, estudaram e apreenderam noções de concordância, regência e acentuação (se não estão seguros sobre o emprego do hífen, não os culpemos – afinal de contas, ninguém sabe usar esse sinalzinho nefasto, depois do último Acordo Ortográfico). Por que erram tanto? – perguntaria a leitora ingênua (ainda há leitoras ingênuas?), a quem eu diria: erram por falta de cuidado, desleixo e conseqüente desrespeito ao leitor/ouvinte.

CUIDADO COM O REBANHO BOVINO NAS RUAS

Em dias recuados, na aventura de assistir a um noticiário de tevê, dei de cara com uma reportagem do Extremo Sul da Bahia, alardeando o progresso econômico daquela região. Lá pras tantas, o repórter destacou que, além da agricultura, existe em Teixeira de Freitas um notável crescimento da pecuária. E saiu-me com esta pérola: “Tanto é assim que a cidade já possui o quarto rebanho bovino do estado”. Pálido de espanto, pensei no inferno que seria a cidade conviver com tantas vacas, bois, bezerros e touros nem sempre de bom humor, a atravancar ruas e amedrontar pessoas. Ao que me consta, nem a Índia (onde as vacas, por tradição religiosa, têm sagradas até as fezes e a urina) se viu igual pesadelo.

PARA UM BIFE, 15 MIL LITROS DE BOA ÁGUA

Devidamente traduzida e digerida a notícia, filosofei, a respeito do repórter: tão jovem, bem vestido, mas tão descuidado! Tudo ficaria simples e claro se ele dissesse que “o município” etc. etc., pois é regra conhecida que a pecuária não se pratica na cidade: é lá no campo que ela se exerce, sob protesto dos ambientalistas, que querem os bois extintos (um bovino, até que passe de bezerro a bife acebolado, bebeu milhões de litros de boa água – sendo que o tal bife acebolado “custa” cerca de 15 mil litros – mas esta é outra história). Voltando à pérola, é o que dizíamos na abertura deste tema: o repórter, por certo, está careca de saber que município e cidade são valores bem diferentes. Descuidou-se.

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DE TROPEIRO A ATOR, POETA E COMPOSITOR

Zé do Norte (por extenso, Alfredo Ricardo do Nascimento, em Cajazeiras/PB) trabalhou na enxada sob o sol do sertão nordestino, foi tropeiro e apanhador de algodão. Em 1921, alistado no Exército, foi servir no Rio de Janeiro e, a partir de um convite de Joracy Camargo, embrenhou-se no meio artístico e foi em frente: virou cantor, compositor, poeta, folclorista e ator. Jogava nas onze e chutava com as duas. Trabalhou nas principais emissoras de rádio da época, foi consultor do sotaque nordestino em O Cangaceiro (Lima Barreto) e, graças a esse filme, ficou conhecido mundialmente com Muié Rendera (ou Mulher Rendeira). Fez cerca de cem canções, algumas delas com revisitas modernas de Nana Caymmi, Raul Seixas, Maria Bethânia e Joan Baez. É tido como “descobridor” de Luiz Gonzaga.

CANGACEIRO-POETA OU POETA-CANGACEIRO?

O músico pernambucano (1926-2006) ensinou a arte a Baden Powell, Paulo Moura, Menescal, Sérgio Mendes, Nara Leão, João Donato. Não é pouca coisa. Dele, Vinícius disse (Samba da Bênção): “Moacir Santos/tu que não és um só, és tantos”. Sua estreia em gravação se deu com o álbum Coisas, “um dos melhores discos brasileiros de todos os tempos”, segundo a revista Rolling Stones. São dez faixas – Coisa nº 1, Coisa nº 2, Coisa nº 3 (e por aí vai), mas Coisa nº 1 não é a primeira faixa, é a 8ª, Coisa nº 8 é a 10ª e Coisa nº 5 é a 3ª. Coisa confusa, não? Coisa mais linda é Sônia Braga, que enfeita, acompanhada de figuras carimbadas da Globo em 1980, Coisas do mundo, minha nega, do elegante, fino, inteligente, discreto e terno Paulinho da Viola. Faltou alguma coisa? Então vá: genial.

LAMPIÃO: “TU ME ENSINA A FAZER RENDA”

Volta Seca e Zé do Norte foram contemporâneos (Zé do Norte era dez anos mais velho) e, ao que consta, chegaram a trabalhar juntos como consultores de O Cangaceiro. Mesmo assim, o ex-integrante do bando de Lampião não se mostrou incomodado com a Muié Rendera cantada pelo grupo paulistano Demônios da Garoa (a letra de Zé do Norte, não a dele). E não se pode ignorar a versão também corrente de que o autor não seria nenhum dos dois, mas o mítico Lampião, o Rei do Cangaço. Enfim, a autoria da letra simplória de Mulher Rendeira tem lá seus mistérios, mas a Zé do Norte cabe o mérito da adaptação conhecida por várias gerações de brasileiros, há quase 60 anos. A dupla Marco Pereira (violão) e Gabriel Grossi nos mostram o que a composição tem de melhor, a melodia.
(O.C.)