Tempo de leitura: 3 minutosKaroline Vital | karolinevital@gmail.com
Deu para ver a marra se derretendo no rosto dela, de onde brotou um sorriso amarelo. E assim, com a minha educação doméstica, investi em refeições menos tensas no futuro.
Minha educação para o momento das refeições foi além dos princípios básicos de etiqueta, como não falar de boca cheia e não apoiar os cotovelos sobre a mesa. Com minha família, aprendi a norma básica na hora de comer: trate bem quem te alimenta! Tenho dois tios garçons e sempre contaram as barbaridades causadas pela falta de civilidade de clientes e o espírito vingativo dos funcionários da cozinha e afins. Humilhações e reclamações em tom esnobe muitas vezes são revidadas com cuspe na comida, canudos previamente inseridos no nariz e ouvidos, bifes bem passados pelo chão e demais nojeiras arquitetadas por mentes criativas e sentimentos feridos.
Antes que sua arrogância deseje lembrar àquele que te serve sobre quem está pagando pela comida, é preciso avaliar os possíveis riscos que você pode se submeter. E não adianta querer se blindar falando de profissionalismo e apelar para ameaças ao gerente ou dono do estabelecimento. E por mais que Seu Madruga tenha ensinado que “a vingança nunca é plena, mata a alma e envenena”, gente é um bicho rancoroso e perverso.
Tratar bem quem prepara sua comida deve seguir os princípios básicos da convivência humana, acrescidos do instinto de autopreservação. E foi a estratégia de sobrevivência à mesa deu origem a um ato de celebração muito comum: o brinde. Pesquisadores contam que o hábito de brindar surgiu na Grécia, 400 anos antes de Cristo. Ao bater os copos, misturava-se a bebida servida e o convidado se assegurava de que seu anfitrião não tinha intenções de envenená-lo.
Partindo das lições familiares, sempre segui à risca o princípio de jamais destratar quem lidava com minha refeição. Uma vez, quando prestava serviço a certa Prefeitura, recebi um vale para almoçar no restaurante parceiro do governo municipal. O evento que cobri durante a manhã se estendeu além do horário. O restaurante era pequeno, funcionava na residência da proprietária. Só consegui chegar ao estabelecimento perto das 14 horas e as funcionárias, que pensavam estar livres do seu turno, receberam-me com uma enorme tromba. Faziam questão de demonstrar explicitamente toda sua contrariedade. Uma delas se queixava de dor de cabeça e pressão alta.
– Senhora, já que está se sentindo mal, é melhor procurar um posto de saúde, pois hipertensão é um perigo – aconselhei, cautelosamente.
– Por mim, eu morro! – respondeu-me com aspereza.
Depois de escolher o meu prato, perguntei o que tinha para beber.
– Se quiser, tem água – informou-me a funcionária com desdém.
– Está ótimo! – exclamei com um sorriso no rosto, numa tentativa desesperada de criar alguma empatia. Não sei se a tática funcionou, mas fui surpreendida com uma limonada.
O clima no restaurante era tenso. O lugar era minúsculo e dava para ouvir todas as pragas rogadas da cozinha. Mas, como meu estômago estava colando nas costas, tive que me submeter ao risco, pedindo proteção divina.
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