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EDUARDO, VIDA, MORTE, LÁGRIMAS INÚTEIS

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br
Eduardo Anunciação, Duda, Bacurau de Terraço, Gaguinho, subiu no telhado, e contra isso nossas lágrimas são inúteis. C´est la vie. Ou a morte. Meu amigo, sim, mas tivemos, em priscas eras, divergências, que sepultamos em nome do mútuo descobrir de nossas humanas fraquezas. Eu o dizia um colunista com estilo – contraponto à expressão consagrada por Millôr Fernandes (“Enfim, um escritor sem estilo”) e quando o chamava de “Meu Carlinhos Oliveira preferido” ele apenasmente sorria seu sorriso de homem modesto, operário raso do jornalismo. Manuela Berbert, em inteligente texto aqui no Pimenta, já chorou em meu nome. Ainda assim, reedito, descoberta a poder de óculos e binóculos, uma notinha, espécie de flores em vida, publicada neste UP. A seguir.

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2Eduardo Anunciação“Ganharás o pão com o suor do texto

A região tem muitos (e bons) jornalistas não diplomados, e me arrisco a citar apenas um, na tentativa de síntese do que quero dizer. Refiro-me a Eduardo Anunciação, um “bicho de jornal”, com mais tempo de redação do que urubu de voo (às vezes penso que ele, por essa escrita em linhas tortas própria dos deuses, teria nascido num ambiente de jornal – e, para completar a quimera, bebeu tinta de impressão, em vez de leite materno. Nunca foi balconista de loja, não trabalhou em banco, não sabe botar meia-sola em sapato, não é pedreiro nem médico. É jornalista. Daqueles que lutam com as palavras todos os dias, mal rompe a manhã – e pagam o supermercado com o suor do seu texto”.
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O GENERAL, DANTE E OS PRESOS POLÍTICOS

No fim de 1964, o general Ernesto Geisel visitou o Quartel de Amaralina, em Salvador, em nome da Comissão Geral de Inquéritos, para verificar denúncias da imprensa sobre maus tratos a presos políticos.  Estes souberam da vista e fizeram um cartaz com a frase da Divina Comédia, à porta do inferno: “Deixem fora toda esperança os que aqui entrarem” – e colocaram o cartaz de forma que Geisel não pudesse deixar de vê-lo ao chegar à cela. Era a maneira que os presos incomunicáveis encontraram para expressar sua revolta. Geisel chegou, viu o cartaz e perguntou, com ar severo: “– Quem colocou isso aí?” “– Eu”, respondeu Othon Jambeiro. O general mostrou ter verniz literário: “– Isso não é de Dante Alighieri?”
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4Camilo de Jesus LimaO centenário que passou em branco
E emendou, nada amistoso: “– Vejo que há algum intelectual aqui”. Sereno e firme, um preso adiantou-se e disse: “– General, intelectuais somos todos os que aqui estamos presos. E intelectuais a serviço do povo, dedicados à libertação do Brasil e à liberdade de todos os brasileiros. Somos intelectuais, sim, lutando por uma causa justa”. Os fotógrafos que acompanhavam a comitiva, quando viram o preso se adiantar e começar o discurso, postaram-se para fotografá-lo, mas foram impedidos pelos militares. O preso era o poeta Camilo de Jesus Lima (cujo centenário passou praticamente em branco no ano passado) – e a informação está em Lembranças do mar cinzento, obra fundamental do político baiano Emiliano José.
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Um autor a clamar contra a injustiça
Camilo de Jesus Lima (1912-1975) é o que se chamava de engagé, autor com a pena a serviço de uma causa, sem esse negócio de arte pela arte: seus livros (As trevas da noite estão passando, Cantigas da tarde nevoenta, Novos poemas, A mão nevada e fria da saudade, Viola quebrada e outros) clamam contra a injustiça, denotando um escritor de acentuada influência marxista. Diz-se que ele era íntimo do núcleo duro do PCB de Prestes, mas há controvérsias. Quanto à simpatia pelo socialismo, não há dúvida. Morreu aos 63 anos, atropelado, por acidente. Ou “acidente”: diz-se que foi assassinado pela ditadura militar, na operação de “limpeza” que nos levou, na mesma época, Anísio Teixeira – mas prova disto não há, é claro.

(ENTRE PARÊNTESES)

6Sonny StittConta-se que o saxofonista Sonny Stitt, mostrado aqui na semana passada, bebia “bem”, por isso estava preocupado, tentando afastar-se da garrafa. Durante temporada em famoso clube de Londres, soube de um hipnotizador que curara vários músicos do vício da bebida e resolveu tentar a sorte. O grande terapeuta iniciou uma série de sessões com Stitt, para subtrair-lhe a compulsão de esvaziar copos, mas o músico desistiu do tratamento, após duas semanas. E explicou porque o esquema do hipnotizador não estava dando certo: “– Depois desse tempo, eu não parei de beber e, pior ainda, o homem passou a beber comigo….”  (a história foi ouvida do especialista em jazz José Domingos Raffaelli).

MENINAS CHEIAS DE TALENTO E FORMOSURA

Não me espanta se a gentil leitora e o exigente leitor não conhecerem Dedé do Cantinho, sanfoneiro pé-de-bode que teve seus dias de glória em Itaporanga, no vale do Piancó paraibano. Relevante é saber que esse pé-de-bodista é a raiz de um grupo musical que me deixou extasiado, encantado, emocionado, embevecido, enlevado, seduzido, ébrio, preso, arrebatado – e se mais não digo é por desgostar de repetir sinônimos, o que significa jogar água em terreno já encharcado. O grupo chama-se Clã Brasil e é integrado por parentes do velho forrozeiro, entre as quais umas bisnetas jovenzinhas, competentes e bonitas de fazer chorar. Permito-me o luxo de um arcaísmo, ao afirmar que elas são cheinhas de talento e formosura.
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Grupo tem o apoio luxuoso de Sivuca”>
Clã Brasil, com oito anos de estrada (já se apresentou em Portugal e na Itália, além de ganhar a Comenda Ariano Suassuna, “por serviços prestados à Paraíba”), é formado por Lucyane (sanfona e líder), Laryssa (violino e zabumba), Lizete (flauta e pífano), Fabiane (cavaquinho e violão de 12 cordas), Badu (violão de 7), Maria José (triângulo) e Francisco Filho (percussão). Grandes nomes da música nordestina aprovaram o grupo: Dominguinhos, Marinês, Elba Ramalho, Pinto do Acordeon, Oswaldinho e Sivuca. Aqui, uma mostra do Clã, com o apoio luxuoso de Sivuca, o músico que levou a sanfona às salas de concerto: Feira de Mangaio, com o bônus de um improviso do grande sanfoneiro de Itabaiana
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(O.C.)
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A “BARRIGADA” É O TERROR DAS REDAÇÕES

1BarrigadaOusarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br
O sentido mais comum para barrigada é o de bater com a barriga (no samba de roda, umbigada), mergulhar de mau jeito, se o indivíduo, em vez de entrar na água de cabeça, cai de barriga. Com outro significado (divulgar notícia que não aconteceu), a barrigada é o terror das redações. Quando o veículo “torce” a matéria, em benefício de interesse que não o dos leitores, diz-se que ele é tendencioso, manipulador. Também se pode, com essa intenção desonesta, publicar algo não acontecido, para beneficiar ou prejudicar pessoas ou instituições – mas aí também não é barrigada. Esta é um erro involuntário – causado pela paranoia de dar um “furo” ou pela pressão do deadline (se não der a notícia agora, vai esperar a próxima edição).

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Jornalistas devem “parecer” isentos
Neste começo de ano, barrigadas monumentais, em dois veículos famosos do Brasil e da Espanha. El País divulgou, com o destaque “merecido” também na edição online, como sendo do presidente Hugo Chávez a foto de um sujeito entubado, agonizante, se não morto; O Estadão deu em primeira página que o ex-presidente Lula seria investigado pelo Ministério Público Federal (MPF). No primeiro caso, o jornal logo admitiu o erro e recolheu a edição; no caso brasileiro, foi o MPF que desmentiu o boato.Como ambas são noticias políticas, é de se especular se outros fatores, além dos que citamos, não contribuíram, lá e cá, para o “mico”. Jornais e jornalistas não são isentos, mas devem se esforçar para conter seus interesses pessoais.
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(ENTRE PARÊNTESES)

3ManifestoLeio coisas como “o comunista Fulano”, o “socialista Sicrano” – em referência a pessoas que militam em certos partidos, e me sinto incomodado. Tais grêmios não têm uma gota de ideologia, um cêntimo de marxismo, uma pitada de teoria política, um grama, sequer, de solidariedade humana. Seus membros, festejados na mídia, nada fazem ou dizem que denunciem já terem lido, pelo menos, as orelhas de Marx, Engels, Rosa Luxemburgo ou Gramsci. Penso até que estes autores, indignados, se sacodiriam em suas tumbas, se acaso pudessem perceber o comportamento dos “camaradas” de nossos dias. Indago, à Machado de Assis: mudariam os comunistas ou mudei eu?

JOÃO SALDANHA, O BOTAFOGO E O CHOPE

Em 1965, o Flamengo fez a final do campeonato carioca contra o quase invencível Botafogo, perdeu de 1 x 0, mas foi campeão, devido à vantagem que tinha. Após o jogo, João Saldanha (botafoguense fanático) e o colega Maurício Azedo (Flamengo também doente) chegaram juntos à portaria do jornal Última Hora, e João disse a Maurício que o Botafogo pôs água no chope do Flamengo… Foram subindo as escadas e discutindo, a temperatura também subiu, e quando “adentraram” a redação já estavam embolados, aos tapas, com os companheiros de jornal tentando separar os valentões. O jornalista Anderson Campos, também Flamengo doente e membro do PCB, segurou Saldanha, enquanto o ex-jogador Ademir Menezes segurava Maurício, mas a discussão continuou.
_________________5Saldanha
Briga não conhece regra, nem lógica
Maurício jogou duro: disse que Saldanha era analfabeto, que fazia frases curtas porque “se puser uma intercalada no meio vai tropeçar na vírgula”. Saldanha, pouco antes tinha dito que Maurício era “um maroto, um temperamental”. Minutos depois, quando tudo parecia serenado, cada um na sua mesa, os colegas, de olho nos brigões, perceberam Saldanha pronto para atirar sobre Maurício Azedo, pelas costas, uma Olivetti enorme, de carro duplo. À turma que lhe tomou a máquina e reprovou sua atitude de tentar esmagar a cabeça do colega, Saldanha argumentou, aos berros: “– O que tem regra é jiu-jitsu, judô, caratê, essas coisas. Briga não tem regra”.  A história está no delicioso João Saldanha – uma vida em jogo, do jornalista André Iki Siqueira.

UM POUCO LEMBRADO SAXOFONE “DA PESADA”

Para quem pouco sabe de jazz, como o locutor que vos fala, Sonny Stitt (não confundir com Sonny Rollins) é menos conhecido do que Coleman Hawkins, Charlie Bird Parker, Lester Young e Dexter Gordon. Mas é dos grandes. Na flor dos 21 anos, entrou para a orquestra de Billy Eckstine, passando a tocar com Gordon – aquele que, estreando como ator, foi indicado ao Oscar pelo papel de Bird no filme Por volta da meia-noite. Depois de Eckstine, tocou com Bud Powell (não confundir com Baden Powell) e Dizzy Gillespie. Dirigiu vários grupos pequenos (combos), antes de tocar com o trio de Oscar Peterson, em 1957, e com o quinteto de Miles Davis, em 1960 – substituindo John Coltrane. Sua ficha ainda inclui trabalhos com Dizzy Gillespie, Art Blakey e Thelonious Monk, no grupo Giants of jazz.
_______________7Lover man
Canção bem ao estilo Billie Holiday
Uma mulher desesperada emite sinais em versos como “eu estou tão triste” (I’m feeling so sad), “eu procuro alguma coisa que eu nunca tive” (I long to try something I never had), “a noite está fria e eu tão sozinha” (the night is cold and I’m so alone), sempre repetindo este refrão: “Homem apaixonado, onde você poderia estar?” (Lover man, oh, where can you be?”). Lover man é a cara de Billie Holiday. Além de Billie, a canção teve pencas de gravações (instrumentais,  a maioria):  Charlie Parker, Ella Fiztgerald, Coleman Hawkins, Sarah Vaughan, B. B.King, Dave Brubeck, Julie London, Jimmy Smith, Norah Jones, Whitney Houston, Jimi Hendrix, Ahmad Jamal, Sonny Rollins, Lee Morgan, Miles Davis, Carmen McRae, Chet Baker, Duke Ellington, Stan Kenton, Django Reinhard – só as de que me lembro.
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O saxofone que vem após a tempestade
Nesta temporada pós-carnaval, vai bem um “som” que não agride os ouvidos e que sugere o descanso, a calma que se segue à tempestade. Lover man, com uma formação que, a meu entender (o juízo de quem pouco sabe), funciona muito bem: sax, mais “cozinha” de piano, contrabaixo e bateria, desde que todos dominem o ofício. No caso, Sonny Stitt (sax alto),Walter Bishop (piano),Tommy Potter (contrabaixo) e  Kenny Clarke (bateria).

(O.C.)