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Ailton Silva | ailtonregiao@gmail.com

 

 

A senhora, na tentativa de justificar o “povo feio”, fez um rodeio, afirmando que o povo da região dela, o Sudeste brasileiro, é mal educado e não tão confiável quanto o morador de Salvador. Quando, finalmente, respondeu: “você é bonitinha”. Maria retrucou: “eu sou uma feia melhorada?”

 

Retornando de um compromisso em Recife, na noite de segunda-feira (2), desembarco no Aeroporto Glauber Rocha, em Vitória da Conquista, no sudoeste da Bahia, e sigo para a rodoviária, onde, por mais de três horas, esperei o ônibus com destino a Itabuna. Antes da chegada do transporte, encontrei os personagens do relato que faço a seguir.

No terminal rodoviário, sento-me em uma das cadeiras, de costas para duas mulheres e ao lado de uma terceira (não por falta de educação, mas forçado pela maneira como elas, as cadeiras, são disponibilizadas na área de embarque). De repente, uma delas, uma senhora de pele branca, durante uma conversa sobre a hospitalidade do baiano, soltou: “gosto de Salvador, porque o povo de lá é muito educado, prestativo, como em poucos lugares que conheço”.

 A conversa seguia num rumo tranquilo até aquele elogio. Mas mudou quando a mulher, a senhora de pele branca, fez uma ressalva: “Mas ô povo feio é aquele de Salvador, nunca vi igual!”

Maria, uma jovem negra que estava ao meu lado, moradora de Camaçari, na Região Metropolitana, que até não participava da conversa, questionou: “Como assim?” A senhora respondeu, de pronto: “um povo desarrumado, que se veste de qualquer jeito, as mulheres não usam salto, não são elegantes”.

Incomodada, a jovem retrucou: “A senhora quer que as mulheres subam e desçam os morros de salto para trabalhar? Quer que as pessoas retornem bem vestidas da praia? Algumas regiões de Salvador não permitem a nós, mulheres, caminharmos de salto alto. Depois, é uma cidade praiana, com muitos turistas”, explicou.

A senhora não se deu por vencida. Rebateu: “As mulheres têm o cabelo desarrumado. Na verdade, elas não se cuidam mesmo”. Maria rebateu: “Assim como meu cabelo, natural?”.

O debate se acirrava, quando uma terceira mulher, com a qual a senhora tinha iniciado a conversa, fez uma ponderação com Maria: “deixa isso para lá”. Maria respondeu que não poderia ouvir calada qualquer tipo de desrespeito ao povo baiano e, virando-se para a senhora que acha o povo de Salvador educado, mas feio, perguntou: “no seu conceito de beleza, eu sou?”

A senhora, na tentativa de justificar o “povo feio”, fez um rodeio, afirmando que o povo da região dela, o Sudeste brasileiro, é mal educado e não tão confiável quanto o morador de Salvador. Quando, finalmente, respondeu: “você é bonitinha”. Maria retrucou: “eu sou uma feia melhorada?”

A senhora decidiu, então fazer uma comparação, agora entre os moradores de Salvador e Vitória da Conquista: “Eu gosto daqui, mas o povo não é educado, é metido a rico, acha-se superior”.  Maria mais uma vez interveio: “O povo do Nordeste é educado e bonito”.

Naquele momento, entrei na conversa, sem ser convidado, para testemunhar o que a jovem acabara de afirmar. Relatei que sempre fui muito bem recebido nos 7 dos 9 estados do Nordeste onde andei. Citei, inclusive, experiências vividas em Alagoas, Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco. Lembrei ainda que beleza é subjetiva (ou seja: belo é relativo). O debate foi encerrado assim.

Para mim, o povo brasileiro é lindo e educado – com ressalvas, não sobre a beleza, mas quanto à falta de  educação e ao desrespeito de alguns -, mas hospitaleiro como o nordestino eu não conheço. Ah, o nome da senhora nem fiz questão de saber! O da jovem, sim! É Maria!

Ailton Silva é jornalista e um dos editores deste site.