O professor e comunicador Odilon Pinto e dois de seus filhos
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Aos 72 anos, com a diabetes aperreando, morreu vítima de infarto, deixando um legado importante para a comunicação e a educação do Sul da Bahia. Mais um exemplo de vida que nos deixa fora do combinado.

 

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

Até parece que foi combinado: Na terça-feira (12) o jornalista Tyrone Perrucho nos deixa aqui neste mundo, e na quarta-feira (13), sem qualquer aviso-prévio, toma o mesmo caminho o radialista, jornalista e professor Odilon Pinto. Além da tristeza e saudade, passo a me considerar um estranho obituarista – função que existe numa redação – essencial para informar os que partem.

Mas como dizia Odilon Pinto: “Rosário, o jornalista é o grande secretário da sociedade, o encarregado de lavrar a ata dos feitos deste mundo, sejam eles bons ou ruins, não importam, têm que ser anotados”. Há alguns anos que não via e nem tinha notícia de Odilon, que há muito se transformou numa pessoa caseira, com o ofício de cuidar da diabetes que lhe acometia e da Língua Portuguesa.

Odilon Pinto era uma artista nato, um homem show, que dedilhava o violão, tocava “sanfona” ou outro tipo de instrumento, amparado por sua voz a cantar músicas de todos gêneros, como já fizera em bandas regionais. A partir dos anos 70, se dedicou às músicas para o homem do campo, como uma extensão do programa De Fazenda em Fazenda, produzido pela Divisão de Comunicação da Ceplac (Dicom).

Narrar, em poucas palavras, a que se prestava o De Fazenda em Fazenda é essencial para conhecermos mais Odilon e sua atuação para agregar todo o pacote tecnológico da Ceplac às fazendas de cacau, convencendo produtores e trabalhadores rurais. Era a comunicação de apoio dos extensionistas, com uma linguagem apropriada para que as práticas agrícolas fossem feitas em sua plenitude. Esse era o nosso mister.

E Odilon chegou à Ceplac com uma bagagem importante: saber se comunicar de forma simples, direta, de igual para igual com os homens que permaneciam no campo e aqueles que se mudaram para a cidade. Esse traquejo vinha da sua larga militância no PCdoB, o que lhe rendeu, além de um grande conhecimento sociológico e antropológico, alguns dissabores, a exemplo do convívio no xadrez por ordem das autoridades militares.

E a necessidade da Ceplac – ainda nos anos de chumbo – e o cabedal de conhecimento de Odilon casaram-se perfeitamente. Com o programa radiofônico em alta, foram aparecendo seus subprodutos, como o “Forró do Mata o Veio” e o programa radiofônico Namoro no Rádio, que encantava a todos. Lembro bem que recebíamos até 700 cartas por semana, correspondências estas enviadas das roças por pessoas pouco alfabetizadas.

E a finalização do De Fazenda em Fazenda era a apoteose com o quadro “Vida na Roça”, tirado das singelas cartas, com toda a verve de Odilon, fazendo com que muitos chorassem. Chegaram as mudanças políticas em nível nacional, eis que a nova direção da Ceplac resolve trocar a veiculação do programa, tirando-o da Rádio Jornal de Itabuna e levando-o para a Rádio Difusora de Itabuna.

Nadando contra a correnteza, Odilon se nega a apresentar o programa na nova emissora e cria o programa Na Fazenda do Odilon, continuando na Rádio Jornal, apesar da ameaça do desemprego. Enquanto isso, continua dando suas aulas de português em diversos colégios de Itabuna, na atual Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc). Odilon era diplomado em Letras e mestre e doutor em Literatura e Linguística.

Sem perder a simplicidade, continuou apresentando seu programa das 4 às 6h40min, dando aulas nos colégios e universidade, por muitas vezes fazendo esse périplo a pé e de ônibus, numa demonstração de como administrar seu tempo. Volta e meia a diabetes lhe consumia, e ele resolvia tocar o barco pra frente, com mais uma atividade, a exemplo de uma assessoria de comunicação e até ingressar na política.

Esse seu conceito e densidade eleitoral chega aos ouvidos do então candidato a governador Pedro Irujo, que o filia ao PRN e o faz candidato a deputado estadual, com a possibilidade de estar entre os mais votados, conforme as pesquisas. Como não poderia apresentar seus dois programas, substituo-o, mantendo o mesmo estilo, enquanto ele viajava dia e noite para manter o contato com os eleitores.

Disparado nas pesquisas, Odilon comete o pecado de não planejar a famosa boca de urna, e no dia da eleição sai de casa apenas para votar e aguardar a apuração. O resultado não poderia ser dos piores, todas as suas intenções de voto foram providencialmente trocadas nas entradas das cidades, comandadas pelos prefeitos e seus cabos eleitorais, com polpudas ofertas em dinheiro ou outros bens de consumo.

A fragorosa derrota não abalou Odilon, que continuou seu labor no rádio e nas salas de aula. Anos depois, retorna ao seu antigo partido, o PCdoB, porém não se aventura a outra candidatura. E assim esse piauiense tocava sua vida, sem reclamar da sorte, nem mesmo dos períodos em que passou fugitivo trabalhando na zona rural, ou na prisão, onde sofreu todos os tipos de tortura.

Assim como o colega Tyrone Perrucho, Odilon Pinto de Mesquita Filho era agnóstico, mas convivia com as crenças. Sonhava com o delta do Parnaíba, no qual passou parte de sua vida, que levava na esportiva. Numa das nossas muitas viagens, uma delas à Amazônia, não perdia a fleuma em nos acompanhar – a mim e ao fotógrafo Águido Ferreira – nas incursões aos bares e restaurantes, mesmo que tivesse de tomar duas doses de insulina.

Com o tempo, passou a apresentação do programa na Fazenda do Odilon para o filho Rivamar e se dedicou exclusivamente à educação, aos livros e aos artigos que escrevia para o Diário Bahia. Aos 72 anos, com a diabetes aperreando, morreu vítima de infarto, deixando um legado importante para a comunicação e a educação do Sul da Bahia. Mais um exemplo de vida que nos deixa fora do combinado.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado e mantém o blog walmirrosario.blogspot.com.br

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Odilon, eu fiquei na roça. De teimoso, porque aqui é meu chão. Virei meeiro, trabalho muito e divido os ganhos com o dono da fazenda. Pra você eu posso contar; dois filhos meus foram pra Itabuna. Um trabalha no comércio,  casou, leva uma vida simples, mas é uma pessoa de bem.

Daniel Thame (para Odilon Pinto)

“Querido Odilon,   essa carta chega até você molhada pelas lágrimas de saudade, mas também de gratidão.

Ah, Odilon. Você nem imagina quantas e quantas vezes nós sentava em torno do rádio, tomando o café,  pra ouvir seu programa e

principalmente o quadro Vida na Roça.

Eram histórias de amor, de tristeza, da vida dura no campo, mas também de momentos felizes que só você sabia contar. Porque você era um de nós, Odilon.

Nós só ia pras roças de cacau depois que seu programa terminava  e já ficava esperando o dia seguinte.

A vida na roça nunca foi fácil para o trabalhador,  mas nós vivia com dignidade, fome ninguém passava. E tinha as festas, de Reis, de São João, de Natal, o povo todo das fazendas se reunia e era uma alegria de dar gosto…

Uma vez no Natal eu levei um leitãozinho pra você lá na Rádio Jornal, você me recebeu na maior simplicidade e ainda me agradeceu na rádio.

E todo mundo ouviu, Odilon, porque não tinha fazenda nesse mundão de Deus que não tivesse um rádio só pra ouvir você.

Ah Odilon, que saudade desse tempo.

Depois veio essa desgraçada da vassoura de bruxa e tudo mudou pra pior. O cacau praticamente acabou, nós ficou perdido porque pra nós o cacau nunca iria acabar.

Odilon, muitos companheiros perderam o emprego, famílias inteiras ficaram sem rumo. Teve até Tonho, pai de cinco filhos, trabalhador retado, que mergulhou na cachaça e um dia se atirou no Rio Pardo, pra nunca mais voltar.

Teve Zeca, que pegou a família e foi pra São Paulo com quase nenhum dinheiro e não mandou mais notícias. Teve Maria, que foi abandonada pelo marido, se trancou em casa com os três filhos pequenos e passou a viver do pouco que nós conseguia levar.

Tanta gente que partiu, Odilon.

Odilon, eu fiquei na roça. De teimoso, porque aqui é meu chão. Virei meeiro, trabalho muito e divido os ganhos com o dono da fazenda. Pra você eu posso contar; dois filhos meus foram pra Itabuna. Um trabalha no comércio,  casou, leva uma vida simples, mas é uma pessoa de bem.

O outro, Odilon, se meteu com uma tal de droga, já foi preso, vive  em confusão e só de falar dá um aperto no coração. Minha véia é só que chora e ora o tempo todo pra Deus tirar ele desse caminho.

Odilon, acho que tô me alongando demais.

Quero encerrar essa carta dizendo uma coisa do coração.

Você nos deixou, a vida na roça tá em silêncio, mas nós tem certeza de que a partir de agora os anjos, santos e até Deus vão parar todas as manhãs pra ouvir  você contando causos da  Vida no Céu.

Daniel Thame é jornalista.