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Foi numa manhã chuvosa deste mês de abril que se deu o grande encontro do Pimenta com a Arubumba, palavra que uma das mais cativantes figuras do jornalismo regional utiliza para definir a coluna mais esculhambada do seu site, o R2C Press. A página virtual é mantida há seis anos por ele, Roberto Rabat Chame, um cara que virou repórter de rádio aos 13 anos e acaba de completar quatro décadas de dedicação ao jornalismo.

 

Rabat tem aquele tipo de personalidade magnética e uma pureza de criança (bem traquina, diga-se de passagem), mas a sua marca mais evidente é o humor, corrosivo sem ser grosseiro. É talento nato, uma graça natural, que lhe acompanha desde os tempos de rádio, passou pelo anárquico Marimbondo e está hoje em suas arubumbas no R2C Press.

Detalhe: foi Rabat que inspirou o surgimento do Pimenta e de muitos outros blogs que pipocaram em Itabuna e Ilhéus nos últimos anos. Como já escrevemos em outra oportunidade, o jornalista também inspira pelo seu caráter e amor pelo jornalismo. Conversar com Rabat é sem dúvida um prazer, pois a gente aprende e também ri pra caramba. É uma figuraça!

Pimenta – Quando você virou repórter?

Rabat – Em 69, eu já era repórter de pista, fui um dos repórteres mais jovens do país. Tinha uns 13, 14 anos quando comecei e passei por todas as rádios de Ilhéus e de Itabuna. Uma das figuras com quem trabalhei em uma equipe de esporte foi Marfísio Cordeiro (hoje juiz de direito em Itabuna), na antiga Rádio Clube.

Pimenta – Mas o início mesmo foi em que emissora?

Rabat – Na Rádio Cultura de Ilhéus. Naquela época, tinha um fone grandão, que não cabia na minha cabeça. Então eu precisava de três mãos mais ou menos, pra segurar o fone, o microfone e a prancheta. Um detalhe interessante é que a aparelhagem para fazer uma transmissão externa precisava de quatro pessoas para transportar até o campo. O negócio era de válvula e tinha que esperar um olho de boi vermelhão acender pra indicar que o sinal tava ok.

Pimenta – Como surgiu seu interesse pelo rádio?

Rabat – Rapaz, eu achava rádio interessante. O pessoal lá de casa ficava escutando e eu achava o maior barato aquela caixa e todo mundo prestando atenção. Em outra vez, eu fui ver um jogo do Flamengo e vi um pessoal dando carteirada. Eu perguntei por que aquele povo não pagava o ingresso e me disseram que eram da rádio e que o pessoal da rádio não pagava. Aí eu disse: é aqui que eu vou, nem que seja pra carregar fio, pra fazer qualquer coisa…(risos). Mas eu achei muito bonito o cara mostrar a carteira e passar (mais risos).

Pimenta – Vontade não faltava, mas quando veio a oportunidade?

Rabat – Estava acontecendo um torneio caixeiral, que tinha Paulo Kruschewsky, uma turma danada…Aí eu fui pra debaixo da sombrinha pra ficar vendo os caras, porque torneio caixeiral é rápido como a zorra, é um jogo atrás do outro. Fiquei lá em pé, pensando: “daqui a pouco vão me pedir pra fazer qualquer coisa”. Eu já tava me sentindo da rádio. Foi quando alguém me falou: “meu filho, pergunta ali como é o nome daquele cara que vai entrar no jogo”, e eu disparei. Na terceira vez, eu disse, “pô, e por que eu não falo (no ar)?”. Foi quando eu decidi que não ia ficar só trazendo a informação, eu ia falar para os ouvintes. Um dia, choveu muito forte, todo mundo “abriu o gás” e deixou lá um repórter de pista. Aí eu colei no cara. No outro domingo, eu cheguei e fui direto pra cabine. Nesse dia, um repórter não foi, o outro tava doente e por aí vai. Aquele era o meu dia. Veio o cabeça da equipe e perguntou se eu não poderia fazer uma entrevista, e eu: “é comigo mesmo”. Botei o fone e mandei ver. Parece que eu nasci pra fazer reportagem. Ninguém acreditava, cara.

Pimenta – Quem eram as estrelas do rádio ilheense nessa época?

Rabat – Armando Oliveira, Juarez Oliveira, Raimundo Veloso, Adir Brandão… Era uma turma boa danada. Era uma época em que o cara de rádio era pinçado para fazer um trabalho que refletisse bem o pensamento da comunidade. O que o profissional de rádio daquela época dissesse era lei.

Pimenta – E quando você começou a escrever em jornal?

Rabat – Quando saía da rádio, eu ia pro Diário da Tarde e ficava olhando aquelas máquinas de linotipo. Aquilo parecia Disneylândia. Rapaz, eu ficava fascinado com aquele negócio: tinha a caldeira e jogavam chumbo dentro pra fabricar a letra, depois juntava tudo, bota no papel, passa um rolo de tinta. Foi aí que Seu Otávio Moura (editor do DT na época) me perguntou o que eu ia fazer lá todo dia. E eu: “quero trabalhar aqui”. E ele: “mas quem foi que disse que você pode trabalhar aqui, menino?”. Eu pedi que ele arranjasse qualquer coisa pra mim, que eu não queria ganhar nada, só queria ficar ali.

Pimenta – Aí não tinha como o editor recusar…

Rabat – Ele me admitiu pra fazer um teste de repórter, com 14, 15 anos. A primeira coisa que me mandou fazer foi descrever a minha casa. Disse que se eu queria ser repórter, no mínimo teria que ser capaz de fazer isso. Rapaz, até a quantidade de tomadas eu botei. Depois, me mandaram cobrir um jogo na praia e foi a maior alegria da minha vida. Eu perguntava: “eu já sou repórter?”. Meu negócio era ser repórter. Eu passei a cobrir o esporte e trazia as informações para Veloso, que comandava esse setor no jornal. E o pessoal começou a gostar do meu trabalho.

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“Parece que eu nasci pra fazer reportagem. Ninguém acreditava, cara”

Pimenta – Como se deu sua evolução no jornal?

Rabat – Uma dia Veloso foi contratado para trabalhar na Associação do Porto de Ilhéus e foi ficando sem tempo para o jornal. Lógico, eu aproveitei. Não tinha um dia que não sobrasse matéria. Ilhéus estava com três times no campeonato baiano: Flamengo, Vitória e Colo Colo, tinha intermunicipal, campeonato na praia, Itabuna-Ilhéus, aquela rivalidade.

Pimenta – Sua praia então ficou sendo esporte por um bom tempo?

Rabat – Durante um bom tempo foi esporte, no jornal e na rádio. Fazia também na Rádio Baiana um programa chamado “Roberto Rabat 200 quilômetros por hora”, que terminou com 8 mil quilômetros por hora (risos). Não tinha FM na época e eu tinha cem por cento da galera escutando esse programa. Era pau puro, só música maluca: Jimmy Hendrix, Alice Cooper, Led Zepelin, Pink Floyd. No dia que eu botava alguma música de Caetano Veloso ou de Roberto Carlos, a galera só faltava me matar.

Pimenta – Não surgiram convites para trabalhar fora de Ilhéus?

Rabat – Nessa época, ainda bem novo, eu recebi vários convites para trabalhar na rádio Excelsior, na Sociedade. Fui na Rádio Globo dar entrevista, porque ficavam admirados como é que um menino daquela idade era repórter. Teve um jogo em Itabuna, na Liga Desportiva Itabunense, e o pessoal da Rádio Excelsior estava com a escalação errada. E eu, transmitindo pela Clube, observei os caras e no intervalo fui lá. Bati no ombro do sujeito e disse: “moço, sua escalação tá toda errada”. Ele gostou de mim e já desceu comigo para pedir a mamãe que me deixasse ir pra Salvador, que eu ia arrebentar na Fonte Nova. Mamãe não deixou e eu fiquei de mal com ela seis meses (risos). Você imagine, eu a todo vapor e receber um convite desse.

Pimenta – Com certeza o humor já era uma característica sua nessa época.

Rabat – Rapaz, nem fale. Teve uma vez que a polícia prendeu um traficante conhecido como Urubu e o zagueiro central da seleção de Ilhéus também tinha o mesmo apelido. Na defesa tinha Bico de Pato, Henrique Lampião, Urubu e Zé Bita. Cheguei esbaforido na redação e o diretor querendo saber o que tinha acontecido. Eu falei: “a polícia pegou Urubu, arrebentou no pau e ele tá entregando todo mundo. Quem diria que aquele desgraçado era traficante?”. Rapaz, larguei essa pilha e me mandei (risos). No outro dia, publicada a matéria sobre a prisão de Urubu, chegaram no jornal o pai, a mãe, Urubu, galinha, papagaio, todo mundo querendo tirar meu escalpo (risos). Claro que tivemos que publicar uma nota, explicando que o Urubu preso com a droga não era o da seleção de Ilhéus. Essa foi a minha primeira “Arubumba”.

Pimenta – E o Urubu não quis lhe processar?

Rabat – Não, mas ele mudou comigo. A gente tinha uma amizade boa, ele foi campeão do Intermunicipal com a Seleção de Ilhéus e a gente viajava junto. Meus parceiros eram Jorge Amarelinho, Marcos Bandeira (hoje juiz de direito em Itabuna), que era um craque de futebol. Depois que a polícia pegou o Urubu “do Paraguai” e eu fiz a brincadeira, ele mudou.

Pimenta – Com o tempo você acabou entrando na cobertura política.

Rabat – Muito tempo depois, eu enveredei para a área da política. Acompanhei comícios e um dia fui cobrir o evento de um político, que aliás era o candidato do jornal. Eu fiz a matéria, tudo direitinho, e desci o cacete no cara. Quando fui até a banca para pegar o jornal, foi a minha primeira grande decepção. Só tinha o lado bom do sujeito. Na terceira vez que aconteceu coisa parecida, eu pedi para não me mandarem mais fazer aquelas matérias, pois sempre saía o contrário do que tinha escrito.

Pimenta – O problema então foi você ter inventado de sair do esporte, que é uma coisa séria, para ir cobrir política…

Rabat – É verdade, matéria de esporte quase nunca o jornal tem interesse em mexer. Quer dizer, só se for em um episódio como aquele do Urubu…(risos).

Pimenta – Houve outras decepções?

Rabat – Teve uma época em que começaram a surgir novos jornais e apareceu um cara de Feira de Santana, que me chamou para trabalhar. Foi quando saiu a minha primeira matéria inteira, até os erros saíram (risos). A segunda, legal. Na terceira, cadê a matéria? Tinha lá no jornal era um anúncio, tipo “Pague seu IPTU”… e nada da minha matéria. Começaram a podar e isso foi me enchendo a paciência porque eu, ainda muito ingênuo, percebi como o poder econômico influenciava os veículos.A grana da prefeitura entrava para nortear a linha da cobertura e isso nunca bateu muito comigo. Eu pensava o seguinte: como é que eu vou dizer que a cidade está linda e o cara vai tropeçar no buraco? Como é que vou dizer que tá tudo iluminado se o cidadão foi assaltado em uma rua escura?

Pimenta – O que você fez para se livrar dessas decepções?

Rabat – Comecei a mandar notícia pra fora e esqueci um pouco daqui. Escrevi matérias de polícia para o Estadão, O Globo, Folha de São Paulo, A Tarde… Foi quando surgiu o Marimbondo, que eu acho que mexeu um pouco com a história do jornalismo em Ilhéus. É que o político desenvolveu um grau de cinismo tão grande, acostumou-se tanto a ser mentiroso, a utilizar a arte do engodo, de ludibriar as pessoas, que se você faz uma crítica direta a ele, entra por um ouvido e sai pelo outro. No entanto, se você criar situações de humor, em que o comportamento dele seja transformado em motivo de gozação, ele pira com você. Aí surge a “Arubumba”.

Pimenta – O que é Arubumba?

Rabat – Arubumba é uma palavra africana, que significa algo como confusão generalizada, bagunça, arerê… E é nada mais nada menos do que a coisa mais séria que eu já fiz até hoje.

Pimenta – E as travestidas do Marimbondo?

Rabat – Rapaz, aquilo quase resulta em processo. Teve um cara “travestido” que era amigo do juiz e foi lá no fórum. Quando o juiz abriu o jornal, não aguentou: caiu na risada e sacaneou a vítima também. Dizem que o juiz falou pro amigo: “eu prefiro você assim” (risos). Eu deixei de fazer as montagens porque houve uma ocasião em que os colegas de um adolescente levaram o jornal para a escola e o pai do menino estava lá de viúva, vestido de preto e tudo. Foi a maior gozação com o garoto. Aí eu parei.

Pimenta – Qual foi a melhor “travestida”?

Rabat – A melhor de todas foi Maurício Maron (jornalista). O que esse cara recebeu de cantada! Ele enlouqueceu, mas foi um momento especial na vida dele, quando ele conseguiu a mobilização de todo o comércio e dificilmente conseguirá nova façanha. O dia de estrela de Maurício, por mais que queira negar, ele tem que agradecer a mim. Eu mesmo achei Maurício a mulher mais gostosa de Ilhéus (muitos risos).

Pimenta – E campanha política, você chegou a fazer?

Rabat – Uma coisa que me provocou a maior indignação e me fez largar uma coordenação política no meio, foi quando o candidato entrou na zona do mangue do Teotônio Vilela e tinha uma pessoa com deficiência física, sentada lá numa cadeira toda quebrada, furada e o cara foi falando que estava ali porque soube que havia uma pessoa necessitada, que os outros políticos não davam importância à área social e que ele ia ajudar. A família do cara toda na porta, batendo palma. Depois, entramos na van e eu perguntei quando o candidato iria providenciar a cadeira. Ele respondeu que era conversa fiada, que ele não era nenhuma “Irmã Dulce”. Saí da campanha e eu mesmo arranjei a cadeira. O político, com raras exceções, investe na necessidade do povo e mente descaradamente.

Pimenta – Qual o seu sentimento com relação a isso?

Rabat – Eu peço a Deus que chegue o tempo em que a coisa seja verdadeira, que não exista tanta safadeza, tanta mentira, que o político deixe de enganar. O político vive da miséria e das esperanças alheias. E o povo, coitado, ele precisa que alguém o engane para ele criar uma expectativa de quatro anos de vida. Se o cara entender que tá todo mundo mentindo, que não vai mudar nada, ele mete uma bala na cabeça.

Pimenta – Como surgiu o Marimbondo?

Rabat – O Marimbondo surgiu para contar essas histórias com humor e destacando o cinismo, a mentirada que rola no meio político.

Pimenta – Você conseguia vender anúncios?

Rabat – Não, e é por isso que o projeto sobreviveu apenas uns dois anos. Os empresários recebiam pressão dos políticos para não anunciar no Marimbondo. Toda vez que você via o jornal na rua tinha um CDC baixado no Banco do Brasil, que eu pegava para custear as despesas. Eu arranjava um bocado de coisa pra fazer por fora, digitei até trabalhos escolares, fiz monografia… Tudo pra juntar grana e fazer o jornal.

Pimenta – Como você se sentiu com o fim do Marimbondo?

Rabat – Quando acabou o Marimbondo, fiquei meio descrente. Eu não tinha o meu veículo e os jornais e as rádios locais desenvolviam uma linha que não me agradava. Aí eu tô em casa, pensando na vida, fazendo matéria pros outros, diagramando jornal, quando chegam duas pessoas que me convidaram para abrir uma sucursal de um veículo regional em Ilhéus. Disseram que eu teria “toda liberdade do mundo”, mas pouco tempo depois as minhas matérias não saíam e eles alegavam que era falta de espaço. Logo eu fui informado de que a Prefeitura tinha acertado um débito grande com o veículo e por isso eu fui escanteado.

dsc093481“Peço a Deus que chegue o tempo em que a coisa seja verdadeira, que não exista tanta safadeza, tanta mentira, que o político deixe de enganar”

Pimenta – O jeito foi mais uma vez seguir carreira solo…

Rabat – Tava surgindo a internet discada e eu não sabia nem ligar o computador, mas queria aproveitar aquele negócio. Foi quando eu criei o R2C Press. Imagine que meu sonho era ter 100 leitores diários. No dia que apareceu “nesse momento tem 10 visitantes online”, a rua toda soube (risos). Eu posso fazer no site o que não consegui nos outros veículos. O R2C Press surgiu da minha insatisfação ao perceber que veículo nenhum sobrevive se não tiver com o governo. Eu imaginava que isso era daqui, mas eu fui percebendo que é no mundo todo (detalhe: o site já passou das 8 milhões de visitas).

Pimenta – Como os políticos recebem as críticas do site?

Rabat – Eu gostaria que as autoridades constituídas vissem o nosso trabalho como uma ajuda. Qual é o secretário que vai dizer que a secretaria dele não está andando? Eu espero em Deus que haja um amadurecimento, que as autoridades vejam os veículos como aliados, mesmo na crítica. O problema é que todo político é extremamente vaidoso e acha que tem uma imagem irretocável e que não erra. Quem erra é o secretário.

Pimenta – Você não acredita na boa intenção de alguns políticos?

Rabat – Há exceções mas em geral só existe oposição porque o cara não está na situação. É tudo igual, a única diferença é que um tá no poder e o outro quer entrar. Não existem esquerda e direita, mas sim um eterno jogo pelo poder. Quando houve aquelas manifestações pedindo a saída do nosso ex-prefeito, o “grande” Valderico (Reis), teve uma mobilização tremenda. Eu vi os poderes se digladiando em praça pública, mas não comi aquela farofa. Pelo amor de Deus, é subestimar a nossa inteligência.

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