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Marcos-BandeiraMarcos Bandeira 

Evidente, que o referido edital está maculado pela eiva da discriminação e inconstitucionalidade, pois viola flagrantemente o princípio da dignidade da pessoa humana e também o princípio da igualdade material. Não podemos permitir esse retrocesso.

É conhecido o axioma ou a “tirada” filosófica de um dos grandes governadores da Bahia, Octávio Mangabeira, quando verberou: “Pense num absurdo, na Bahia tem precedente”. Essa frase, embora proferida em meados do século passado, em face dos repetidos disparates cometidos na terra de todos os santos, continua cada vez mais atual. Pois bem, a última agora aconteceu no edital publicado pela Polícia Civil do governo baiano para o preenchimento dos cargos de delegada, escrivã e investigadora.

O malsinado edital exige das candidatas “avaliação ginecológica detalhada, contendo os exames de colposcopia, citologia e microflora”, sendo dispensado para as mulheres com “hímen íntegro”. Em outras palavras, a candidata deverá comprovar que é virgem para poder se candidatar aos referidos cargos. O ato hostilizado causou num primeiro momento perplexidade, seguido de incontida indignação, ante o ilegal constrangimento a que são submetidas as referidas candidatas.

Gostaria de penetrar às escondidas nos meandros dessa mente prodigiosa para descobrir  os caminhos que ele percorridos para encontrar a força do famoso hímen feminino. Será que a “virgindade feminina” constitui  requisito para o exercício regular da função de Delegada, investigadora ou escrivã? Qual a influência que o exigido hímen íntegro teria no desempenho das atividades dessas profissionais? Sinceramente, não consigo vislumbrar uma resposta racional que sustente o edital vergastado.

Os tempos mudaram. Hoje, uma candidata a delegada deve ter o bacharelado em Direito, o que, em regra, consome longos cinco anos. Logo, a faixa etária mínima de alguma candidata ao cargo de Delegada, dentro de um critério de razoabilidade, seria de 23 a 24 anos de idade. Indaga-se: no mundo de hoje, onde a vida sexual começa bem cedo e antes mesmo do casamento, é normal encontrar uma mulher nessa faixa etária virgem? Creio que não (tanto é raro o caso, que uma jovem brasileira ofereceu em leilão a sua virgindade pela internet). Se tiver, o número será tão insignificante que configurará exceção.

O sexo, abstraídas as mitificações do pecado, é uma coisa boa, prazerosa e que faz bem à saúde, principalmente, quando feito com amor e segurança. A falta de sexo é que é o grande problema, pois as pessoas mal-amadas normalmente represam suas paixões, psicoses, neuroses, e evidentemente que esses conflitos internos mal resolvidos é que podem influenciar no desempenho de qualquer atividade.

Os costumes mudaram. Houve um tempo em que existia no Código Penal Brasileiro um capítulo denominado “dos Crimes contra os Costumes”, no qual a “virgindade” era um bem jurídico a ser protegido, no crime de Sedução, quando se punia quem “seduzisse mulher virgem”, menor de 18 anos (art. 217 do CP), todavia, essa figura típica foi revogada; a expressão “mulher honesta” e o crime de adultério foram expurgados do nosso ordenamento jurídico, em face de sua inadequação com o atual momento histórico.

A influência religiosa em nossa legislação foi esmaecida pela opção feita pelo legislador constituinte de construir um verdadeiro estado laico e democrático de Direito. O bem jurídico a ser protegido pelo Estado é a dignidade do ser humano, seja ele homem ou mulher (art. 1º, III da CF). No caso específico da mulher, a sua dignidade sexual.

Evidente, que o referido edital está maculado pela eiva da discriminação e inconstitucionalidade, pois viola flagrantemente o princípio da dignidade da pessoa humana e também o princípio da igualdade material, porquanto o descrimina, o que é injustificável no âmbito de um Estado Democrático de Direito. Não podemos permitir esse retrocesso.

Os Direitos humanos das mulheres, os quais foram conquistados com tanto sacrifício e sangue, não podem ser suprimidos por um simples e malsinado edital de concurso. Precisamos de escrivãs, investigadoras e delegadas de Polícia que sejam profundas conhecedoras de seus respectivos ofícios e que exerçam a sua função com ética e profissionalismo, sendo irrelevante a condição peculiar de ser virgem ou não.

Marcos Bandeira é juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Itabuna, professor de Direito da Uesc e membro da Academia de Letras de Itabuna.

8 respostas

  1. Gostaria de respeitosamente discordar.
    A fresa “Em outras palavras, a candidata deverá comprovar que é virgem para poder se candidatar aos referidos cargos.” Não corresponde a verdade do que diz o edital.
    É certo que o edital é mal feito. Ele exige os exames e reconhece que os exames exigidos não são passíveis de mulheres virgens, dispensando elas dos exames.
    Não a nada que ver com restringir a virgem ou a não virgem do direito.
    O site quer fazer sensacionalismo.
    Da Redação: Sr. Mirson, o texto acima trata-se de artigo. Ou seja, opinião do autor. Por isso, não entendemos a razão de o senhor dizer que o site quer fazer sensacionalismo.

  2. Parabéns ao Excelentissimo DR.Juiz de Direito Marcos Bandeira pelas suas sabias palavras pois eu coaduno com o mesmo pensamento e atitude, pois não podemos admitir que um Edital de um Concurso Público venha constar um item tão esdruxulo, desrespeitoso, constragedor, vexatorio, creio que a Administração do Estado da Bahia esteja desnorteiada e descompensada, ao exigir das candidatas isso ferindo a dignidade Humana, e obrigado Pimenta na Muqueca pelo espaço Democratico.

  3. O problema, Dputor, é que a Bahia é “terra de todos os santos”, governada por todos os capetas. Por isso temos que comviver com os absurdos prativáveis. KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

  4. Pelo que o senhor Mirson tenta explicar, daqui a pouco vamos ter que ouvir coisas do tipo “isso foi inserido no edital pelos inimigos do governo. É coisa dos reacionários que estão contra Lula, Dilma e Wagner”. Coisas absurdas ditas pelo PT.
    O que me recuso a acreditar é que uma pessoa leia este artigo, bem fundamentado, diga-se de passagem, como é próprio dos escrito do autor, e não retire nada de importante do que dito foi dito.
    Estranha-me, ainda, que esse malfadado edital não tenha sido objeto de denúncia (ou até mesmo escárnio) dos movimentos feministas e ligados ao direitos humanos. Passou ao largo por todos eles, que têm afinidade política com o PT, partido do governador.
    Agiu com a cidadania que lhe é peculiar o juiz Marcos Bandeira ao expor e analisar um fato reprovável como esse, praticado pela administração publica estadual, em profundo desrespeito à Constituição Brasileira e à cidadania.
    Parabéns, Dr. Marcos pela lição dada.

  5. Data vênia, não é isso que diz o edital.
    Ele não exige que a mulher seja virgem para ter direito ao cargo. Ele apenas dispensa as virgens de fazer os exames obrigatórios para as outras.
    Mesmo mal redigido, o edital é claro o suficiente.

  6. Este é o maior disparti que já li. È uma vergonha uma ofensa
    as mulheres.Os nossos direitos devem ser RESPEITADO,imagine se fosse ao contrário.
    Deixo aqui a minha indignação,sou solidária as mulheres,e contra qualquer tipo de idiotice.

  7. Toda pessoa que é aprovada em concurso público faz exames de saúde, seja homem ou mulher. Sempre foi assim. É óbvio que o exame de saúde envolve exames ginecológicos, que no caso somente são realizadas em mulheres que não são mais virgens.
    Essa mania cada vez pior de defesa de direitos supostamente humanos é irritante no Brasil.
    J.W acabou foi aproveitando a e apareceu na mídia dizendo que era contra qualquer tipo de discriminação contra a mulher etc e tal.
    Tanto coisa séria que merece aprofundamento e a imprensa só fica procurando sensacionalismo que aqui é infelizmente repercutido pelo Juiz seguindo a mesma toada. Quanto bobagem!

  8. Faltou atenção ao ler o edital.. ele não condiciona o acesso ao cargo à comprovação de virgindade. Fizeram muita polêmica em cima de nada.. é uma cláusula de repetição, a maioria dos concursos exige esses exames e se a candidata é virgem, fica isenta de fazê-los pois são exames invasivos, só isso! Diante de tanto fuzuê o governo retirou o item do edital. Fez bem, antes que exigissem a cabeça de quem colocou o exame lá! Tem gente que opina sem nem ter lido o edital, sem nem saber do que se trata, baseado apenas no “ouvi dizer”. Se informem e formem sua própria opinião, em vez de perpetuar a ignorância com opiniões plagiadas.

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