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Lorena Guimarães artigoLorena Guimarães | lolik25@hotmail.com

Fico imaginando quantas noites aquele menino indefeso buscou por uma saída, quantas vezes pediu a Deus que apenas alguém o escutasse.

E quem nunca correu de uns “sopapos” da mãe em volta de um móvel da casa fale agora ou cale-se para sempre. Fui criada na época que bastava uma passada de canto de olho da minha mãe que me estremecia e já ficava imaginando o que aquilo iria me render em casa. Quer que eu conte mesmo?? Nem precisa, mas confesso… Rendia-me umas boas palmadas seguida de um bom castigo que se resumia em uma semana sem brincadeiras na porta de casa. Alguns bons anos se passaram e olha eu aqui, viva, e  ressalto sem frustrações para contar tudo isso.
Nos últimos dias, a discussão em volta da Lei da Palmadinha  ecoou de forma estranha a muitos ouvidos. A lei, agora rebatizada de Lei “Menino Bernardo”, tramitava  há dois anos na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e só  foi aprovada na noite de quarta-feira (21) no colegiado. O projeto de lei que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe a aplicação de castigos físicos a crianças e adolescentes.
Em meio a tantas especulações, me peguei pensando por horas como pode o Estado querer interferir na educação familiar? Querer entrar na nossa casa e direcionar a criação de crianças que ele não consegue nem garantir os principias princípios do ECA?  Se ele não consegue dar conta nem dos que já lhe cabe por direito, como a saúde, a segurança pública e a própria educação na qual ele ainda teima em querer deixar por último nas questões de investimento.
Escolas sucateadas, professores desvalorizados, projetos modelos para eles estão a todo vapor, mas por falta de material didático ficam no papel, ou muitas vezes realizados precariamente, parece piada, mas é verdade.   Piada querer fazer valer mais uma lei que tenho certeza que ficará engavetada junto a muitas outras que só existem no papel.
Mera utopia, pois o mesmo Estado que agora coloca o nome da Lei “Menino Bernardo”, foi o mesmo que se fez de  desentendido e fechou os olhos  quando o garoto de apenas 11 anos, que sofria maus-tratos praticados pelo pai e a madrasta, procurou os órgãos competentes para relatar o ocorrido. Foi o mesmo que fechou os olhos para um grito de uma criança que não aguentava mais ser maltratado, que negou a guarda a avó materna que por anos lutou para ter por perto o neto,  e agora quer pousar de salvador da Pátria por repreender “ um tapinha” dos pais. Na verdade este foi o tapa com luva de pelica mas bem dado que mais uma vez os nossos governantes nos dá de forma apaziguadora.

Agora eu pergunto, onde estava o ECA para manter a integridade física dessa criança, que por muitas vezes chegou a ir aos órgãos competentes em busca de ajuda? São perguntas que ecoam na minha mente e por muitas noites confesso que me tiram o sono. Fico imaginando quantas noites aquele menino indefeso buscou por uma saída, quantas vezes pediu a Deus que apenas alguém o escutasse, porque a lei que o protegia ele sabia que existia, mas não tinha quem a cumprisse de forma correta. Posso está sendo precipitada, mas é por estas e outras que o mundo anda dessa forma.
É fácil criar, quero ver é fazer valer na íntegra.  Por algum tempo  trabalhei com o jornalismo policial e cansei de ouvir os adolescentes infratores  dizerem a seguinte frase “Se alguém aqui triscar a mão em mim eu vou denunciar à justiça, porque você tá ligada, né, tia?, que é proibido maus-tratos contra a criança e o adolescente. Isso aqui não dá em nada, daqui a pouco minha mãe chega, aí eu vou para casa”.
Vendo aquele discurso decorado,  me indagava. Como um ser tão fragilizado, vítima de um Estado tão vulnerável, pode querer construir um discurso em cima do que apenas ouviu falar, mas não consegue questionar as mesmas coisas com relação a seus direitos básicos que não são dados como deveriam, como por exemplo, a educação?
Lá vi também muitas mães que sofriam vendo aquela situação, muitas trabalhadoras que saiam de casa cedo para manter o mínimo possível de conforto a estes meninos e diziam incessantemente: “Olha eu aqui de novo passando vergonha por sua causa, quando chegar em casa, você me paga. Está pensando que eu tenho medo das suas ameaças? Prefiro te bater agora do que ver você mais tarde no presídio ”, e eles ironicamente respondiam: “Me bata para você ver, que eu vou e te denuncio”. É, realmente as coisas não vão muito bem por aqui. Ah, se eu ousasse responder a minha mãe na frente de quem quer que seja, ainda tendo errado para ir parar na delegacia, aiai…
Na verdade, amigos, estamos vivendo em meio a deturpações  e  afronta aos bons costumes. Hoje é difícil lidar com os adolescentes que já não possuem as características psicológicas e de desenvolvimento  daquele jovem de 30 anos atrás, que bastava um olhar de repreensão dos pais para baixar a cabeça e entender que tinha feito algo  de errado. Confesso que boa parte da minha educação se fez também com estes  “tapinhas” que muitos modernos julgam como violência. Quero deixar claro que sou contra os maus- tratos, mas também já ouvi muito por aí aquele velho ditado que diz “ pé de galinha  não mata pinto”.
Lorena Guimarães é jornalista.

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