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O MATUTO E A “BONDADE” DOS CANDIDATOS

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

Apurados os votos e sabidos os eleitos (com perdão do trocadilho pouco explícito), posso brincar com o sistema, sem que a Justiça Eleitoral me meta grades adentro. E aproveito o momento para repetir um excerto de Festa de inleição, do poeta paraibano Pompílio Diniz (eu, até este momento, o dava como pernambucano). É a história de um matuto que se aproveitou da “bondade” dos candidatos, “cumeu até se arripuná” nas festas da campanha e depois foi às urnas. Trata-se de bela caricatura do nosso eleitor típico (o texto completo está em Buerarema falando para o mundo, de Antônio Lopes).

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Carne de bode, sarapatel e chouriço

O meu cumpade Vicente,/ Nessa úrtima inleição,/ Cumeu, de ficá duente,/ Carne de bode, pirão,/ Sarapaté e chouriço/ E dispois, com sacrifiço/ Foi votá na opusição.
Mas quando chegô a hora/ Do meu cumpade votá/ O pobre quis ir “lá fora”/ Pro mode se aliviá,/ Mas o tá do presidente/ Começa a berrar “Vicente!”/ E manda logo ele entrá…/ E disse pra ele: “assine/ seu nome nesses papé,/ Dispois entre na gabine/ vote lá em quem quisé,/ Mas não demore lá dento/Pois os outo também quer…” O meu cumpade assinô/ O que tinha de assiná,/ E se troceno de dô,/ Sem poder mais nem falá,/

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O cumpade faz “oportuno” uso da cabine

Mostra o tito, se aprivine,/ Fecha a porta da gabine,/ Começa logo a “votá”…/ Já fazia meia hora/ E o pessoá lá de fora/ Começaro a recramá:/ “Seu fiscá, ói a demora!”/ Outo diz “vamo simbora/ Que a urna é só de Vicente/ E o gota do presidente/Não bota o home pra fora!…”  Lá na mesa o presidente/Manda o povo se calá,/ Toca a esperar por Vicente,/ Toca Vicente a custar…/ E pra num havê revorta,/ Vai o tá do presidente/ Batê com força na porta/ Da gabine de Vicente…/ Depois dumas três batida/ Uma vóiz grossa, isprimida/ Responde de lá: “Tem geeeente!”

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SOLDADO É ELEITA VEREADORA EM ITABUNA

“O velho Ousarme perdeu o que lhe restava de bom senso e começou a escrever (mais) bobagens”, dirá o exigente leitor, com a anuência da gentil leitora. Calma pessoal! Apenas imaginei, com este título canhestro, despertar olhares para um tema que precisa ser discutido: a masculinização da mulher por meio da linguagem. “Soldado Valéria Morais foi eleita vereador em Itabuna pelo PSC”, anuncia um blog. Construção atabalhoada: primeiro, a mulher é tratada como soldado (palavra masculina, toda a turma da segunda série sabe); depois se lhe nega a condição de vereadora, chamando-a vereador. Então, nós temos soldado eleita e Valéria vereador. Talvez uma nova língua, mas não é a portuguesa, com certeza.

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“Soldada Valéria é eleita vereadora”

Os exemplos dessa violência, no caso da “soldada Valéria eleita vereadora”, são legião em todas os veículos: “A campeã das urnas foi a soldado Valéria Morais, com 2.054 votos”, trombeteia um jornal diário de Itabuna; “A soldado Valéria foi a mais votada”, assusta-se outro importante diário, “Soldado Valéria conseguiu os votos de 2.054 eleitores”, comenta um semanário itabunense – e por aí vai esse desvario gramatical. Mas, louve-se a diferença! “A vitória da soldada Valéria Morais despertou muitas consciências”, comenta-se num solitário espaço de jornal grapiúna, acrescentando-se, simpaticamente: “a soldada Valéria chega à Câmara com algum potencial de liderança”.

As mulheres deveriam reagir ao abuso

A boa norma diz que soldado é substantivo masculino, não comum de dois (o Michaelis até define soldado como “homem alistado ou inscrito nas fileiras…”),  sendo seu correspondente feminino soldada. Assemelha-se a delegada, deputada, vereadora, prefeita, reitora, doutora, generala, presidenta, promotora, coronela, marechala, confreira, paraninfa e outras. Assim, não se vê fundamento em chamar mulher de soldado, bacharel, general ou cônsul (consulesa é a escolha), pois tais termos são masculinos. É o velho preconceito (abrigado também pela Polícia Militar e o Tribunal Regional Eleitoral), repetido por uma mídia que se recusa a pensar, e aceito por mulheres que deveriam reagir a esse abuso.

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UMA CANÇÃO DE AMOR QUE GANHOU O MUNDO

Les feuilles mortes – que inaugurou esta coluna, em dezembro/2009 – é uma canção francesa de 1945 (letra de Jacques Prévert, melodia de Joseph Kosma), que Yves Montand lançou no filme As portas da noite, em 1946 (na foto, em cena com Nathalie Nattier). Um ano depois, Johnny Mercer fez a versão americana (Autumn leaves) e a música ganhou status de clássico do jazz. O tema foi gravado, além de Yves Montand, por Nat King Cole, Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Stanley Jordan (com duas guitarras!), Natalie Cole, Edith Piaff (em inglês!), Keith Jarret, Eric Clapton, Bill Evans, Juliette Greco, Stan Getz, Doris Day, Miles Davis, Chet Baker e Sarah Vaughan (com Winton Marsalis).

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A letra que vale a pena é a francesa

Se a gentil leitora tiver vocação para a pesquisa, por certo aumentará consideravelmente esta relação, pois o fascínio que Autumn leaves/Les feuilles mortes exerce sobre cantores e instrumentistas de jazz parece não ter fim. Curiosamente, vejo agora que não incluí na lista acima Laura Fygi, uma alemã branca cantora de jazz que ainda pretendo mostrar aqui. A meu juízo, a letra que vale a pena é a francesa – a americana segue o padrão nacional daquela terra de maus letristas. Realizamos o delírio de botar Nat King Cole e Natalie (pai e filha) cantando juntos. A voz dele vem do filme Autumn leaves, de 1956 – quando ela conhecia, no máximo, alguma cantiga de roda. Tinha seis anos.

(O.C.)

19 respostas

  1. Carissimo,
    A sua posição com o erro irritante toda vez em que lemos soldado e vereador é dentro do nexo de entendimento de qualquer simples mortal.
    Viva as promessas dos ‘sabidos eleitos’. A farra está apenas começando!
    A música, letra, melodia e interpretação maravilhosa. Aprovado, mais uma vez. Já está ficando meloso demais estes elogios por tuas escolha.
    Não vi falando ainda sobre Rubem Fonseca, apetece o seu gosto literário?
    Forte abraço e boa semana que esta por vir.

    Juliana Soledade

  2. Não mudou nada não, cumpade Ousarme, o povo continua fazendo suas “nescessidade” nas urnas, e os políticos seus “pé-de-meia, além de fazerem em público o que só deveriam fazer na privada, como bem notou o Barão de Itararé.

  3. No caso desses erros grosseiros, Mestre, são os “jornais” “fazendo em público o que não deveriam fazer nem na privada”, aliás, é pra onde vai boa parte deles, uma vez que grande parcela dos brasileiros ainda não fazem uso do papel higiênico industrializado. Abraços.

  4. Caríssimo Ousarme, há um agravante nesse caso da sordada. A própria, ao registrar-se candidata, indicou como nome para urna eleitoral o de “Soldado Valéria”. Confira no site do TSE.

  5. Não entendi o trocadilho ao fazer referencia a SOLDADO PM VALERIA MORAIS. Para inicio de conversa, a Soldado Valeria é uma cidadã, que goza de seus direitos fundamentais entre eles o direito de votar e ser votada.
    A soldado, nunca pensou em ser candidata a nenhum cargo eletivo, sua candidatura se deu por conta de uma posição ideologia de uma classe que viu em Valeria a pessoa ideal para representa-la. Perante um governo ditatorial, foi presa e perseguida causado assim um clamor social. Os eleitores da Soldado Valeria Morais são pessoas consciente (policiais, professores, familiares, amigos da policia e cada cidadão) que viram na edil a sinceridade, palavras verídica e o principal a honestidade.
    Ao contrario do que se diz e pensa o objetivo de Valeria não é a presidência da camara de vereadores e sim fazer a diferença onde quem vai ganhar é o povo, principalmente os mais necessitados.

    Da Redação: Cláudio, a coluna apenas esclarece que há flexão de gênero e o correto é “Soldada Valéria”, embora a militar tenha se registrado na Justiça Eleitoral como SoldadO Valéria Morais e esse tratamento (no masculino) seja o empregado na corporação.

  6. É, caro Juca. O TSE registrou o costume do cachimbo. Mas acredito que a imprensa – especialmente a que acompanha os fatos “policiais” – acostumou-se a chamar a policial militar feminina de mais baixa patente de “soldado” porque é assim que todos eles – e elas – se tratam. Alguns dizem “a pfem soldado Fulana”, “a pfem sargento Sicrana” e por aí vai. Soldado, de ‘aquele que recebe soldo’, era invariável até que as mulheres conquistaram volumoso espaço nas corporações militares, mas não se justifica mais. Cabe a nós, da imprensa, também nos atualizarmos em relação às transformações sociais e registrá-las na escrita formal, mas também caberia às soldadas e soldados não darem margem a esses equívocos – pra não dizer preconceito. Aliás, esse é o conselho do sábio Ousarme. Apenas acompanho o relator.

  7. O problema de alguns jonalistas que nem vc falm coisas que n sabem o correto mesmo soldado valeria,so Dilma que mandou mudar o termo presidente para presidenta que era comum de dois generos.O presidente a presidente,o soldado a soldado,o cabo a cabo nao existe a caba!

  8. Ousarme, penso que é ainda o fato de a mulher ser novata nas profissões mais para macho, ou “macho”, que explica o termo soldado, para o sexo feminino, conforme lembra Domingos Matos. Adiante ouviremos e falaremos Soldada. Considero muito tuas alusões gramaticais, que a arrogância acha desinteressante. Elas são parte preciosa de nosso UP. Quanto às urnas, faço minhas as palavras de Ricardo Seixas, comentando o Pompílio Diniz que apresentaste. A cada eleição cresce o número de eleitores latrineiros, dada a falta de atenção com a História do Brasil.

    Aproveito a sugestão de Juliana Soledade, e faço também a minha. Espero esteja em sincronia com o teu pensamento, como de outra vez. Pretenciosa essa leidikeit! Que tal o amor platônico e impossível de Grande sertão – veredas de Guimarães Rosa, com trilha sonora de Meu bem querer (Djavan)? Apesar de Autumm leaves, os amores impossíveis são doloridos em qualquer estação: outonais e janeirais…

  9. Brasil é isso aí! Policial cometer crime fazendo greve, ferindo a Constituição Federal, é lindo e da direito ao fora da lei, uma cadeira no legislativo. Viva ao respeito à Carta Magna Brasielira! Viva o Brasil!

  10. Guerrilheiro, a presidente Dilma cometeu crimes piores em nome da “DEMOCRACIA”, mas todos sabemos que ela e seus colegas terroristas queriam apenas trocar uma ditadura por outra pior, eles mesmo já confirmaram publicamente e até livros escreveram sobre isso, e no entanto nenhum deles responderam pelos crimes cometido, pelo contrário, estão sendo muito bem recompoensados, e como estão, mas deixe para lá, sabemos muito bem que toda essa revolta contra o Prisco em Salvador e Valéria em itabuna são apenas dores de cotovelo, se eles estivessem sido eleitos pelo PT seriam tratados como herois, como aconteceu com o Alcindo da anunciação no governo carlista de João Durval que hoje é do PDT aliado de Wagner, aliás, já notaram que a grande maioria da base aliada de Wager são edx carlistas?

    OBS:
    Me refiro aos críticos de Prisco e Valéria sobre a greve.

  11. O que você entende de lei castrense?
    A soldado
    a Cabo
    A Sargento
    a Sub tenente
    A tenente
    A capitã
    A major
    A tenete Coronela
    A coronela.

    Quem feriu a Constituição foi o governo sendo ele: o Principio da dignidade da pessoa humana. Acho que você desconhece

  12. Engana-se nobre autor,a expressão “soldado” é simplesmente pelo fato dela ser militar, soldado pode ser qualquer militar independente de seu grau hieráquico.

  13. ACHO “MASSA” ESSAS PRODUÇÕES MATUTAS LITERÁRIAS. VEZ EM QUANDO ATÉ EU PRÓPRIO FAÇO UNS ARREMEDOS!
    PARABÉNS PELA QUALIDADE DE SEMPRE!!!

  14. Porque hoje é terça:
    • De lanterna na mão, procurei no meu texto algo que denunciasse o alegado “preconceito” contra a soldada Valéria, e nada encontrei. Ao contrário, vi (e reafirmo) minha simpatia pela sua causa de mulher. Quanto ao soldado Prisco, jamais mencionado por mim, nada tenho a responder. Também não abrigo manifestações reacionárias – daí polemizar com quem assim se manifestou seria dar guarida a uma linha “filosófica” que não justifica o tempo gasto. Dizer que soldado (assim como presidente) é comum de dois revela um despreparo tão grande quanto afirmar que Dilma Rousseff mudou a gramática portuguesa. Os leitores desta página não merecem tais comentários, por mais que eu defenda o direito que os autores têm de fazê-los. A propósito, nunca se falou aqui em “caba”: a palavra cabo é masculina, portanto a norma culta manda chamar “o cabo Fulana” (não “a cabo Fulana”). Diz-se, em português, “a soldada Fulana” e “o cabo Fulana”. E não me venham com “linguagem castrense”, pois jargão de quartel não é meu departamento. Vamos ao que, de fato, é relevante:

    • Rubem Fonseca, como costuma acontecer com os ficcionistas, reflete o mundo em que formou sua mitologia: foi delegado, viveu em meio à violência, e isto está em sua obra. A literatura “fonsequeana” foi classificada como “brutalista”, por um crítico de respeito. Pornografia, erotismo e morbidez são achados frequentes – o que o aproxima de Nelson Rodrigues, mas isto não foi dito por nenhum “crítico de respeito”, mas por mim. Até parece que não gosto de RF. Acho que gosto, pois tenho cinco livros dele. Os meus preferidos são Agosto e Vastas emoções e pensamentos imperfeitos, a partir do título.

    • Quanto a fazer na urna o que deveria fazer na privada, penso que vamos ter de conviver com isso. Imagino (meu marxismo será agora reles miopia idealista?) que melhoramos a cada eleição, que as pessoas passam a fazer escolhas mais racionais do que emocionais. Preciso acreditar nisso, para não ser niilista absoluto e me transformar em pregador contra as eleições – o que seria uma estupidez tamanho GG.

    • Parece que este é o entendimento da inteligência brasileira: certos cargos eram sempre tratados no masculino porque não havia mulheres a ocupá-los, caso de soldado e presidente. Com a ascensão do sexo frágil (kkkkk!) isso mudou. Defendo que as mulheres tenham respeitada sua condição feminina. Quanto à soldada Valéria, que tenha vida longa, mandato público profícuo e que imponha ser tratada como mulher, vereadora e soldada.

    • A menção ao “amor platônico e impossível” de Diadorim e Riobaldo Tatarana me devolve a paz quase perturbada por comentários arrevesados. Li que certo autor, não me lembro quem, em momento de fraqueza/franqueza, confessou não ter inveja, mas ter vaidade. Digo e provo que não invejo meus leitores, mas me envaideço deles: que coluna vocês conhecem que provoque remissões a Guimarães Rosa, Rubem Fonseca, outros grandes autores e importantes temas? Por essa vaidade que me esquenta o peito, pago o preço da inquietação por não saber até quando posso manter as expectativas – ou, como se diz em língua brasileira, não deixar a peteca cair.

    • E a quem faz “uns arremedos de produções matutas literárias”, lembrar que a literatura popular em versos (a que chamam cordel!) tem lugar assegurado nos meios intelectuais de mente aberta. O repente é, a meu juízo, uma das mais autênticas de nossas manifestações culturais. Se tanta gente prefere o rap (improviso que mata de rir os repentistas da Paraíba, Pernambuco, Ceará e adjacências), não me culpem. Portanto, vá em frente!

    A todos, muito obrigado. Porque hoje é terça…

  15. Com a devida permissão do colunista, tomo a liberdade de recomendar: No rol dos “arremedos de produções matutas literárias”, seu BOY, fique à vontade para incluir Catulo da Paixão Cearense, Manoel de Barros, Ariano Suassuna e outros mais… Eles são a própria “Produção Matuta” de 1ª grandeza, sem arremedo.

  16. Ousarme,
    R. Fonseca, está dentro os meus preferidos, já devorei quase todos os livros dele, faltam apenas 3.
    Assino embaixo do que disse, apesar de nunca ter feito a comparação com Nelson, poderia até incluir a maneira como ele nos obriga involuntariamente a nos prender pelos contos dos alfarrabios dele.
    Falei um pouquinho sobre ele e o livro “História de amor”.
    http://www.irreverenciabaiana.com/p/livros.html

    Forte abraço por hoje aqui é quarta!

  17. Estava à procura de informação sobre a música de Jacques Prévert e por isso cheguei ao seu blog. Vou fazer um link para aqui e tornar-me seguidora.

    Da Redação: Ousarme e toda a equipe do Pimenta agradecem!

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